sábado, 30 de dezembro de 2023

A COMPAIXÃO


Os Padres e Madres do Deserto, cristãos do século IV, em cujos ensinamentos se baseiam as obras de João Cassiano, constituem o fundamento da Meditação Cristã. John Main, nosso fundador, redescobriu esta forma de oração para nós através dos escritos de João Cassiano, especificamente nos capítulos nove e dez de sua obra “As Palestras”.

A virtude à qual conduzem todos os trabalhos espirituais dos Padres e Madres do Deserto é a virtude suprema da compaixão: só o aumento do amor pelos outros é visto como um sinal confiável de crescimento espiritual. Quando perguntaram a John Main como deveríamos nos preparar para a meditação, ele disse: “Através de muitos atos de bondade”. No final, o essencial não é quão bem você medita, mas quão bem você ama.

O modo de vida que levaram no deserto levou finalmente a uma transformação total do ser, uma transformação no fogo do Amor:

"Abba Lot foi até Abba Joseph e disse-lhe: ‛Abba, na medida do possível, cumpro minhas obrigações: jejuo de vez em quando, rezo e medito, vivo em paz e purifico meus pensamentos. O que mais posso fazer?'. Então o velho levantou-se e estendeu as mãos para o céu; seus dedos se transformaram em dez lâmpadas de fogo e ele lhe disse: ‘Se você quiser, pode virar uma chama inteira’."

Deus, a energia Divina, é Amor. A meditação nos levará a vivenciar esse amor profundamente em nosso próprio ser e nós também seremos transformados por ele.

Tudo o que os Abbas e as Ammas fizeram e ensinaram foi feito por compaixão por aqueles que ainda estavam presos pelos seus “demônios”:

"Um irmão perguntou a Abba Sisoes: 'O que posso fazer, Abba, se caí? O velho respondeu: 'Levante-se novamente.' O irmão diz: 'Levantei-me e caí de novo.' O velho continuou: 'Levante-se de novo e de novo.' O irmão perguntou-lhe: 'Quanto tempo?' O velho respondeu: 'Até que você seja pego pela virtude ou pelo pecado'."

Não julgar os outros é outro sinal de compaixão. Nosso hábito arraigado de nos julgar é, na verdade, uma flagrante falta de compaixão. Somente quando nos aceitarmos como somos, com todas as nossas falhas, poderemos realmente aceitar e amar os outros.

A compaixão é, portanto, o verdadeiro fundamento e fruto da nossa prática. É considerado ainda mais importante que a oração:

"Pode acontecer que, quando estamos em oração, alguns irmãos venham nos ver. Então temos que escolher entre interromper a nossa oração ou deixar o nosso irmão triste, recusando-nos a atendê-lo. Mas o amor está acima da oração. A oração é uma virtude entre outras, enquanto o amor contém todos eles."(John Climacus)



Transcrição de Kim Nataraja



Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal


Nota
Para mais detalhes ver:

* JOHN MAIN E A MEDITAÇÃO CRISTÃ: https://coletaneas-espirituais.blogspot.com/2020/05/john-main-e-meditacao-crista.html

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

ASCENSÃO E QUEDA DO DEUS MITRA


“Se o cristianismo tivesse sido detido em seu crescimento por alguma doença mortal, o mundo teria sido mitraísta.” Ernest Renan, Marc Aurèle


Este estudo buscará enfocar o tema Mitra em cinco partes: a) as origens antigas do Deus; b) o culto e a liturgia do mitraísmo; c) a derrota frente ao cristianismo; d) resquícios mitraícos e sua influência sobre a maçonaria e e) como seria um mundo moderno mitraíco à guisa de conclusão. Utilizamos, para este trabalho, enciclopédias e diversos textos da Internet, principalmente o texto de Jean-Louis de Biasi no “La parole circule”.


I – As Origens Antigas do Deus Mitra

Existe muita controvérsia sobre a etimologia de Mitra. Na Índia védica, Mitra significava ‘amigo’, no persa avéstico era traduzido como ‘contrato’. Esta última definição é a que prevalece nos nossos dias, sendo pois Mitra a personificação do contrato. Segundo os etimologistas, Mit(h)tra é composto de um sufixo instrumental – “tra” – que significa instrumento de trabalho e de um prefixo “mi” que é encontrado em todas as línguas indo-européias sob diferentes raízes. “Mei” pode significar ainda “lugar, encontro”. Em sânscrito “mitram” significa “amigo”. Mitra significando, pois, ‘contrato’ e ‘amigo’ não se opõem realmente, visto que não existe amizade sem um engajamento mútuo. Não se fala em ‘pacto de amizade’? Mitra se encontra sob diferentes ortografias: Mihr, Meher, Meitros etc.

Os trabalhos clássicos de Mircea Eliade e principalmente os de Georges Dumézil sobre a Índia védica demonstram uma estrutura fundamental da sociedade e da ideologia das diferentes sociedades indo-européias. A sociedade é dividida em três classes: sacerdotes, guerreiros e agricultores que correspondem a uma ideologia religiosa trifuncional: a função da soberania mágica, da sacrificadora e da jurídica (Varuna-Mitra, Rômulo-Júpiter e Odin); a função dos deuses da força guerreira (Indra, o etrusco Lucumão-Marte e Thor) e, finalmente, a das divindades da fecundidade e da prosperidade econômica (os gêmeos Nâsatya ou os Asvins, Tatius [e os sabinos]-Quirino e Freyr).

Encontra-se o Deus Mitra no Panteão Védico da Índia desde 1380 a. C. Este Proto-Mitra estaria associado a Varuna e forma uma dualidade antitética e complementar. Mitra seria a face jurídico-sacerdotal, conciliadora, luminosa, próxima da terra e dos homens enquanto Varuna seria o aspecto mágico violento, terrível e tenebroso. Mitra torna-se, pois, a garantia do compromisso, a força deliberante, enquanto Varuna o respeito ao bom direito pela força atuante. A antítese Mitra-Varuna encontra-se também em Roma com a oposição dos dois primeiros reis: Rómulo (Varuna-Júpiter), semi-deus violento e Tatius (ou Numa-Mitra), ponderado e sábio, instituidor das questões sagradas e das leis, ligado igualmente aos deuses da fertilidade e do solo. Mitra é o Deus soberano sob seu aspecto racional, claro, regrado, calmo, benevolente, sacerdotal. Seu papel é secundário quando esta isolado de Varuna, mas compartilha com este todos os atributos da soberania. O Sol é seu olho, nada lhe escapa. A conclusão de um acordo se fará através de um sacrifício ao Deus Mitra, mas um sacrifício incruento, pelo menos no início, pois, mais tarde, terminará por aceitar sacrifícios sangrentos. Esta evolução é metaforizada pelo papel de Mitra na história dos Deuses, pois terminará por ser associado à morte do Deus Soma. Na origem, Mitra recusa-se a participar da morte ritual, sendo amigo de todos, pois prestará sua ajuda para, no final, ser um ator ativo na morte ritual.

O Mitra avéstico, encontrado na religião iraniana, é o Mitra mais conhecido e divulgado e precede o monoteísmo zoroastriano. A influência da antiga religião iraniana para a formação religiosa do Ocidente é bastante significativa: o tempo linear, a articulação dos diversos sistemas dualistas – sejam cósmicos, éticos ou religiosos -, o mito do Salvador; a elaboração de uma escatologia ‘otimista’ que proclama o triunfo do Bem sobre o Mal; a salvação universal; a doutrina da ressurreição dos corpos; certos mitos gnósticos; a mitologia dos Magos etc.

Na religião dos aquemênidas, a oposição entre Aúra-Masda (o Bem) e os daêvas (o Mal) sempre foi presente, já que na Índia védica aconteceu o contrário: no conflito entre os devas e os asura, aqueles foram vencedores, pois tornaram-se os verdadeiros deuses, ao triunfarem sobre as divindades mais arcaicas – os asura – que nos textos védicos são considerados figuras ‘demoníacas’. Processo similar, ainda que com sinal trocado, aconteceu no Irã: os antigos deuses, os daêvas, foram demonizados (ai, dos perdedores!). Eliade argumenta que “pode-se determinar em que sentido se efetuou essa transformação: foram sobretudo os deuses de função guerreira – Indra, Saurva, Vayu – que se tornaram daêvas. Nenhum dos deuses asura foi ‘demonizado’. Aquele que, no Irã, correspondia ao grande asura proto-indiano, Varuna, torna-se Aúra-Masda”.

