quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O HOMEM CONTEMPLATIVO


O homem de oração que tanto se familiarizou com as verdades de fé no estudo e na meditação e as pode relembrar numa simples intuição, só por isto não se torna automaticamente contemplativo.

A oração contemplativa não consiste, estritamente, numa seca visão de poucos segundos.

Ela absorve a mente e a vontade num olhar prolongado, frutuoso e amante, em que a intuição da verdade divina não acaba num instante mas permanece em nós e invade o nosso ser com insuspeitadas profundezas de sentido.

Esta intuição cativa por um obscuro e inexplicável encanto.

Ela não nos deixará escapar do oculto poder que trabalha nas profundezas do espírito, embora seja difícil falar do que nos acontece.


Thomas Merton, OSB



Fonte: "Ascensão para a verdade"
Via Comunidade Monástica Anglicana - Igreja Anglicana Tradicional do Brasil
https://www.mongesanglicanos.org/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/cora%C3%A7%C3%A3o-volta-amor-distrito-mulher-1815990/

JUSTIFICATIVA PELA FÉ: A TRADUÇÃO LITERAL MATOU O SENTIDO ESPIRITUAL


Na epístola aos romanos, encontrou Martinho Lutero a sua teoria da "justificação pela fé" (1).

O apóstolo Paulo faz ver que o homem, desajustado de Deus pelas obras legais ou rituais (2), só pode reajustar-se pela fé.

Sendo que todas as epístolas de Paulo foram escritas em língua grega, a palavra "fé" ("fides", em latim) aparece como "pistis", cujo verbo é "pisteuein". Infelizmente, não existe em latim um verbo derivado do substantivo "fides"; e assim, os tradutores latinos se viram obrigados a recorrer a um verbo de outro radical para designar o ato de "ter fé". Este verbo latino é "credere" que em português deu "crer".

Mas o sentido de "crer" não coincide com o de "ter fé". "Crer" designa algo vago, incerto, nebuloso, ao passo que ter fé, "fides", é ter fidelidade, estar harmonizado, sintonizado. "Pisteuein", ter fé, designa um estado de alta fidelidade ou harmonização entre a alma humana e o espírito de Deus - que é a ideia do ajustamento.

Neste sentido, é exato a expressão "o justo vive da fé", mas não no sentido de "crer".

"Quem crer será salvo, quem não crer será condenado", isto é absurdo e blasmo (injusto), se traduzirmos "pisteuein" por "crer", como é de praxe; mas é razoável se dissermos "quem tem fé", ou fidelidade, porque o ajustamento é a salvação.

Além disto, a palavra grega "dikaiosyne", em latim "justiça", não coincide com a nossa palavra justiça, nem a palavra "justificatio" equivale a "justificação", que, em nossa língua, representam um processo meramente legal ou social. "Justificatio" é o ato de estabelecer uma atitude de justeza ou correto ajustamento entre o homem e Deus.

O equívoco sobre "ter fé" e "crer", a confusão entre "justificação" e "ajustamento" originaram uma verdadeira tragédia espiritual através dos séculos. A tradução literal matou o sentido espiritual.


Prof. Huberto Rohden



Fonte: do livro "Paulo de Tarso - O Maior Bandeirante do Evangelho", 2ª ed., Rio de Janeiro, 1941
Fonte da Gravura: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ec/File%22-Saint_Paul_Writing_His_Epistles%22_by_Valentin_de_Boulogne.jpg


Notas:

(1) Na "justificação pela fé". base do luteranismo, há uma incompreensão do que é a verdadeira lei. Talvez uma necessidade na época do reformador por causa do abuso e sentido das "obras" pelo catolicismo romano ou talvez por uma má interpretação de Lutero quanto à bíblia.

(2) É claro que as "obras" a que Paulo se refere em Gálatas são as obras dos ritos judaicos, prescritos em Levítico e outros livros do Antigo Testamento. Provavelmente, Lutero tenha sabido disto, mas deve ter achado perigoso admitir qualquer "obra", mesmo as da vida da fé.

Toda a controvérsia gira em torno da questão do cumprimento da Lei Divina: Paulo reafirma aos cristãos a nova dispensação religiosa que abolia as práticas ritualísticas judaicas mas não combate a necessidade do cumprimento da Lei Divina nos Dez Mandamentos. Isso estava dividindo os cristãos. Não estava havendo um entendimento a respeito do que realmente era a natureza das obras que Paulo dizia estar abolidas. Paulo prega a fé e as obras cristãs e não as obras oriundas do rito judaico.

Paulo fala da inutilidade das obras da Lei sem a Fé Cristã. Tiago dá um enfoque sobre as obras da fé, que constituem a Lei Perfeita (fé e obras). Este enfatiza mais sobre as obras que nascem da fé (lei perfeita).