domingo, 9 de outubro de 2022

O ESCOPO DA ÉTICA


[...] Se a ética for entendida apenas como um mecanismo para manter a ordem social, então abrangerá apenas os aspectos externos do comportamento humano, aqueles que têm um impacto direto e observável nos outros. E se ela só se relacionasse com o impacto de nossas ações sobre os outros – mais precisamente, com as consequências de nossas ações –, então quaisquer sentimentos e intenções que possamos abrigar em nossos corações seriam irrelevantes ou neutros no que se refere à ética.

Particularmente, não concordo com isso. Esta é uma compreensão muito limitada. A própria noção de ética não faz sentido se não se levar em consideração a MOTIVAÇÃO. Se batemos nossa cabeça em uma árvore, podemos culpar a árvore? Claro que não! A ideia de responsabilidade moral pressupõe a presença de alguma motivação interior. Por isso, para mim, descrever a ética sem que haja referência à motivação parece incompleto. Na verdade, a dimensão motivacional interior é o aspeto mais importante da ética. Porque, quando a nossa motivação é pura, genuinamente voltada para o benefício dos outros, nossas ações têm a natural tendência a serem eticamente fundamentadas. É por isso que considero a compaixão como sendo o princípio-chave sobre o qual uma abordagem completa da ética pode ser construída. É a partir de um interesse compassivo pelo bem-estar dos outros que nossos valores e princípios éticos podem emergir, incluindo o princípio da justiça.



Tenzin Gyatso, Dalai Lama do Tibete




Fonte: do livro "Além da Religião : uma ética por um mundo sem fronteiras"
Tradução de Beatriz Bispo
Lúcida Letra, 2016, Teresópolis, RJ
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/vectors/budismo-dalai-lama-lama-1293757/

VEJA AS COISAS COMO ELAS SÃO


As circunstâncias não ocorrem para atender às nossas expectativas. Os fatos acontecem como têm de acontecer. As pessoas comportam-se de acordo com o que são. Acolha as coisas que de fato conseguir.

Abra os olhos: veja as coisas como elas são e preserve-se assim da dor causada pelos falsos apegos e os estragos evitáveis.

Pense no que lhe dá prazer: os instrumentos, sejam quais forem, de que você depende, as pessoas que lhe são caras. Mas lembre-se de que cada uma delas tem caráter próprio, separado, independentemente da maneira como as vemos.

Como exercício, pense nas menores coisas às quais você está ligado. Por exemplo, vamos supor que você tenha uma xícara favorita. É, afinal de contas, apenas uma xícara e, caso ela se quebre, você pode lidar com o fato. Em seguida, passe para coisas mais importantes — ou pessoas — às quais você se sente mais apegado.

Lembre-se sempre, por exemplo, quando abraçar seu filho, seu marido ou sua mulher, de que está abraçando um ser mortal. Assim, se um deles morrer, você será capaz de suportar a dor da perda com maior sinceridade.

Quando algo acontece, a única coisa que está em seu poder é sua atitude com relação ao fato. Suas alternativas são a aceitação ou o ressentimento.

O que realmente nos assusta e desanima não são os acontecimentos externos em si, mas a maneira como pensamos a respeito deles. Não são as coisas que nos perturbam, mas a forma como interpretamos seu significado.

Pare de atemorizar com noções irrefletidas, reações impulsivas e com suas impressões sobre como as coisas são.

As pessoas e as coisas não são como desejamos que sejam nem o que parecem ser. São aquilo que são.



Epicteto




Fonte: do livro "A arte de viver: uma nova interpretação de Sharon Lebell"
Tradução de Maria Luiza Newlands da Silveira
Ed. Sextante, 2006, Rio de Janeiro - RJ
www.sextante.com.br
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

APEGO: A RAIZ DO SOFRIMENTO HUMANO E DEPRESSÃO


Depressões construídas no tempo são verdadeiras prisões emocionais corretivas. Depois desse caminhar milenar com o foco mental centrado em nós mesmos, surge um dos sentimentos mais difíceis de superar nas linhas evolutivas da Terra: o apego.

O apego é o laço energético, emocional e espiritual que cria grande parte do sofrimento humano, aprisionando nossa vida mental na órbita da maior imperfeição moral: o interesse pessoal baseado no egoísmo.