Aqui, a antítese Varuna-Mitra é substituída pelo duo Mitra-Aúra sendo que a função continua a mesma. Mitra é um deus da luz, da aurora, guardião que socorre as criaturas, onisciente e vitorioso. Aúra, tornando-se progressivamente Aúra-Masda, transforma, também, a significação de Mitra, metamorfoseando-o paulatinamente num deus guerreiro. Mitra continua deus do contrato e do acordo e assegura uma ligação entre os diferentes níveis da sociedade da qual é garantidor da ordem, representada pelo gado e a fecundidade. Interessante notar que aquela trilogia de Dumézil – sacerdote, guerreiro e agricultor – começa a ser baralhada. Este Mitra avéstico, mais do que o védico, beneficiará os sacrifícios, notadamente os do Touro. Seu papel de deus guerreiro, contudo, crescerá à medida que Aúra-Masda fortifica e torna dominante o seu lugar no Panteão dos Deuses. Tal ‘evolução’ é lógica, pois como deus garantidor da ordem, sempre estará ao serviço do respeito da lei e do contrato para aqueles que o reverenciam. Com o tempo metamorfoseia-se num deus violento e cruel. É um deus solar com mil olhos e orelhas e, como vimos, um deus da fertilidade dos campos e dos rebanhos. Atua, como Hermes, no papel de psicopompo, ou seja, condutor das almas dos mortos, pois como senhor dos Céus conduz as almas até o Paraíso.

Mitra foi adorados por quase todos os soberanos persas: Ciro o reverenciava; sob Dario houve um breve eclipse, pois este, segundo alguns especialistas, era partidário de Zoroastro; e reaparece com Artaxerxes. No cerimonial da realeza persa, o dia de Mitrakana era o único dia em que o rei persa tinha o direito de embriagar-se, numa clara analogia com a morte védica.

Mitra retorna ao primeiro plano como deus do sol, dos juramentos e dos contratos, sob a influência dos Magos. Estes foram uma classe de sacerdotes dos antigos medas com um papel sacrificial importante e que entre os gregos antigos gozavam de uma reputação de serem depositários de uma sabedoria esotérica. No Panteão dos Deuses avésticos, Mitra seria filho de Anihata ou Anahita, a gênia feminina do fogo, uma espécie de Virgem Imaculada, Mãe de Deus. É a única figura feminina associada a Mitra, pois este permanecerá celibatário por toda a vida, exigindo de seus admiradores a prática do controle de si, a renúncia e a resistência a toda forma de sensualidade. Vale salientar que o maior Mithraeum (templo) construído em Kangavar na Pérsia Ocidental era dedicado a esta deusa. Segundo reza o Mihr Yasht, o extenso hino em honra a Mitra da saga religiosa persa, a história de Mitra é a seguinte: após ter sido promovido ao panteão dos Grandes Deuses, Aúra-Masda mandou construir-lhe uma mansão no cimo do Monte Hara, ou seja, no mundo espiritual, além da abóbada celeste. Postou-se aí como o protetor de todas as criaturas e não era adorado como todos os outros deuses menores com preces rotineiras. Aúra Masda consagrou Haoma como sacerdote de Mitra que o adorava e lhe oferecia sacrifícios. Aúra Masda cria e prescreve o rito próprio ao culto de Mitra no paraíso. Mitra, assim, retorna à terra para o combate contra os daêvas sem, contudo, conseguir vencê-los. Somente quando Mitra se une a Aúra Masda o destino dos daêvas será selado. Mitra será, a partir daí, adorado como a luz que ilumina todo o mundo.

No tocante aos babilônios, estes incorporarão o Deus Mitra no seu Panteão e, em troca, introduzirão, na religião persa, seu culto solar, tendo a astrologia como um dos seus pontos mais fortes. Convém salientar que a cultura judaica sofrerá uma influência marcante do dualismo zoroastriano a partir do cativeiro em 597 a.C. No judaísmo primordial, Iavé era concebido como o único criador do Mundo e do Universo, ou seja a totalidade absoluta do real, contendo inclusive o mal. O dualismo Iavé – HaSatan advém de uma crise espiritual que se seguiu ao cativeiro babilônico, personificando aspectos negativos da vida, sob a forma de Satã, que se tornará progressivamente também eterno. Satã seria, então, o fruto de uma cissão da imagem arcaica de Iavé combinado com as doutrinas dualistas iranianas. Esta tradição impactará fortemente o cristianismo nascente.

O Mitra irano-helenístico tem a sua gênese com as conquistas de Alexandre e a queda do império persa durante o ano de 330 a. C., pois Alexandre e 10.000 de seus soldados macedônios se casam com mulheres persas e mais, dentro do ritual persa. Sabe-se que alguns destes macedônios e seus filhos, iniciados pelas mães persas, introduziram o culto de Mitra na Macedônia e na Grécia. É deveras conhecido que a adoração deste Deus Mitra, advindo do inimigo persa, nunca obteve uma grande popularidade na Grécia, apesar de continuar a manter a influência junto à aristocracia meda e iraniana. Tanto assim que o nome Mitrídate (dado a Mitra) é encontrado em diversos reis partos, do Bósforo e do Ponto Euxino. A arqueologia tem descoberto diversos templos – Mitreas – na Armênia. Apesar da pouca influência junto ao povo grego, a religião iraniana entrou num vasto movimento sincrético junto à cultura helênica. Mitra era adorado em todo o império de Alexandre e os Magos continuavam a ser os sacerdotes sacrificadores. O culto repousava sobre uma cronologia escatológica de 7.000 anos, cada milênio sendo governado por um planeta. Daí advém a série dos 7 planetas, dos 7 metais, das 7 cores etc. Durante os 6 primeiros milênios, Deus e o Espírito do Mal combatem pela supremacia e, quando o Mal parecia vitorioso, Deus enviou o Deus solar Mitra (Apolo, Hélio) que domina o sétimo milênio. No fim deste período setenal, a potência dos planetas cessa e um incêndio universal recobre o mundo.

Curioso nesta época é a biografia do rei Mitrídate VI Eupator, rei do Ponto, anterior ao nascimento de Cristo. Seu nascimento foi anunciado por um cometa, um raio caiu sobre o recém-nascido, deixando-lhe uma cicatriz. A educação deste rei é uma longa série de provas iniciáticas. É visto durante sua coroação como uma encarnação de Mitra. A biografia real é muito próxima do Natal cristão. Ele será o último rei de uma longa lista de grandes reis Mitridates. Conquistou quase toda a Ásia Menor por volta de 88 a. C., mas foi derrotado pelos romanos em 66. Provavelmente aliou-se aos piratas Cilicianos dos quais falaremos a seguir. Foi, também, o primeiro monarca a praticar a imunização contra os venenos, a qual, segundo o Aurélio, se adquire por meio da repetida absorção de pequenas doses deles, gradualmente aumentadas, daí o nome mitridatismo.

A grande popularidade e o apelo do mitraísmo como uma forma refinada e final do paganismo pré-cristão foi discutida pelo historiador grego Heródoto, pelo biógrafo, também grego, Plutarco, pelo filósofo neoplatônico Porfírio, pelo herético gnóstico Orígenes e por São Jerônimo, um dos pais da Igreja.

O contato com o mundo helênico desenvolvia-se essencialmente a partir de Comageno na Ásia Menor. Daí surgem os primeiros testemunhos sobre Mitra, como um Deus dos Mistérios no primeiro século a. C., curiosamente, no seio dos piratas Cilicianos em luta contra os romanos. É dentro deste contexto de resistência e luta que Mitra pode tornar-se um Deus iniciático. Plutarco diz que celebravam em segredo ‘os mistérios de Mitra’. Sua capital era Tarso, onde nasceu S. Paulo, e Perseu era o seu Deus fundador. O símbolo da cidade era o combate do Leão com o Touro. Paralelamente a isto, os Magos medas se fixaram na Ásia Menor e na Mesopotâmia, infiltrando-se cultural e religiosamente no mundo helênico, principalmente, como vimos, na aristocracia. Cita-se que o rei Tiridate quando veio a Roma para ser coroado rei da Armênia por Nero, dirigiu-se ao imperador chamando-o por Mitra (Deus Sol).

O Mitra romano faz sua ‘rentrée’ no Império através dos Mistérios. O termo “mistério” possui um sentido muito preciso. Os mistérios gregos, e depois romanos, foram numerosos: Dionísio, Elêusis, Cibele, Átis e Deméter. Podem ser ainda citados os de Ísis, Sarápis, Sabázios, Júpiter Doliqueno etc. Uma certa bruma enigmática envolvia todos estas cerimônias dos mistérios, mas o comum entre eles, era o aspecto ‘solar’, apesar de todos esconderem sua identidade essencial. Desnecessário dizer que, por serem os mistérios, secretos e ocultos, poucos documentos escritos chegaram até nossos dias. O pouco que se sabe sobre eles advém da patrística cristã que, na ânsia de combater o mitraísmo, terminou por nos legar uma série de descrições sobre o mesmo. Alguns autores gauleses chegam a afirmar que assim como a maçonaria foi a religião clandestina da IIIª República Francesa, o mitraísmo sustentava subterraneamente a ideologia da Roma Imperial.

