Se alguém me pergunta, o que é Deus? disse Santo Agostinho, confesso que não sei; mas, se ninguém me pergunta, eu sei.
Com esta frase enuncia o grande gênio africano um fato que todo homem espiritual conhece de sobejo e que, não raro, o faz sofrer acerbamente. O nosso verdadeiro saber não é intelectivo, mas intuitivo, e por isto não é definível, como as coisas do intelecto. O que é definível é incerto, mas o que é certo é indefinível – não há dúvida de que o homem meramente intelectual e não espiritual tachará de absurda esta afirmação, que, no entanto, é uma grande verdade. Posso ter duma realidade espiritual uma experiência interna meridianamente clara e soberanamente certa, e ao mesmo tempo ser totalmente incapaz de a explicar ou definir analiticamente a outros, nem mesmo ao meu próprio Eu intelectual. Paulo de Tarso tentou, durante três decênios, analisar a grande experiência espiritual que tivera, quiçá na fração de um segundo, às portas de Damasco, disse que fora arrebatado ao “terceiro céu”, onde ouvira "árreta rémata" (ditos indizíveis) – mas acaba por confessar, como mais tarde seu grande discípulo Santo Agostinho, que saber da realidade do mundo espiritual é uma coisa, mas defini-la é impossível. Analisar quer dizer “dissolver” – mas como se poderia dissolver o que é indissolúvel, por ser um Todo simples, e não composto? Definir quer dizer pôr "fines", fins, circunscrever de certos limites – mas como se poderia limitar o que é por natureza ilimitado? Definir o infinito é fazê-lo finito, isto é, negá-lo, destruí-lo.
Inteligir (*) é um ato do meu pequeno Eu humano que tenta abranger na sua estreiteza individual a largueza do grande Tu universal.
Intuir não é um ato do Eu individual, mas sim um ato do Tu universal, de Deus, ato esse do qual o meu Eu é o objeto passivo, e não o sujeito ativo, como no caso do inteligir.
No inteligir, o menos pretende abranger o mais, o individual tenta capturar em si o universal – tenta esse absurdo e matematicamente impossível. No intuir acontece o contrário, e por isto é possível e razoável. Em última análise, toda a experiência mística é a mais alta racionalidade, a mais perfeita lógica.
Prof. Huberto Rohden
(*) Temos as palavras “inteligência, intelecto, inteligente”, mas abandonamos o verbo básico “inteligir” (do latim intelligere, ou melhor intellegere, derivado de inter-legere, ler por entre, ou talvez intus-legere, ler por dentro). Julgamos necessário restituir ao vernáculo o verbo inteligir, como também intuir, do latim intueri, ver por dentro, ou propriamente “ser protegido de dentro”, palavra essa que compreende uma verdadeira síntese de experiência mística.
Fonte: do livro "Profanos e Iniciados", Ed. Alvorada, 1990
Fonte da Gravura: Tumblr.com