quinta-feira, 4 de julho de 2013

O DESAFIO DA TRANSFORMAÇÃO INTERIOR

Depois de mais de seis mil anos de história do homem na terra, muitos defendem que o mundo continua em situação de atraso. As notícias crescentes de violência, a manutenção do estado de guerras em vários pontos do planeta, a enorme desigualdade social que alimenta a miséria e a ignorância são alguns indicadores que supostamente justificariam a defesa deste ponto de vista. Como a mídia divulga preponderantemente notícias negativas, a visão global tende a direcionar exatamente para esta conclusão. Outra realidade, porém, semelhante a espiritual, acontece sem que se dê a devida promoção pública. O bem nunca esteve tão em moda. Religiões, ONG's, grupos humanitários, entre outros movimentos, esforçam-se em melhorar a condição de vida das pessoas e de si próprias. Imprescindível saber que a transformação do mundo somente ocorrerá mediante a transformação de cada um, a transformação interior.

O núcleo convergente para onde se dirigem todas as ações do Espiritismo é a transformação moral do ser humano. Transformação que necessita ser entendida como uma construção gradativa de valores, uma proposta de plenitude, um processo libertador da consciência e de formação do homem de bem. Não pode ser entendida apenas como contenção de impulsos inferiores, mas como a criação de condicionamentos novos e elevados. A reforma interior é tomar consciência do “si mesmo”, da “perfeição latente” à qual nos destinamos. É um ato de auto-educação que não ocorre sem dores, no entanto, não deve ser encarada como um martírio - que é uma forma de autopunição -, mas como um processo de conscientização. Crescer não significa sofrer como resgate; representa possibilidade de educação para propiciar a libertação. Não é a intensidade da dor que educa e sim o esforço de aprender amenizá-las. Assim, transformação interior deve ser considerada como melhoria de nós mesmos e não a anulação de uma parte de nós considerada ruim. É uma proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a felicidade.

A transformação interior é um trabalho processual e deve ser entendida como a habilidade de lidar com as características da personalidade melhorando os traços que compõem suas formas de manifestação como caráter, temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos. Uma ética de auto transformação implica em ter postura aprendiz, observação de si mesmo, renúncia, aceitação da sombra, auto perdão, cumplicidade com a decisão de crescer, vigilância, oração, trabalho, tolerância, amor incondicional, socialização e caridade. É comum ouvirmos no meio espírita a necessidade de “matar o homem velho”, “extinguir as sombras” ou “vencer o passado”. Tais expressões são equivocadas, pois não eliminamos nada do que fomos um dia, transformamos para melhor. Na prática, o caminho a ser seguido é o de harmonizar-se com a sombra e de conquista do passado, pois transformação interior nada mais é do que dar nova direção aos valores que já possuímos e corrigir deficiências cujas raízes ignoramos ou não temos motivação para mudar. Não pode ser entendida como a destruição de algo para a construção de algo novo, dentro de padrões preestabelecidos de fora para dentro, mas, sobretudo, como a aquisição da consciência de si para aprender a ser, a existir, a se realizar como criatura rica de sentidos e plena de utilidade a vida. Imperfeições são nosso patrimônio. Serão transformadas, jamais exterminadas.

Muitas pessoas possuem indevidamente a ideia de que a transformação interior equivale a santidade instantânea. Não é. Já está demonstrado pela ciência que a natureza não dá saltos e, portanto, devemos nos alegrar com as conquistas paulatinas e permanentes. A impossibilidade da rápida espiritualização pode descambar num outro tipo de santidade, a de adorno, da aparência, da superficialidade, o que é extremamente nocivo. A dimensão empresarial, por exemplo, viveu recentemente uma febre da mudança abrupta através da reengenharia e o resultado foi a quase extinção de muitas organizações que adotaram esta prática. A filosofia japonesa do Kaizen, ou seja, de melhorias contínuas parece ser a mais recomendável, tanto para o mundo organizacional como para o nível dos indivíduos. A proposta espírita igualmente é de aperfeiçoamento permanente e não de perfeição imediata. O objetivo é sermos melhor e não os melhores.

A escritora Louise Hay lembra apropriadamente que “quando realmente amamos, aceitamos e aprovamos a nós mesmo exatamente como somos tudo na vida funciona”. E é verdade. O primeiro passo para o auto burilamento é o desafio de encontrar-se consigo e gostar-se do jeito que é, na perspectiva de mudança continuada. Allan Kardec também advertiu que o verdadeiro espírita não é aquele que já está pronto, porém o que se esforça diariamente no domínio das suas tendências inferiores.