A inoculação do veneno mitraíco no seio do Império, segundo Plutarco (Vita Pompeu), foi o transplante, feito por Pompeu em 67 a. C., de 20.000 prisioneiros Cilicianos (uma província na costa sul oriental da Ásia Menor) que praticavam os “ritos secretos” de Mitra. Daí, a epidemia mitraíca se alastrou por todo o mundo romano, reforçada ainda pelos múltiplos contatos das tropas de ocupação romana com as outras culturas mitraícas, tendo atingido o seu zênite no século III, quando começou a travar uma luta de vida e morte com o cristianismo. Tanto assim que do século II ao IV da nossa era, os Mithrae (ou Mithraeum no singular) – templos dedicados ao culto do deus – chegaram a ser mais de 40 em Roma. Um dos maiores templos construídos podem ser encontrados hoje nos subterrâneos da Igreja de São Clemente, perto do Coliseu. Esta adoração não se restringia somente à capital do Império, mas principalmente às cidades portuárias da atual Itália: Óstia, Antium, no mar Tirreno; Aquiléia, no Adriático, Siracusa, Catânia, Palermo etc. Paralelamente, a propagação se dá na Áustria, na Germânia, nas províncias danubianas, na Polônia, na Hungria e Ucrânia e num movimento de volta, nas províncias da Trácia e da Dalmácia, num retorno à Grécia e a Macedônia. No terceiro século, encontram-se traços mitraícos na Criméia, no Eufrates, no Egito e sobretudo no Maghreb. Curioso é que a Espanha e Portugal sofreram pouquíssima influência. A Gália oriental, renana e belga, pagou o seu tributo, assim como também a Aquitânia. Encontram-se vestígios na região parisiense, como também em Boulogne sur Mer. Na Inglaterra, a concentração se dá em Londres e na região norte, ao longo do muro de Adriano, até Canterbury. Locais de adoração mitraíca foram encontrados também, na Bretanha, na Romênia, na Alemanha, na Bulgária, na Turquia, na Pérsia, na Armênia, na Síria, em Israel etc. No final do século III, Mitra era adorado da Escócia à Índia, chegando até a oeste da China, onde era conhecido como Amigo, nome que indica uma filiação védica.

Mitra passa a ser representado como um general militar. É o Amigo do homem durante a sua vida e seu protetor contra o mal após a sua morte. Mitra não é só propagado pelos militares romanos como também pelos funcionários, comerciantes, artistas, meio jurídico e financeiro e, principalmente nos círculos do conhecimento. Ao contrário da Grécia, penetra nos meios mais modestos e populares. Por mais de trezentos anos, os romanos adorarão Mitra.

Em meados do segundo século, seu culto atinge a cúpula militar. Os neófitos começaram a congregar-se sob os Flávios, espalhando-se o culto na época dos Antoninos e Severos. Os próprios Imperadores se fizeram iniciar nos mistérios, havendo suspeitas de que Nero tenha sido um deles. Contudo, é Cômodo (185-192) que parece ter sido o primeiro a se converter ao culto, seguido por Sétimo Severo. Caracala (211-217) encoraja o culto do Deus solar sob a forma de Sol invictus. O culto foi reintroduzido por Aureliano (270-275). O apoio oficial virá, entretanto, no reinado de Diocleciano em 307. Apesar destas emanações, não parece que Mitra tenha recebido uma preponderância imperial na corte dos Césares pagãos. Deve-se notar, ainda, que do mesmo modo que o cristianismo, sua influência não foi estendida ao meio rural. Alguns autores sugerem que isto se deveu à exclusão das mulheres nas funções litúrgicas.


II – Representações Litúrgicas e Ritualísticas do Deus Mitra

Mitra é um Deus de forma humana. É representado sob a forma de um jovem montado num touro e, com uma das mãos, empunha uma adaga para o degolar. Alguns afrescos, encontrados na parte mais central do Mithraeum (templo subterrâneo de adoração), representam Mitra com a cabeça voltada para o alto ou para o lado, significando desgosto com o que está fazendo. Sincreticamente, encontram-se ainda imagens de Teseu matando o Minotauro ou Perseu chacinando a Górgona ou, ainda, Hércules esfolando o Touro. Mitra está vestido em trajes orientais e muitas vezes circundado por dois meninos ou pastores que podem simbolizar o levante e o ocaso, o Outono ou a Primavera, as marés – montante e vazante – e ainda, a vida e a morte. A cena possivelmente se passa numa gruta. Um corvo, mensageiro do sol, está quase sempre na borda do rochedo. Vê-se ainda um cão se aproximando para beber o sangue da vítima, uma serpente enroscada dentro de uma pequena cratera e ao redor de um recipiente, um leão ameaçador, espigas de trigo sobre o rabo do touro e um escorpião que pica os testículos do animal morto.

A figura do touro tem sido exaltada através do mundo antigo pela sua força e vigor. Os mitos gregos falavam sobre o Minotauro, um monstro metade-homem metade-touro que vivia no Labirinto nos subterrâneos da ilha de Creta e que exigia um sacrifício anual de seis mancebos e seis donzelas antes de ter sido morto por Teseu. Peças de arte minóica representavam ágeis acrobatas saltando bravamente sobre o dorso de touros. O altar, em frente ao Templo de Salomão em Jerusalém, era adornado com chifres de touros que acreditavam ser portadores de poderes mágicos. O touro era também um dos quatro tetramorfos, ou seja um dos símbolos animais associados com os quatro evangelhos. A mística deste poderoso animal ainda sobrevive atualmente nas touradas da Espanha e do México, no rodeio dos ‘cowboys’ dos EEUU e agora, também, no Brasil.

Os estudos clássicos do belga Franz Cumont (1913) que provaram ser os mistérios mitraícos derivados das antigas religiões iranianas explica parcialmente como a cena da morte do Touro – conhecida como tauroctonia – inexiste na mitologia iraniana com a figura de Mitra. Cumont responde que teria encontrado textos que apresentavam o matador do touro como Ahriman, ou seja a força cósmica do mal na religião iraniana.

Somente a partir do Primeiro Congresso Internacional de Estudos Mitraícos (1971) levantaram-se novas hipóteses para explicar esta incongruência. A iconografia tauroctônica seria, na verdade, um mapa astronômico! Tais hipóteses, segundo os estudos de David Ulansey, baseiam-se em dois fatos: i) cada figura, na tauroctonia padrão, teria um paralelo com um grupo de constelações ao longo de uma faixa contínua no céu: o boi tem um paralelo com a constelação do Touro, o cachorro com o Cão Menor, a serpente com a Hidra, o corvo com o Corvus e o escorpião com Scorpio; ii) a iconografia mitraíca, em geral, é permeada por imagens astronômicas explícitas: o zodíaco, os planetas, o sol, a lua e as estrelas são permanentemente encontrados na arte mitraíca.

A pesquisa de Ulansey sobre cosmologia antiga, principalmente a astronomia greco-romana, focaliza o seu caráter “geocêntrico” no tempo dos mistérios mitraícos, no qual a terra era fixa e imóvel no centro do universo e tudo girava à sua volta. Nesta cosmologia, o universo era imaginado como estando contido numa grande esfera no qual as estrelas eram fixadas em várias constelações. Hoje sabemos que a terra tem um movimento de rotação sobre o seu eixo cada dia, mas na antiguidade acreditava-se que, uma vez por dia a grande esfera das estrelas fazia a sua rotação sobre a terra, oscilando num eixo que corria da abóboda do polo norte para o do sul. No seu giro, a esfera cósmica carregava o sol, explicando assim a oscilação do mesmo sobre a Terra.

Além deste movimento, os antigos atribuíam um segundo movimento mais vagaroso. Enquanto hoje sabemos que a terra gira ao redor do sol durante o ano, na antiguidade acreditava-se que, durante o ano, o sol – que estava bem mais próximo do que as outras estrelas – viajava sobre a Terra, traçando um grande círculo no céu tendo como fundo as outras constelações. Este círculo, traçado pelo sol durante o ano, era conhecido como o zodíaco, uma palavra significando ‘figuras vivas’, pois o sol passeava, durante o ano, sobre doze diferentes constelações que representavam diversas figuras de animais e formas humanas. Visto que os antigos acreditavam na existência real de uma grande esfera de estrelas, suas várias partes – tais como os eixos e os pólos – jogavam um papel crucial na cosmologia de seu tempo. Particularmente, um importante atributo da esfera das estrelas era muito mais bem conhecido do que hoje: o equador, denominado na época de equador celeste. Assim como o equador terrestre é definido como um círculo ao redor da Terra equidistante dos pólos, também o equador celeste era entendido como um círculo ao redor da esfera das estrelas equidistante dos pólos desta mesma esfera. O círculo do equador celeste era visto como tendo uma importância especial por causa dos dois pontos em que ele cruzava com o círculo do zodíaco: estes dois pontos eram os equinócios, ou seja, o local onde o sol, no seu movimento através do zodíaco, cortava-o no primeiro dia da primavera e no primeiro dia do outono. Assim, o equador celeste era responsável pela definição das estações e, por esta razão, tinha uma significação concretíssima ao lado de seu significado astronômico mais abstrato.

