Apascentar o boi é um símbolo antigo na história do Zen. Há dez figuras na China; a décima figura causou grande controvérsia. Gostaria que você entendesse essas dez figuras.
As dez figuras são imensamente bonitas. Na primeira, o boi está perdido. O homem a quem o boi pertence está apenas parado, olhando em volta na mata densa e não consegue ver para onde o boi foi. Ele está simplesmente desnorteado, confuso. Está ficando tarde, o sol está se pondo; logo será noite e, então, entrar naquela floresta fechada para procurar o boi vai ficar cada vez mais difícil.
Na segunda figura, ele encontra as pegadas do boi. Ele se sente um pouco mais feliz; quem sabe haja uma possibilidade de encontrar o boi - ele achou as pegadas. Ele as segue.
Na terceira figura, ele vê a parte de trás do boi na mata densa. É difícil enxergar, mas ele consegue imaginar que é a parte traseira do seu boi.
Na quarta, ele chegou até o boi; ele pode ver o boi agora, o corpo dele inteiro. Ele se alegra.
Na quinta figura, ele pega o boi pelos chifres. É uma grande luta levá-lo de volta para casa, mas ele vence.
Na sexta figura, ele está montado no boi, voltando para casa. Essas são belas figuras!
Na sétima figura, o boi está amarrado em seu lugar.
Na oitava figura, o homem está tão contente que começa a tocar flauta.
A nona figura é uma moldura vazia - não há nada pintado ali.
Na décima figura, que é a causa de uma grande controvérsia, o homem está indo, com uma garrafa de vinho, em direção ao mercado, quase bêbado. Dá para perceber, ele nem consegue andar. Essa décima figura causou uma grande controvérsia que se estendeu por dois mil anos.
Uma seita, que é a maior seita mahayana, acredita que a nona seja a última figura. Ela representa a não-mente; você atingiu o objetivo. O boi é o seu eu mais interior que você tinha perdido, e a série inteira de figuras é a busca do seu eu interior. Você encontrou o eu na nona figura. O silêncio e a paz são imensos. É o nirvana, é a não-mente.
Além da nona... as pessoas que dizem que esse é o fim da jornada acham que alguém acrescentou a décima figura, que parece ser absolutamente irrelevante. Mas as pessoas que pertencem a uma pequena seita zen acreditam na décima figura também. Elas dizem que, quando alguém se tornou iluminado, esse não é o final. Esse é o ponto mais elevado da consciência, é o maior feito, mas é preciso voltar para o mundo humano, ao mundo comum.
É preciso voltar a fazer parte da humanidade maior. Somente então ele pode partilhar, somente então ele pode despertar os outros para a busca.
E certamente quando ele chega de tal altura, ele está absolutamente inebriado de êxtase. A garrafa de vinho não é de um vinho comum. Ela simboliza um estado de êxtase.
Quando as figuras foram levadas para o Japão, há uns mil e duzentos ou mil e trezentos anos, só chegaram nove. A décima causava certo incômodo; ela foi deixada na China.
Eu fiquei perplexo quando olhei pela primeira vez as figuras japonesas. Elas pareciam estar completas. Uma vez que tenha alcançado o nirvana, o que mais pode haver? E então eu descobri dez figuras num velho livro chinês.
Fiquei imensamente feliz pelo fato de que alguém, dois mil anos atrás, tinha tido a percepção de que um buda não é um buda se ele não puder voltar à humanidade comum, se ele não puder tornar-se de novo simples, inocente, levando seu nirvana, levando seu êxtase numa garrafa de vinho, completamente inebriado com o divino, mas ainda se dirigindo ao mercado.
Pude perceber que quem quer que tenha pintado a décima figura estava certo. Até a nona, é apenas lógico. Além da nona, a décima, é uma grande compreensão.
A meu ver, até a nona o homem é apenas um buda; com a décima ele também se torna um Zorba. E este tem sido meu tema constante: tenho insistido em dizer que a décima figura é autêntica e, se ela não existisse, eu iria pintá-la. Sem ela, acabar no nada dá uma impressão um pouco triste, parece um pouco sério, parece vazio.
Todo esse esforço para se encontrar, meditar, ir além da mente, compreender seu ser e terminar no deserto do nada... não, deve haver alguma coisa mais para isso, alguma coisa além disso, onde as flores desabrochem, onde as canções surjam, onde a dança seja possível novamente - num nível completamente diferente, é claro.
Essas figuras que representam o apascentar do boi mostraram-se tremendamente significativas para a explicação do caminho inteiro, passo a passo.
Osho, em "Zen: Sua História e Seus Ensinamentos"
Fonte das Imagens: Biblioteca Fuzku Tenri da Tenri University (Japão), publicados em "Zen: Sua História e Seus Ensinamentos", editora Cultrix, 2012
Fonte do Texto e da Gravura: http://www.palavrasdeosho.com/