Deus permite um novo recomeço todos os dias, todos os instantes. Eis a grande dádiva a ser aproveitada. Se cair, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Chico Xavier costumava dizer que “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.” Jesus quando curava os doentes alertava que daquele momento em diante deveria se buscar a ser uma nova pessoa quando aconselhava “vai e não peques mais”.

O esforço de mudança ganha corpo a cada dia nas pessoas no mundo inteiro. É claro que passaremos por situações graves que devem ser compreendidas como sintomas do expurgo do mal em agonia. A fase de regeneração planetária, pouco a pouco, avança, enquanto a de testes e resgates declina. Um novo tempo surge. Um novo homem começa a nascer. Já vivemos timidamente a maioridades das ideias espíritas na Terra que não deve ser confundida com caracterização emblemática, mas como postura de entendimento e condução da vida. Não haverá força que consiga impedir o crescimento do homem neste planeta. A era do espírito lança seus primeiros raios no horizonte e se fará dia na consciência de todos num futuro não muito distante.


Carlos Pereira


Texto baseado no livro "Reforma Íntima Sem Martírios", de Ermance Dufaux/Wanderley Soares de Oliveira, Ed. Inede.


Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

YAMAS E NIYAMAS, A ÉTICA DO YOGA



Quando o yogi se torna qualificado, através da prática da disciplina ética, por abster-se de ações ilícitas (yama) e da auto-superação (niyama), pode (então) começar a prática de asanas e das outras técnicas. (Yoga Bhasya Varana, II:29)


Se você não tiver tempo ou disposição para agir conforme a ética do Yoga, tampouco terá tempo nem atitude para praticá-lo. Yama e niyama são os dois primeiros passos da caminhada, condição indispensável para que a prática dê resultados concretos. (Pedro Kupfer)


O fundamento do Yoga, como de toda espiritualidade autêntica, é uma ética universal. Essa prática compreende 10 grandes obrigações morais que podem ser consideradas patrimônio de todas as grandes religiões. São elas os 5 yamas e os 5 niyamas.

Yama significa controle ou domí­nio. É o pontapé inicial no caminho do Yoga. Os yamas são cinco proscrições: ahimsa, satya, asteya, brahmacharya e aparigraha, aquilo que não devemos fazer, os refreamentos ou abstinências que pretendem purificar o yogi, aniquilar a subjetividade advinda do egocentrismo e prepará-lo para os estágios seguintes da prática. Desempenham o controle dos impulsos naturais, que se manifestam através dos cinco órgãos de ação (karmendriyas): braços, pernas, boca, e órgãos sexuais e excretores. Essas normas de disciplina moral têm a finalidade de por freio ao poderoso instinto de sobrevivência e canalizá-lo para servir a um propósito superior, regulando as interações sociais do yogi, harmonizando o relacionamento dele com os outros seres. Esse controle criativo que os yogis exercem sobre as suas energias exteriorizantes resulta num excedente energético que pode então ser posto a serviço da transformação espiritual da personalidade.

Lakshman, Hanuman, Rama e Sita


Ahimsa, a não-violência, entende-se como não matar, não agredir, não ferir, nem causar nenhum tipo de dor a nenhum ser vivo. É a raiz de todas as outras normas morais.


Satya, a veracidade ou o não mentir, consiste em fazer coincidir pensamentos, palavras e ações, o que deve entender-se como evitar a falsidade em todas as suas formas.

Asteya significa não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas de outrem. Não é apenas não roubar, mas eliminar totalmente o impulso de apoderar-se de objetos (ou ideias) alheios.

Brahmacharya, o não desvirtuamento da sexualidade (não perverter, nem degradar, exacerbar, explorar ou se submeter ao sexo) pode interpretar-se como ser coerente em sua vida relacional e sexual. A palavra Brahmacharya é composta da raiz char, que significa mover-se, e da palavra Brahma, que significa verdade essencial. Assim, podemos entender brahmacharya como um movimento em direção ao essencial. É mais usado, geralmente, em termos de abstinência sexual. Mais especificamente, brahmacharya sugere que devemos formar relacionamentos que nos façam entender as verdades mais nobres.