Um outro fato sobre este equador celeste é decisivo: como não estava fixo, possuía um movimento lento alcunhado de “precessão dos equinócios”. Este movimento, sabemos hoje, é causado por uma oscilação na rotação da Terra sobre seu eixo. Como resultante desta leve oscilação, o equador celeste parece mudar sua posição no curso de milhares de anos. Este movimento é conhecido como a precessão dos equinócios por que o seu efeito observável mais facilmente é uma mudança na posição dos equinócios ou seja, os locais onde, como vimos acima, o equador celeste cruza o zodíaco. Desta maneira, esta precessão resulta num movimento vagaroso para trás ao longo do zodíaco, passando sobre uma constelação do zodíaco a cada 2.160 anos e percorrendo todo o zodíaco a cada 25.920 anos. Hoje, por exemplo, o equinócio da primavera está no final da constelação de Peixes, mas, em algumas dezenas de anos, estará entrando em Aquário – já se fala muito, atualmente, na Era de Aquário. A grosso modo, o equinócio da primavera estava em Touro entre 4.000 a 2.000 a.C. mais ou menos; em Áries de 2000 a.C. até o nascimento de Cristo, ou seja nos tempos greco-romanos; a Era de Peixes – o cristianismo –, da gênese do mesmo até a nossa mudança de milênio e de 2000 e poucos em diante, a tão decantada Era de Aquário.

Ulansey descobriu que, neste fenômeno da precessão dos equinócios, estaria a chave para desvendar o segredo do simbolismo astronômico da tauroctonia mitraíca. Para as constelações desenhadas nas tauroctonias mais comuns havia uma coisa constante: todos eles estavam posicionados no equador celeste como na época imediatamente precedente à Era de Áries dos tempos greco-romanos. Durante esta idade anterior, que podemos chamar de Era de Touro (como vimos durou mais ou menos de 4.000 a 2.000 a.C.), no equador celeste da época estavam Taurus (Touro, o equinócio da primavera), Canis Minor (o Cão), Hydra (a serpente), Corvus (o Corvo) e Scorpio (o Escorpião que estava no extremo oposto do Touro, ou seja, o equinócio do Outono). A coincidência é impressionante, todos estas constelações estão representadas nas tauroctonias.

Em muitas ilustrações tauroctônicas, a cabeça de Mitra é nimbada de estrelas. Assim, a morte do Touro representaria, no zodíaco, o fim da Era de Touro e o começo da Era de Aries no equinócio da primavera e Mitra, o deus Todo-Poderoso, que poderia reger e mudar todo o sistema cósmico. Nos escritos do filósofo neoplatônico Porfírio, encontra-se a alusão de que a caverna, onde se posiciona o Mithraeum e está desenhada a tauroctonia, na sua parte mais recôndita, seria, na verdade, uma ‘imagem do cosmos’.

Como curiosidade, Freud e Jung tiveram uma divergência básica sobre a interpretação psicanalítica do morte do touro, sendo um dos pontos básicos de divergência e conflito entre ambos, resultando, posteriormente, em separação definitiva.

Mitra, Deus solar, também é representado com a cabeça de um Leão quando é saudado com o título de Sol invictus. São os afrescos, encontrados em Mênfis, com as coxas peludas, patas de caprino e a cabeça radiada. Mitra Leoncéfalo, portando as chaves, é outra imagem lapidar, pois fora das cenas tauroctônicas, ele é representado em momentos de refeição ou de iniciação.

No tocante ao culto e à liturgia, estes se faziam no interior do Mithraeum e na presença dos fiéis. A liturgia constava de ofícios e orações; manducação de pão e sumpção de água e vinho, acompanhadas de fórmulas sagradas; danças de luzes e fórmulas de êxtase; orações ao nascer do Sol, ao meio-dia e ao ocaso. As festas realizavam-se no sétimo mês do ano, mas todos os meses se festejava uma semana inteira, sendo cada dia destinado a um planeta. Comemorava-se, de modo especial, o dia natalício do deus (Natalis Invicti), a 25 de dezembro. Os ofícios dos templos faziam-se à luz de velas, com toques de sinos e com hinos, cujo teor não se conhece, porque se perderam.


O Mithreum típico (vide gravura supra) era uma pequena câmara retangular subterrânea (25x10m) com um teto arqueado. Um corredor dividia o templo ao meio, com bancos de pedra dos dois lados de 80 cm de altura no qual os membros do culto podiam descansar durante suas reuniões. Um mithraeum podia comportar de 20 a 30 pessoas. No fundo do templo, no final do corredor, havia sempre uma representação – normalmente um relevo entalhado e algumas vezes uma escultura ou pintura – do ícone central do mitraísmo: a tauroctonia ou a cena da morte do touro, conforme descrito acima. Outras partes do templo eram decoradas com várias cenas e figuras. Deveria ser implantado perto de uma fonte ou curso d’água ou, na falta destes, de um poço. Havia centenas, talvez milhares, de templos mitraícos no Império Romano.

Os adeptos de Mitra não se contentavam com um misticismo contemplativo. O seu culto encorajava a ação e um grande rigor moral. Para os soldados, a resistência ao mal e às ações imorais representavam uma vitória tão importante quanto as militares.

Reuniam-se, em pequenos grupos, unidos e solidários pelo ritual iniciático. Partilhavam o banquete sacramental com os deuses e finalizavam com uma aliança entre o sol e Mitra. O repasto, sobre os despojos de um touro, era seguido de um sacrifício, muitas vezes de um touro, ou de animais simbolizando o touro: cabras, javalis e/ou galináceos.

Consagrava-se o pão e a água, bebia-se o vinho que simbolizava o sangue do touro e comia-se a carne. O processo da iniciação mitraíca requeria a subida simbólica de uma escada cerimonial com sete degraus, cada um feito de um metal diferente para simbolizar os sete corpos celestiais. Simbolicamente galgando esta escada cerimonial através de sucessivas iniciações, o neófito podia atravessar os sete níveis do céu. Os sete graus do mitraísmo eram: Corax (Corvo), Nymphus (Noivo), Miles (Soldado), Leo (Leão), Peres (Persa), Heliodromus (Corrida do Sol) e Pater (Pai); cada grau era protegido por um planeta (na cosmologia da época): Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, a Lua, o Sol e Saturno. Cada dignitário apresentava a vestimenta e a máscara correspondente ao seu grau. Como todo rito mitraíco a estrutura hierárquica era setenária. Os adeptos tinham a sua divisão de papéis: o chefe (pater), o papel de Mitra, o heliodromo (sol), o corvo apresentavam as carnes e as bebidas aos convivas dentro de uma ordem hierárquica. A carne era assada sobre os altares dentro da concepção do sacrifício do mundo greco-romano.

Os rituais iniciáticos constavam da admissão dos fiéis por “inductio”. Antes de serem admitidos, os candidatos eram interrogados, sondados, informados num local distinto do templo. Em seguida, eram submetidos a uma série de provas, nus e com os olhos vendados, marchavam às apalpadelas diante de um mistagogo para finalizar se ajoelhando diante de um personagem que portava uma tocha diante de seus olhos. A seguir, com as mãos atadas às costas, colocavam um joelho no chão ao mesmo tempo que um sacerdote cingia-lhes a cabeça com uma coroa. No final, prostravam-se como mortos. Tudo isto faz parte da tipologia iniciática das sociedades secretas em geral: olhos vendados, resistência física, morte simbólica etc.

Reprova-se, nos adeptos de Mitra, a propensão aos sacrifícios humanos. Tal suposição advém de se ter encontrado, nos diversos Mithrae, restos de esqueletos humanos.

Apesar de todos os estudos antigos e modernos, conhece-se mal a “teodicéia” mitraíca. Sabe-se, contudo, que os “mistérios” da Antiguidade revelam um mito ou uma história santa que legitima a liturgia. É uma certa explicação do Mundo e da passagem do homem sobre o mesmo que dá toda a força aos “mistérios”, sejam eles de Mitra, de Elêusis, em suma de quase todos. A religião de Mitra se independentizou de suas origens orientais, agindo como um imã que atraiu diversos aportes: gregos, babilônicos, romanos etc. Finalizou como um Deus adaptado ao Império Romano, explicando assim o seu sucesso. Uma das grandes ironias da história é o fato de que os romanos terminaram por adorar um deus de um de seus maiores inimigos políticos: os persas. O historiador romano Quintius Rufus assinala no seu livro História de Alexandre que antes de ir batalhar contra os “países anti-mitraícos” de Roma, os soldados persas oravam a Mitra pela vitória. Sem embargo, tendo as duas civilizações inimigas estado em contato de conflito aberto ou latente por mais de mil anos, os adoradores de Mitra migraram dos persas, através do frígios da Turquia, até os romanos.

Numa análise simbólica final, o culto de Mitra revela uma história do Mundo. Saturno (ou Cronos, representando o Tempo) reinava soberano sobre o Mundo, quando entregou a Júpiter o raio, uma arma letal que serviu para derrotar os gigantes e gênios do mal. Alguns autores hipotetizam que este gênio do mal poderia ser o Oceano que cobria a Terra.

Mitra, Deus petrógeno, não descende aqui do Céu, pois surge miraculosamente de uma rocha com um barrete asiático, tendo em uma das mãos uma tocha luminosa e na outra, a adaga. Pastores assistem e ajudam este nascimento. Mitra, em seguida, é encontrado junto de uma árvore ceifando o trigo. Depois é visto atirando com um arco sobre uma parede rochosa onde jorra uma fonte que sacia os pastores. Alguns autores concluem que as forças do mal (Oceano?) tentaram aniquilar os humanos pela fome e pela sede e que Mitra, salvador dos homens e Deus protetor, interveio para os alimentar e saciar sua sede, não só dos homens como dos rebanhos. Nota-se, também, que o papel “justiceiro” das tradições asiáticas não desapareceu, pois Mitra vem em socorro do Mundo para fazer respeitar a Lei Divina.