O budismo, ao estabelecer a proposta das “Quatro Nobres Verdades”, deixa bem claro que o apego é uma das raízes dos sofrimentos humanos. Nosso desejo de possuir, de ter, ao invés de ser, nos leva às ilusões, e essas levam à dor.

A parábola do Filho Pródigo ilustra essa nossa velha conduta. Isso fica muito claro no trecho: “E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente”. O filho queria o que lhe pertencia e ele ajuntou tudo. E o que nos pertence legitimamente? Para que ajuntarmos?

Esse enfoque serve, também, para fazer uma radiografia emocional da depressão. Esse apego surge de um comportamento repetitivo. É uma prisão em nós mesmos. Uma prisão corretiva, porque chega um momento em que, ao longo das reencarnações, não existe mais suporte mental para a sanidade e a saúde após a repetição intencional dessa conduta destrutiva.

Outros efeitos nocivos decorrentes do apego passam a encarcerar nossa mente em experiências ainda mais dolorosas. O medo é a primeira delas. Quem se apega tem enorme medo de perder. Nessa ótica, a depressão pode ser analisada como a dificuldade da criatura em aceitar a realidade de perder. Perder algo ao qual se encontra agarrado há muito tempo. Perder algo de seu interesse pessoal. Quando temos esse medo cruel de perder irradiado das nascentes do coração, consumimos-nos no sentimento de tristeza. Tristeza é a emoção que indica uma necessidade de adaptação. Quando nos rebelamos em nos adaptar, essa dor se prolonga, podendo chegar a seu ponto de saturação, chamado depressão.

A pessoa entristecida e que se sente continuamente inconformada com as situações que a entristecem forma um campo psíquico e emocional para a rebeldia, conduta muito presente nos quadros de depressão. Essa rebeldia, por sua vez, pode abrir um leque de sentimentos e comportamentos na vida de relação do depressivo, tais como: mau humor, agressividade, culpa, melindre, personalismo, vaidade, mágoa, inveja, confusão mental, baixa de energia, irritabilidade, raiva, solidão, dependência, pessimismo, inquietação, desesperança, angústia, rejeição, fragilidade, abandono e inferioridade.

Para todos nós, a experiência da perda é muito desafiadora. Para o depressivo é algo pior ainda. É pior porque a mola mestra de sua vida mental é a rebeldia em aceitar a realidade. Como fator agravante, muitas dessas supostas perdas não são reais, pois ocorrem em razão das idealizações do depressivo. Daquilo que ele achava que era de uma forma e é de outra.

[...]

Quem não aceita a realidade da vida como ela é, nem aceita as pessoas como são faz em seu campo mental um juízo muito distante da realidade e, quando os fatos e as pessoas se manifestam como são, há um sentimento de revolta no depressivo. Ele se encontra tão apegado às suas crenças idealistas, aos seus conceitos limitadores, aos seus sentimentos tóxicos e aos seus pensamentos fixos que não admite a realidade. Ele cria uma resistência e prolonga sua dor. Esse apego apaixonado às expectativas pessoais em relação à vida e ao ato de viver talvez seja sua maior dor.

É quando o interesse pessoal se transforma em paixão que as coisas se tornam um problema. O egoísmo é o apego ao nosso ego, a paixão pelo que acreditamos, pensamos, sentimos, fazemos. É essa conduta milenar que adoece moralmente e psiquicamente todos nós aqui na Terra. Ela construiu a ilusão da perfeição, a idealização de um ser humano ideal em detrimento de um ser humano real.

O depressivo é alguém que já está sendo convocado há um bom tempo para sair desse comportamento, porém tem rejeitado aceitar essa mudança.

A depressão não é um castigo, mas um alerta, um indicador de saturação. Acreditamos que o depressivo é alguém que, provavelmente, já vem sofrendo demais nesta e em outras vidas, e a doença é um pedido da vida para que ele perceba que também merece ser feliz. Depressão não é imposição, é colheita e também semeadura. Quando a depressão acontece, é um sinal da vida querendo abrir os olhos do depressivo para a realidade da sua existência. Uma realidade melhor que aquela na qual ele pretende se manter por rebeldia e apego.



Wanderley Oliveira



Fonte: do livro "Depressão e autoconhecimento: como extrair preciosas lições desta dor"
Editora Dufaux, Belo Horizonte - MG, 2012
comercial@editoradufaux.com.br
www.editoradufaux.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/aquarela-pintura-arte-efeito-4799196/