Aparigraha, a não possessividade ou o não cobiçar, traduz-se em generosidade e desapego (vairagya) em relação não apenas aos bens materiais, mas também às relações afetivas. O apego (raga) nos tira da sintonia necessária para praticar. Assim, os yogis são encorajados a cultivar a simplicidade voluntária, pois o excesso de bens materiais só serve para distrair a mente, sendo a renúncia (vairagya) um aspecto essencial do estilo de vida yogiko.


Radha e Krishna





















Não pode ser eficaz e verdadeira a meditação de alguém que está em dí­vida com seus semelhantes, se há alguém a quem feriu, a quem enganou, a quem furtou, a quem explorou sexualmente, a quem deseja ou desejou arrebatar algo, pois as vítimas estarão vibrando contra o pretenso meditante. À mente deste acorrerão lembranças e remorsos, que a inquietarão e frustrarão a pretensão de meditar.

Niyama, as prescrições psicofí­sicas, compreendem cinco disciplinas ou observâncias, ou seja, aquilo que devemos fazer: sauchan, santosa, tapas, svadhyaya e Ishvarapranidhana. Essas atitudes cumprem a função de domí­nio sobre os cinco órgãos de percepção (jñanendriyas): olhos, ouvidos, nariz, língua e pele. Esse controle dos sentidos aponta à organização da vida pessoal e interior do praticante, harmonizando o seu relacionamento com a vida em geral e com a Realidade transcendente.


Sauchan é a pureza ou purificação. A purificação externa inclui alimentação vegetariana, exercí­cios de purificação orgânica (como a lavagem das vias respiratórias e dos aparelhos digestivo e excretor) e manter limpo o ambiente em que se vive. Um organismo poluí­do por hábitos impróprios, como o uso de drogas (incluindo o cigarro e o álcool) ou alimentação intoxicante, gera comportamentos e condicionamentos contraproducentes para a prática do Yoga. A purificação interna inclui a eliminação das impurezas do pensamento. As técnicas mais refinadas de purificação são tattva e chitta suddhi (antar mouna).


Shiva

Santosa, o contentamento, consiste em cultivar um estado interior de permanente alegria, independentemente das circunstâncias externas, o que facilitará muito o progresso na prática. O contentamento é uma expressão da renúncia (vairagya), o sacrifí­cio voluntário das coisas que nos serão inevitavelmente arrebatadas no momento da morte. Liga-se de perto àquela atitude de indiferença que faz com que os yogis encarem com a mesma atitude um torrão de terra e uma pepita de ouro, o que permite que eles se deparem com o sucesso e o fracasso, o prazer e a dor, com a mesma equanimidade inabalável.

Tapas é disciplina, determinação, força de vontade concentrada, esforço sobre si próprio, a sobriedade e austeridade visando a queimar os desejos egocêntricos, inferiores, instintivos e naturais, eliminando moleza, debilidade, pieguice etc.
Rama abraçando Hanuman

Svadhyaya é o estudo da metafí­sica do Yoga e de si próprio; abrange não apenas o autoconhecimento, através da reflexão sobre a sabedoria das escrituras (shastras), mas também a aplicação prática desse conhecimento.

Ishvarapranidhana é a devoção, consagração, auto-entrega e submissão a Ishvara (Senhor, Deus pessoal), entendido como o arquétipo do yogi, o modelo ideal a ser seguido pelo praticante. Também significa entregar incondicionalmente as ações e seus frutos a uma vontade superior à sua própria. Pode entender-se como auto-aceitação no momento presente ou, ainda, como serviço à Humanidade.

Poucas escolas de Yoga hoje em dia, principalmente aqui no Ocidente, se dedicam a ensinar os yamas e niyamas. Entretanto, uma pequena reflexão sobre eles revela a sua importância na manutenção da “ecologia” social e individual. Através da prática desses preceitos se estabelece uma convivência pacífica, harmoniosa e feliz na sociedade. É por essa razão que o sábio Patañjali os chama sarvabhauma, supremos ou universais, pois valem para todas as pessoas e em todas as circunstâncias.





Sí­ntese por Cristiano Bezerra, baseada em textos dos livros: A Tradição do Yoga, de Georg Feuerstein, Convite à Não-violência, de José Hermógenes, e Yoga Prático, de Pedro Kupfer.



Fonte do Texto e das Gravuras: Ekadanta Yoga
http://www.ekadantayoga.com.br