Começa, agora, a perseguição ao Touro. O touro está em conjunção com a lua, seus dois chifres formam o crescente. O touro contem os elementos vivos (o esperma do touro purificado pelo raio da lua produzirá os espécimens animais). Mitra tem a missão de subtrair estas forças vivas das tentações maléficas. O touro se refugia numa construção mas dois pastores ateiam fogo ao local. Mitra alcança o animal, agarra os seus cornos e consegue cavalgá-lo. Depois, prende as patas traseiras do animal, arrasta-o até a gruta onde um corvo, mensageiro do Sol, impõe-lhe a tarefa de matar o animal insubmisso. A morte do touro atrai uma serpente e um cachorro que se apressam em sugar o sangue que jorra da ferida enquanto um escorpião (algumas vezes um caranguejo ou um ‘câncer’) fisga os testículos da vítima para aspirar sua força vivificante.

Cumont afirma que espigas de trigo saem da ferida, juntamente com o sangue que escorre da calda do touro. Do corpo da vítima moribunda nascem as ervas e as plantas salutares… De sua medula espinal germina o trigo que dá o pão, de seu sangue, a vinha que produz a beberagem sagrada dos mistérios.

É após a morte do touro que um conflito se abate entre Hélio e Mitra. O Sol, ajoelhado diante da tauroctonia, perde sua prerrogativa de astro soberano. Mitra torna-se o verdadeiro Sol Invictus que vem salvar a criação. O Sol reconhece a preeminência de Mitra pois se faz iniciar no grau de Soldado (Miles).


III – O Cristianismo Triunfante

O fim do mitraísmo coincide com o seu zênite no século III d.C. e vem acompanhado da entronização do cristianismo como religião do Império Romano. Como vimos, o mitraísmo sofria o passivo de praticar uma liturgia elitista em pequenas sociedades secretas na qual as mulheres eram excluídas. Não se propunha ser uma religião de massa, aberto a todos, como o cristianismo. Era uma religião otimista e Mitra teve o grande defeito de não ter morrido para salvar o mundo.

Como os persas eram inimigos hereditários do Império Romano, os cristãos fizeram de tudo para ligar o mitraísmo a uma religião “inimiga”, persa por excelência, pois os romanos não deveriam adorar um deus importado do adversário. Apesar de tudo parece que Constantino manifestou uma certa simpatia pelo mitraísmo, principalmente na sua versão de “Sol invictus”. Quando este primeiro imperador cristão colocou todas as religiões pagãs na clandestinidade, poupou os mitraístas pois estes possuíam muita influência junto aos militares que eram o cimento do Império. O ‘punctus saliens’ no qual os cristãos atacavam os mitraístas era a sua propensão aos sacrifício animais. Quando estes sacrifícios foram interditados, bloqueou-se um dos fundamentos vitais do culto mitraíco.

O combate mortal entre o cristianismo e o Mitra pagão pode ser lido nos escritos de Tertuliano (160-220 d.C.) ao afirmar que esta religião utilizava indevidamente o batismo e a consagração do pão e do vinho. Dizia, ainda, que o mitraísmo era inspirado pelo diabo que desejava zombar sobre os sacramentos cristãos com o intuito de levá-los para o inferno. Não obstante, o mitraísmo sobreviveu até o século Vº em remotas regiões dos Alpes entre as tribos dos Anauni e conseguiu sobreviver no Oriente Próximo até os dias de hoje.

No curto reinado do imperador Juliano, sobrinho de Constantino, Gibbon afirma que se assistiu a um retorno temporário ao mitraísmo, tendo este Imperador se reconhecido até mesmo como adepto e chegando a construir um Mithraeum nos calabouços de seu palácio em Constantinopla. Seguiu-se um período de tolerância quando, sob o reinado de Teodósio (375-395), o cristianismo tornou-se religião de Estado e o paganismo foi definitivamente interditado. O mitraísmo sobreviveu em Roma até 394 sendo que a Basílica de São Pedro foi construída sobre o local do último culto mitraíco: o Phrygianum. A partir daí, o cristianismo construiu, boa parte de seus templos, acima de cavernas que continham Mithrae, seja em Roma seja nas províncias do Império. A catedral de Canterbury e a de São Paulo em Londres, o mosteiro do Monte Saint-Michel e algumas catedrais em Paris estão construídas sobre antigos Mithrae em ruínas.

Os pontos comuns entre o cristianismo e o mitraísmo são inúmeros. O nascimento de Cristo é anunciado por uma estrela assim como o de Mitridate Eupator. Ambos são nascidos de uma Virgem Imaculada que toma o nome de Mãe de Deus. A caverna, a gruta são os locais de nascimentos tanto de Cristo quanto de Mitra. A presença de pastores e de seu rebanho também estão presentes em ambos os nascimentos. A gruta de Belém é prenhe de luz e Mitra é um deus solar. Além do mais, o ouro, símbolo do Sol, tem uma importância crucial na liturgia cristã. Deus é Amor mas também Luz. O nascimento dos dois deuses foi a 25 de dezembro, solstício de Verão no Hemisfério Norte. Sabe-se que Cristo não teria nascido no dia 25 e que, somente com o fim do mitraísmo, a Igreja Cristã, “cristianizou” o dia como a festa do Natal. Tanto Cristo como Mitra eram castos e celibatários. Todas as duas religiões são fundadas sobre um sacrifício salvador do Mundo, mas com a morte de Cristo, o cristianismo tira a sua vantagem e sua superioridade. A morte do Touro encontra um símile na luta de São Jorge com o dragão. A vontade de neutralizar as potências do mal, a guerra entre as duas potências e a vitória do Bem. A consagração do pão e do vinho estão presentes entre os cristãos e os iniciados de Mitra. No grau de Soldado (Miles), o iniciado é marcado com uma cruz de ferro em brasa sobre a fronte. A imortalidade da alma e a ressurreição final. As igrejas antigas possuem criptas subterrâneas que evocam os templos mitraícos. A fraternidade e o espírito democrático das primeiras comunidades cristãs se assemelham muito ao mitraísmo. A fonte jorrando da rocha, a utilização de sinos, os livros e as velas, a água santa e a comunhão, a santificação do Domingo (fora da tradição judaica do Sábado), a insistência numa conduta moral, o sacrifício ritual, a angeologia, a teologia da luz, dualidade deus-diabo, o fim do mundo e o apocalipse são também comuns em ambas as religiões.

Outro símile interessante seria entre Mitra e Papai Noel. Vestimentas vermelhas e barrete frígio são comuns a ambos como também as velas incrustadas em árvores (de Natal) nas cerimônias natalinas.


IV – Sobrevivência Mitraíca e sua Influência na Maçonaria

Encontram-se traços mitraícos nas diversas gnoses e principalmente nas heresias dualistas cristãs. O esoterismo do gnosticismo cristão foi muito influenciado pelas religiões egípcias e iranianas. Os segredos, revelados aos “Perfeitos”, referiam-se aos mistérios da ascensão e descida de Cristo através dos Sete Céus habitados pelos anjos. Autores modernos chegam a afirmar que o gnosticismo é um fenômeno pré-cristão de origem iraniana que poluiu o cristianismo nascente. A influência dos cultos iranianos e especificamente mitraícos sobre a gnose de Mani são insofismáveis. Desde o século III d. C., o segredo mitraíco força as portas da barca de São Pedro. A pressão deste dualismo maniqueísta percorre toda a Idade Média. O bogomilismo da Europa Oriental inicia a sua trajetória a partir do século X colocando Satã no lugar de Deus, infligindo um poder considerável sobre as heresias Cátaras e Albigenses no alvorecer do século XII na Europa Ocidental. Estas heresias gnósticas cristãs professavam a asserção de que Deus não teria criado o Mundo, estando este sob o domínio de Satã – assimilado ao demiurgo Yahvista. O verdadeiro Deus estaria tão distante da Terra onde se dão estes embates entre o Bem e o Mal. Apesar disto teria enviado Cristo para salvar os homens ao mostrar-lhes o método da libertação.

Outra difusão de um mitraísmo mitigado estaria entre os Cavaleiros do Templo, pois estes sofreram a influência dos maniqueus. No culto a Baphomet, também conhecido como o filho de Mitra, havia um ícone representado por um Touro ornado com uma chama entre seus cornos…

O culto de Mitra enquanto sociedade iniciática tem certas semelhanças com a maçonaria propriamente dita. A fraternidade entre os membros, a exigência de uma conduta moral, a vontade de defender, de maneira ativa e não contemplativa, o bem e a virtude são, ao mesmo tempo, padrões maçônicos e mitraícos. A defesa da ordem política e social, o culto exclusivamente masculino são também pontos comuns. Ritualisticamente encontram-se os seguintes traços: a mania pelo número 7, a existência de graus iniciáticos, as velas, os altares, a Luz, as palavras de passe etc. O templo maçônico pode ser visto como uma gruta mitraíca ou se não se quiser ir muito longe o símile poderá ser feito com a câmara de reflexões; o teto estrelado do templo tem profunda semelhança com os mitraícos. Os templários, a tradição judaica e cristã foram os grandes transmissores de símbolos mitraícos. Os dois São Joães – de Inverno e de Verão – tem profunda vinculação com os dois pastores da tauroctonia. O sacrifício ritual fundador de Hiram está muito próximo do sacrifício ritual do Touro. O corvo no acampamento militar, encontrado nos altos graus do escocesismo, é uma prova cabal da influência mitraíca.

Outro símile estaria no mais baixo grau de iniciação – o grau de Corvo (Corax) – simbolizava a morte do novo membro, o qual deveria renascer como um novo homem. Isto representava a fim de sua vida como um não-crente (ou descrente) e cancelava pretéritas alianças de outras crenças inaceitáveis. Curioso salientar que o título de Corax (Corvo) originou-se com o costume zoroástrico de expor os mortos em elevações funerárias para ser comido pelas aves de rapina. Este costume continua, até os dias de hoje, sendo praticado pelos Parsis da Índia, descendentes dos persas seguidores de Zaratustra.

O simbolismo sexual, encontrado em diversos rituais maçônicos, poder ter um paralelo com o touro, pois este era uma óbvia representação da masculinidade pela natureza de seu tamanho, de sua força e de seu vigor sexual. Ao mesmo tempo, o touro simbolizava as forças lunares em virtude de seus cornos e as forças telúricas em virtude de ter as quatro patas assentadas no solo. O sacrifício do touro simboliza a penetração do princípio feminino pelo masculino, a vitória da natureza espiritual sobre a animalidade, tendo um paralelo com as imagens simbólicas de Marduk destruindo Tiamat, Gilgamesh aniquilando Huwawa (grafia de Eliade), São Miguel dominando Satã, São Jorge vencendo o dragão, o Centurião lancetando Cristo e, por que não nos referirmos a um ícone moderno: Sigourney Weaver lutando contra o Alien?

Finalmente, o mitraísmo era, concomitantemente, um culto dos mistérios e uma sociedade secreta. Tal como os ritos de Deméter, Orfeu e Dionísio, os rituais mitraícos admitiam candidatos em cerimônias secretas cujo significado era do conhecimento somente do iniciando. Como todos os outros ritos de iniciação institucionalizados do passado e do presente, este culto dos mistérios permitia aos iniciados ser controlado e posto sob o comando de seus líderes. Ao ser iniciado, o neófito tinha que provar sua coragem e devoção nadando através de rio caudaloso, escalando um rochedo íngreme ou pulando através das chamas com suas mãos atadas e os olhos vendados. Ao iniciado era também ensinado o segredo das palavras de passe mitraícas que eram usadas para identificação mútua como também era auto-repetida frequentemente como um mantra pessoal.


V – Como seria um Mundo Mitraíco à Guisa de Conclusão

O legado mitraíco resulta em comportamentos usados ainda hoje em dia, tal como o apertar as mãos e o uso da coroa pelo monarca. Os adoradores de Mitra foram os primeiros no Ocidente a pregar a doutrina do direito divino dos reis. Foi a adoração do sol, combinada com o dualismo teológico de Zaratrusta, que disseminou as ideias sobre as quais o Rei-Sol Luis XIV (1638-1715) na França e outros soberanos deificados na Europa mantiveram o seu absolutismo monárquico.

Alguns estudiosos afirmam que, durante o IIº e o IIIº século d.C., nunca a Europa esteve tão perto de adotar uma religião indo-ariana quando Diocleciano, oficialmente, reconheceu Mitra como o protetor do Império Romano, nem mesmo durante as invasões muçulmanas.

Especulações teóricas anglo-saxãs hipotetizam que se um golpe de estado, dado pelos centuriões adoradores de Mitra, tivesse impedido Constantino de estabelecer o cristianismo como a religião oficial do Império, o mitraísmo poderia possivelmente sobreviver através dos séculos seguintes com a assistência teológica da heresia maniquéia e seus epígonos, assumindo “ipso facto” que os ensinamentos de Jesus teriam, de alguma maneira, sido simultaneamente anulados e, talvez, com um número crescente de crucificações. Esta ausência do cristianismo, devido à continuação do mitraísmo no Ocidente, teria obstado o crescimento do Islã no século VII e a violência das Cruzadas necessariamente não teria ocorrido. Assumindo, ainda, que o Islã não teria, assim, conquistado religiosamente a Pérsia, a adoração de Mitra poderia ter continuado no panteão de Zaratrusta. Como consequência, o mitraísmo poderia ter penetrado com mais força nos panteões da Índia e da China e, possivelmente, teria aportado nos países do Extremo-Oriente.

Continuando com a especulação saxã que resultou na “lenda negra” da dominação espanhola no Novo Mundo, Colombo realizou os seus descobrimentos em pleno período da Inquisição, fenômeno este representativo da culminância de mais de mil anos de uma das maiores religiões monoteístas semítica – o cristianismo. Se o mitraísmo tivesse sobrevivido o milênio até o ano de 1492, os povos indígenas das Américas poderiam ter sido expostos à adoração de Mitra no lugar dos missionários católicos. Imaginaríamos, assim, o Taurobolium – ritual de regeneração ou sacrifício do touro, no qual o sangue do animal era derramado sobre o iniciado – sendo sido transposto e sincretizado com o ritual da caça do búfalo dos índios das planícies do Oeste americano e a cerimônia do sacrifício dos maias, incas e astecas, e provavelmente, estes impérios não teriam sido aniquilados pelos brutais conquistadores europeus em nome do Rei e de Cristo.

Se non è véro, è bene trovato…



William Almeida de Carvalho




Fonte do Texto e das Gravuras: BIBLIOT3CA FERNANDO PESSOA
E-Mail: revista.bibliot3ca@gmail.com – Bibliotecário- J. Filardo
https://bibliot3ca.com/ascensao-e-queda-do-deus-mitra/





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SOLIS INVICTUS - MITRA, O DEUS SOL


[...] A religião chamada mitraísmo surgiu na Pérsia, atual Irã, com forte inspiração do zoroastrismo. Com as expansões de Roma, o mitraísmo tornou-se bastante popular entre os soldados. Logo, ela viria a ser uma das religiões mais influentes no Império.

O mitraísmo era uma religião de mistérios. Isso significa que ela transmitia seu conhecimento através de símbolos, palavras e rituais de iniciação. Pouco se sabe dos rituais do mitraísmo, pois seus conhecimentos eram transmitidos oralmente. Mas graças ao trabalho criterioso de arqueólogos, foi possível analisar seus vestígios materiais.


O local onde se realizavam esses rituais era o Mithraeum. Ele ficava em geral em cavernas ou em construções subterrâneas. Tinha um formato de quadrilongo em proporção áurea e no lado oriental havia um altar onde simbolicamente era sacrificado o Touro. O Touro simboliza a Era anterior à de Aries, que muda num ciclo de cerca de dois milênios num movimento astronômico chamado de Precessão dos Equinócios.

Como Mithra simbolizava o Sol, ele nascia três dias depois do Solstício de Inverno do Hemisfério Norte, ou seja, 25 de dezembro. Ao longo do ano, ele fazia ciclicamente o caminho das 12 constelações zodiacais.

O ritual de Mithra mantinha a reverência ao Fogo Sagrado, mas era uma religião puramente masculina. Só que havia em Roma uma outra religião que adorava o Fogo Sagrado e que era exclusivamente para mulheres. Elas eram as Vestais, que mantinham um pacto de preservarem a virgindade.

Quando a religião cristã foi criada, ela absorveu tanto as influências do mitraísmo quanto dos cultos vestais. Mas a nova religião deixava de ser um caminho iniciático e se tornava aberta. Mithra foi identificado como Jesus e sua mãe, Maria, foi associada à virgindade da Deusa Vesta.

Dali para frente, o cristianismo católico romano faria sempre o mesmo movimento: incorporava os elementos dos cultos pagãos, enxertando-os em sua cosmovisão. Deuses viraram santos e assim a Igreja Católica se tornou a herdeira do Império Romano.



Thomas de Toledo



Fonte do Texto e das Gravuras: BIBLIOT3CA FERNANDO PESSOA
E-Mail: revista.bibliot3ca@gmail.com – Bibliotecário- J. Filardo
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FILOSOFIA DA MATÉRIA OU A DO ESPÍRITO ?


Tudo o que existe na Terra tem a sua origem no Alto, no plano divino.

No começo, há o espírito, e a matéria física não é mais do que a condensação do pensamento do Criador.

Para o homem, é muito importante ter esta filosofia do primado do espírito, porque graças a ela poderá solucionar todas as situações.

Enquanto ele acreditar que é o plano físico – e, portanto, as condições do plano físico – que comanda tudo, continuará débil, vulnerável, à mercê das circunstâncias.

Consoante a filosofia que abraçais, a filosofia da matéria ou a do espírito, assim sereis fracos ou fortes e poderosos.



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

ADOÇÃO DE RITOS E SÍMBOLOS MITRAICOS NO CRISTIANISMO


Marvin Meyer uma vez escreveu que “o cristianismo primitivo ... em geral, se assemelha ao Mitraísmo em vários aspectos – o suficiente para fazer apologistas cristãos se esforçar para inventar explicações teológicas criativas para dar conta das semelhanças.” [1] Na verdade, as semelhanças são abundantes. A Eucaristia, por exemplo, era tão semelhante aos rituais dos Mistérios que Justino (m. 165 DC) os imaginava que eles copiaram os Cristãos, e não o contrário:

“... os demônios ímpios imitaram nos mistérios de Mitras, ordenando que a mesma coisa fosse feita. Pois aquele pão e um copo d’água são colocados com certos encantamentos nos ritos místicos de quem está sendo iniciado ... “ [2]

Além disso, o nome do Papa é diretamente derivado do líder mitraico pater / papa, e o bispo, que usa uma túnica vermelha como o pater, tem um chapéu denominado mitra em homenagem ao deus Mithra que geralmente tem o formato daquele dos dervixes. O próprio conceito de um pater presidindo uma congregação de irmãos foi o modelo que inspirou as ordens cristãs ascéticas, como os Franciscanos que se autodenominam frades (isto é, irmãos). A celebração do Natal no dia 25 de dezembro – atestada pela primeira vez em 354 – teve sua origem na celebração do solstício de inverno (hem. norte), que no calendário juliano caía nesse mesmo dia. [3] O imperador Aureliano dedicou essa data ao Mithra romanizado (isto é, o Sol Invictus) da mesma forma que os iranianos reconheceram no solstício de inverno o despertar do deus sol Mitra.

Além disso, os primeiros cristãos se reuniam em cavernas, ou seja, o próprio ambiente que também abrigava o mithraeum original. As sociedades mitraicas passaram à clandestinidade por medo de perseguição, assim como os cristãos. Gary Wills, que caracteriza o cristianismo primitivo como “apenas um movimento de Jesus dentro da comunidade judaica”, reconhece que sua atividade principal era “uma refeição comunitária em que as memórias de Jesus eram compartilhadas”. [4] Ele também observa que um espírito de fraternidade prevalecia entre eles, como Jesus disse aos seus companheiros:

“Vocês, entretanto, não devem ser chamados de "Rabinos", visto que vocês têm apenas um professor e são irmãos uns dos outros. Não chamem de pai a nenhum homem na Terra, visto que vocês têm apenas um pai, e ele está nos céus." (Mt 23,8-9) [5]

Assim, a caverna, a refeição comunitária e o espírito de fraternidade que prevalecia nas primeiras comunidades cristãs forneceram um terreno comum para uma comparação com as congregações mitraicas: Reunir-se para aprender um com o outro, emular uns aos outros e, eventualmente, unir forças. Pode-se compreender prontamente que, além da refeição comunitária, a prática do segredo, os procedimentos de iniciação e a hierarquia mitraica teriam sido de interesse para os primeiros ativistas cristãos. Mas, no que dizia respeito a Jesus, Mt 23,9 revela claramente que ele conhecia congregações que chamavam seus líderes de “pai”, mas rejeitava essa prática. Posteriormente, o sacerdócio, entretanto, viu grande benefício nesse tipo de hierarquia e o adotou em contravenção ao espírito de simplicidade e fraternidade que Jesus havia pregado.

    Portal do Batistério de Parma do século 13. (Foto: Nasrin Soudavar)

    Placa de marfim bizantino. MMA

(...) as sociedades Mithraicas eram populares dentro das comunidades judaicas / cristãs, e uma boa quantidade de mesclas pode ter ocorrido nesse contexto; na medida em que a advertência de Jesus em Mt 23,9 pode ter sido em consideração ao que ele realmente observou em tais sociedades. Nosso objetivo aqui não é estudar o impacto total do mitraísmo sobre o cristianismo, mas encontrar elementos que forneçam uma melhor compreensão do mitraísmo iraniano e do conjunto de símbolos e práticas que se originaram nessa esfera. Devemos, portanto, nos concentrar nos símbolos de dualidade que permearam o Cristianismo, apesar de sua forte ênfase no monoteísmo. Os símbolos mitraicos do sol e da lua, por exemplo, frequentemente aparecem na arquitetura da igreja, bem como em seus elementos decorativos. É claro que podemos considerá-los como símbolos celestiais ou signos dos céus. Mas quando personificados como um deus do sol e um deus da lua – como no mithraeum – eles obviamente tinham um tom pagão e deveriam ter sido rejeitados. Se não foram, é porque os símbolos mitraicos estavam tão enredados no cristianismo que não poderiam ser descartados da noite para o dia. O portal do Batistério de Parma do século 13 exibe o deus do sol e o deus da lua, cada um cavalgando em uma quadriga conduzida por quatro cavalos e quatro vacas, respectivamente. É uma característica que tem um significado no contexto mitraico, mas nenhum no Cristianismo. Da mesma forma, os deuses do sol e da lua que aparecem em uma placa de marfim do MMA, são caracterizados por coroas como as do mithraeum e estão localizados nos mesmos cantos.

    Abside da Basílica de São Clemente em Roma.

    Mihrāb da mesquita Al-Mansur. (web)

Essas configurações e símbolos pagãos tiveram que ser modificados ou reinterpretados com o tempo. Assim, na linha superior da abside da Basílica de São Clemente em Roma, os emblemas dos quatro evangelistas são colocados de forma que o leão (símbolo de Marcos) esteja situado no canto superior esquerdo, e o boi (símbolo de Lucas), no canto superior direito. Mas em Apocalipse 4,7, que forneceu a inspiração para atribuir esses símbolos aos quatro evangelistas, o boi vem logo após o leão. [6] A reordenação dos símbolos em São Clemente é uma tentativa clara de confundir a herança mitraica do cristianismo, especialmente porque a Basílica foi construída sobre um antigo mithraeum. Pouco depois da São Clemente (Basílica) – que data do século 12 – um esquema de borramento semelhante foi tentado no portal do Batistério de Parma. Sobre os deuses do sol e da lua cavalgando suas quadrigas, um leão foi inserido em um medalhão que contém outra efígie do deus do sol à esquerda, e um boi foi inserido no medalhão do deus da lua, à direita. Por meio do leão e do boi, o sol e a lua estavam sendo justificados como símbolos de Marcos e Lucas. Mais de oito séculos após a ruptura causada por Juliano, o Cristianismo ainda estava tentando se despojar do simbolismo do sol e da lua que havia herdado do Mitraísmo. Ele nunca conseguiu fazer isso completamente, uma vez que “domingo – Sunday” e “segunda-feira – Monday” são lembretes constantes do papel proeminente que o sol e a lua uma vez desempenharam no Cristianismo.

    Prato bizantino com concha entre lâmpadas. Museu Dumbarton Oaks

    Virgem com o Menino sob uma concha. Museu de Bordéus

    Peça do altar de Malta. Musée des Arts Décoratifs. Paris

Além disso, uma característica marcante da placa de marfim Metropolitan é uma cúpula em forma de concha sob a qual a Virgem Maria está sentada. Este é um motivo frequentemente usado no cristianismo, não apenas em relação à Virgem Maria, mas em outras circunstâncias, como a cena da Última Ceia de uma bandeja de prata bizantina ou o altar da crucificação de 1522 de um monumento da Ordem de Malta. [7] Como tal, a concha deve ter sido um símbolo que pressagiava auspiciosidade. Elaboraremos mais este tópico na próxima seção, mas, por enquanto, basta dizer que seu significado é divulgado pelo nome do nicho de oração das mesquitas islâmicas, ou seja, mihrāb, que originalmente se referia a um espaço sagrado adornado com os símbolos duais de Mithra (mehr) e Apam Napāt (āb). Mithra podia ser simbolizado pelo sol, fogo ou luz de vela; Apam Napāt, entretanto, era representado pela concha, um elegante símbolo aquático que também transmitia seu papel de guardião do farr, quando encapsulado sob a água como uma pérola. [8] Um elaborado motivo de sol colocado no centro de um nicho de concha de um mosteiro de El-Tod do século 8, no Egito, atesta claramente uma tradição relacionada a um simbolismo Mithra / Apam Napāt.

Mas um cenário mais revelador para a concha é uma placa de prata do século 6 do norte da Síria dedicada a São Simeão, que dizem ter vivido 37 anos no topo de um pilar. O santo usa um gorro mitraico e parece estar pregando do topo de seu pilar, que é representado como uma combinação de um altar de fogo e o trono do pai no mithraeum. Mais importante ainda, uma cobra proeminente está enrolada no pilar, enquanto toda a cena é dominada por uma concha colocada acima do santo. Não pode haver prova mais vívida da mistura do Mitraísmo com o Cristianismo.

A concha da bandeja de prata bizantina é incorporada a uma estrutura sustentada por duas colunas e adornada com duas lâmpadas que reproduzem o mihrāb islâmico, com suas duas colunas laterais e dois castiçais. Esse padrão de concha, em combinação com duas colunas, não é específico para o cristão e parece replicar-se em vários ambientes religiosos. Em outra variação, uma placa de marfim bizantino tem uma cruz solar no centro de uma concha. Quando a cruz solar foi transformada no monograma Chi-Rho de Cristo, ela foi novamente colocada sob uma concha e entre duas colunas. Além disso, o símbolo solar discutido anteriormente de uma igreja armênia flanqueada por um par de serpentes fornece um link para um elemento arquitetônico semelhante de uma mesquita em Konya que tem um símbolo do sol flanqueado por duas serpentes. [9] Temos, portanto, uma série de motivos comuns entre o Cristianismo e o Islã, que, por causa de seus motivos de sol, concha e cobra, trazem uma herança mitraica.

    São Simeão com um barrete mitraico sob uma concha. Síria do século 6. Louvre

    Símbolo Chi-Rho colocado sob uma concha. MMA

       
Cruz e concha solar acima do arcanjo Miguel (Museu Britânico). Emblema do Sol no centro de uma concha. Fragmento arquitetônico de El-Tod, Egito. Louvre

    Cabeça mitraica entre serpentes e um motivo solar.

  Emblema do Sol entre duas serpentes, século 13, Anatólia. Ince Minar Madrasa,            Konya

Na Igreja Siríaca da Virgem Maria (Meryem Ana kilisesi) em Diyarbakir, além dos símbolos do sol e da lua que estão em exibição com destaque [10], há um portal com uma estrutura em cúpula em forma de concha, no centro da qual está colocada uma cruz grega. Havíamos argumentado anteriormente que esse tipo de cruz de quatro pernas era um símbolo do sol. Os próprios cristãos a reconheciam como tal, uma vez que ela aparece ao lado dos nomes dos magos mitraicos em Ravenna. A mesma cruz está incorporada no disco solar atrás da cabeça de Jesus em Aya Sofia, e não deixa dúvidas quanto à equivalência desta cruz com o sol. Sol e luz eram em grande parte atributos de Mitra, que o Cristianismo tomou emprestado por causa das imagens poderosas que oferecia. Um elemento arquitetônico do século 17 de Bordeaux, por exemplo, incorpora o monograma IHS de Jesus em um raio de sol que lembra a Pedra Flamejante da Ordem do Ouro e também o raio de sol de um líder maçônico. [11] O uso mais importante dessas imagens, no entanto, ocorre no texto do Credo Niceno:

"Cremos em um só Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado do Pai, unigênito; isto é, da essência do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus do próprio Deus, gerado, não feito, sendo de uma só substância com o Pai ..."

   Igreja de Ana Meryem. Diyarbakir. - portal com decoração de concha sobre cruz           solar - emblemas de sol e lua.

    Monograma e cruz de Jesus dentro do raio de sol. Museu de Bordéus

    Cruz Solar dentro da nuvem de Jesus. Aya Sofia

O Credo Niceno é a doutrina de fé fundamental do Cristianismo, proclamada pelo primeiro concílio ecumênico em 325 DC. O concílio havia sido convocado por Constantino em Nicéia para estabelecer a superioridade do cristianismo em um mundo romano helenizado, onde muitos mortais eram regularmente deificados, incluindo Antínous, o jovem amante do imperador Adriano. O objetivo da proclamação era verificar se Jesus era o mais divino possível, dentro de uma religião monoteísta onde se supunha que Deus fosse o único ser Supremo. Jesus era apresentado como Deus encarnado, com base na denominação “Filho de Deus” que São Paulo havia defendido. [12] Mas o que Jesus quis dizer ao se dirigir a Deus como “pai” não foi o que o Concílio de Nicéia proclamou, visto que em Mt 23,9, Jesus diz que Deus era o pai de todos os apóstolos e, por extensão, de toda a humanidade. E é por isso que houve forte dissidência em Nicéia, e os dissidentes, liderados pelo bispo Ário, foram verbalmente condenados na proclamação. [13]

Mais problemático, entretanto, era a qualificação Luz da Luz. Supostamente, isso foi baseado em 1Jo 8,12, onde Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo.” Mas o uso de “luz” neste versículo é metafórico, e aceitá-lo literalmente cria enormes problemas teológicos, ainda mais se estendido ao próprio Deus. Porque, se Deus é luz, como apareceram as trevas? Se Deus é o criador de tudo, como ele pode ser comparado apenas com a luz e não com as trevas? Se Deus “separou a luz das trevas”, conforme Gn 1,4, ele o fez dentro de sua própria substância? ou seja, ele também carregava escuridão em um ponto no tempo?

Essas são questões que não surgem em uma estrutura dualística, onde você tem um deus do dia e um deus da noite. Mitra, por exemplo, poderia ser equiparado à luz e não ser associado à noite, que era o domínio de sua contraparte, Apam Napāt. É por isso que Deus nunca foi identificado com a luz no Antigo Testamento. [14] A luz pode ser um instrumento nas mãos de um deus monoteísta, mas não sua essência. Além disso, não era essencial para transmitir o status divino de Jesus. [15] Se a Luz da Luz foi inserida no Credo Niceno, provavelmente estava em competição com o Mitraísmo. Deus e seu Filho tinham que ter todos os atributos de Mitra e muito mais.

Em suma, muitos elementos da ideologia Mediana permearam o cristianismo por meio do mitraísmo romano. Eles são todos baseados em uma dualidade que se manifestou como sol e lua, ou fogo e água. Por meio dos símbolos pagãos que o cristianismo adotou, como a concha e a cruz solar, encontramos uma presença duradoura da ideologia dualista que Dario e o zoroastrismo uma vez baniram no Irã; e por meio das divergências que se desenvolveram entre o Cristianismo e o Mitraísmo, temos ainda outro indicador para medir a popularidade deste último no mundo romano; e por meio de rituais como a Eucaristia, podemos avaliar a atratividade dos rituais de iniciação à fraternidade para uma ampla variedade de congregações.


Abolala Soudavar



Fonte do Texto e das Gravuras: BIBLIOT3CA FERNANDO PESSOA
Tradução de J. Filardo
E-Mail: revista.bibliot3ca@gmail.com – Bibliotecário- J. Filardo
https://bibliot3ca.com/adocao-de-ritos-e-simbolos-mitraicos-no-cristianismo/




Bibliografia:

Soudavar, A. – SOCIEDADES MITRÁICAS – Do Ideal da Fraternidade ao Adversário da Religião – 2014


Notas:

[1] Meyer 2010, 179. Veja também Simon 1978, 464.

[2] Justin Martyr, First Apology, cap. 66. Não está claro por que Justino descreve a Eucaristia como a prática de partir o pão em água, pois os cristãos, assim como os iniciados Mitraicos, mergulhavam seu pão no vinho. Mas, como no caso das ordens de dervixes, algumas das quais usavam água e outras vinho em suas cerimônias de iniciação, os cristãos e as sociedades mitraicas podem ter usado ambos.

[3] Yamauchi 1996, 520.

[4] Wills 2013, 7.

[5] Algumas congregações Nabateanas se dirigiam a seus líderes como bābā.

[6] Apocalipse 4,7: “a primeira criatura viva como um LEÃO, a segunda como um BOI, a terceira criatura com rosto HUMANO, e a quarta criatura como uma ÁGUIA voadora” (4.8): “E as quatro criaturas, cada uma delas com seis asas, estão cheias de olhos ao redor e dentro delas.”

[7] É interessante notar que o altar de pedra que veio da Comanderia da Ordem de Malta em Soulz (Alsácia), manteve a arquitetura mitraica básica com os dois medalhões de sol e lua no topo substituídos pelas efígies dos fundadores da Ordem.

[8] Ver nota 512 supra.

[9] A serpente à direita está parcialmente destruída.

[10] O símbolo do sol ao lado do crescente lembra outros semelhantes nos quartos traseiros dos leões mitraicos como nas Figs. 100, 238, 256.

[11] Veja a seção II.6. “IHS” significa “Iesus Hominum Salvatore”.

[12] Como argumenta Reza Aslan, a denominação “Filho de Deus” não era um título incomum no antigo Judaísmo. Foi o helenista Saulo de Tarso (isto é, São Paulo), de língua grega, quem promoveu o significado literal, pelo qual Jesus era entendido como o verdadeiro filho de Deus; Aslan 2013; 186, 266.

[13] Suas objeções podem ser deduzidas da condenação que aparece no final do Credo Niceno: “Mas aquele que diz: ‘Houve um tempo em que ele não era;’ e ‘Ele não existia antes de ser feito’; e ‘Ele foi feito de nada’, ou ‘Ele é de outra substância’ ou ‘essência’, ou ‘O Filho de Deus foi criado’, ou ‘mutável’ ou ‘alterável’ – eles são condenados pela santa católica e apostólica Igreja.“

[14] 2 Samuel 22,29: “o Senhor transforma minhas trevas em luz.”; 2 Samuel 23,4

[15] A questão de Deus ou seu Filho ser igualado à Luz não aparece como um ponto de discórdia entre os antagonistas de Nicéia, pois não é mencionada na ameaça final contra os dissidentes; ver nota 13 supra.