Os Espíritos não são, como frequentemente se imagina, seres à parte na criação; são as almas daqueles que viveram sobre a Terra ou em outros mundos, despojados de seu envoltório corporal. Quem admitir a existência da alma sobrevivendo ao corpo, admite por isso mesmo a existência dos Espíritos. Negar os Espíritos seria negar a alma.
Geralmente, faz-se um ideia muito falsa do estado dos Espíritos; eles não são, como alguns o creem, seres vagos e indefinidos, nem chamas como os fogos-fátuos, nem fantasmas como nos contos de almas do outro mundo. São seres semelhantes a nós, tendo um corpo como o nosso, mas fluídico e invisível em seu estado normal.
Quando a alma está unida ao corpo, durante a vida, ela tem um duplo envoltório: um pesado, grosseiro e destrutível, que é o corpo; outro fluídico, leve e indestrutível, chamado perispírito.
Há, pois, no homem três coisas essenciais: primeiro, a alma ou Espírito, princípio inteligente que abriga o pensamento, a vontade e o senso moral; segundo, o corpo, envoltório material que coloca o Espírito em relação com o mundo exterior; terceiro, o perispírito, envoltório fluídico, leve, imponderável, servindo de liame e de intermediário entre o Espírito e o corpo.
Quando o envoltório exterior está gasto e não pode mais funcionar, ele sucumbe e o Espírito dele se despoja, como o fruto se despoja de sua casca, a árvore de sua casca, a serpente de sua pele, em uma palavra, como se tira uma veste velha e imprestável: é o que se chama de morte.
A morte não é senão a destruição do envoltório material; a alma abandona esse envoltório como a borboleta deixa sua crisálida; contudo, ela conserva seu corpo fluídico ou perispírito.
A morte do corpo livra o Espírito do envoltório que o amarrava à Terra e o fazia sofrer; uma vez liberto desse fardo, ele não tem mais que seu corpo etéreo, que lhe permite percorrer o espaço e transpor as distâncias com a rapidez do pensamento.
A união da alma, do perispírito e do corpo material constitui o homem; a alma e o perispírito separados do corpo constituem o ser chamado Espírito.
Nota - A alma é, assim, um ser simples; o Espírito um ser duplo e o homem um ser triplo. Seria, pois, mais exato reservar a palavra alma para designar o princípio inteligente, e a palavra Espírito para o ser semi-material formado desse princípio e do corpo fluídico. Mas, como não se pode conceber o princípio inteligente isolado de toda matéria, nem o perispírito sem estar animado pelo princípio inteligente, as palavras alma e Espírito são, usualmente, empregadas indiferentemente uma pela outra; é a aparência que consiste pelo todo, da mesma forma que se diz de uma vila que ela é povoada por tantas em tomar a parte almas, um povoado de tantas casas; mas, filosoficamente, é essencial diferenciá-las.
Os Espíritos revestidos de corpos materiais constituem a Humanidade ou mundo corporal visível; despojados desses corpos, eles constituem o mundo espiritual ou mundo invisível, que povoam o espaço no meio do qual vivemos, sem disso suspeitar, como vivemos no meio do mundo dos infinitamente pequenos que não supúnhamos antes da invenção do microscópio.
Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, vagos e indefinidos, mas seres concretos e circunscritos, aos quais não falta senão serem visíveis para assemelharem-se aos humanos, de onde se segue que, se em dado momento, o véu que os oculta pudesse ser levantado, eles formariam para nós toda uma população circundante.
Os Espíritos têm todas as percepções que tinham sobre a Terra, mas em um mais alto grau, porque suas faculdades não estão mais amortecidas pela matéria; eles têm sensações que nos são desconhecidas, vêem e ouvem coisas que nossos sentidos limitados não nos permitem nem ver, nem ouvir. Para eles não há obscuridade, salvo para aqueles cuja punição é de estarem temporariamente nas trevas. Todos os nossos pensamentos repercutem neles, que os leem como em um livro aberto; de sorte que aquilo que podemos ocultar a qualquer outra pessoa, não o podemos mais desde que ela é Espírito. (em O Livro dos Espíritos, 237)
Os Espíritos estão por toda parte: entre nós, ao nosso lado, nos acotovelando e nos observando incessantemente. Pela sua presença permanente em nosso meio, os Espíritos são os agentes de diversos fenômenos, desempenhando um papel importante no mundo moral e, até um certo ponto, no mundo físico, constituindo, assim, uma das forças da Natureza.
Desde que se admita a sobrevivência da alma ou do Espírito, é racional admitir-se a sobrevivência das afeições; sem isso as almas de nossos parentes e de nossos amigos estariam perdidas para sempre, para nós. Uma vez que os Espíritos podem ir por toda parte, é igualmente racional admitir-se que aqueles que nos amaram durante sua vida terrestre, nos amem ainda depois da morte, venham para perto de nós, desejem se comunicar conosco, servindo-se para isso dos meios que estão à sua disposição. Isso é o que a experiência confirma. A experiência prova, com efeito, que os Espíritos conservam as afeições sérias que tinham sobre a Terra, e se alegram em vir até aqueles que amaram, sobretudo quando são atraídos pelo pensamento e sentimentos afetuosos que se lhes dirige, enquanto que são indiferentes para aqueles que não lhes têm senão indiferença.
O Espiritismo tem por objetivo a constatação e o estudo da manifestação dos Espíritos, de suas faculdades, de sua situação feliz ou infeliz, e do seu futuro; em uma palavra, o conhecimento do mundo espiritual. Essas manifestações sendo confirmadas, têm por resultado a prova irrecusável da existência da alma, de sua sobrevivência ao corpo, de sua individualidade depois da morte, quer dizer, da vida futura. Por isso mesmo, é a negação das doutrinas materialistas, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos.
Uma ideia mais ou menos geral entre as pessoas que não conhecem o Espiritismo, é de crer que os Espíritos, só porque estão livres da matéria, devem saber tudo e possuir a soberana sabedoria. Há aí um erro grave. Os Espíritos não sendo senão as almas dos homens, estes não adquiriram a perfeição, deixando seu envoltório terrestre. O progresso do Espírito não se realiza senão com o tempo, e não é senão sucessivamente que ele se despoja de suas imperfeições e adquire os conhecimentos que lhe faltam. Seria também ilógico admitir-se que o Espírito de um selvagem, ou de um criminoso, torne-se de repente sábio e virtuoso, como seria contrário à justiça de Deus pensar que ele ficaria perpetuamente em sua inferioridade. Como há homens de todos os graus de saber e de ignorância, de bondade e de maldade, ocorre o mesmo com os Espíritos. Há os que não são senão espertos e ágeis, outros são mentirosos, trapaceiros, hipócritas, maus, vingativos; outros, ao contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber em grau desconhecido sobre a Terra. Essa diversidade na qualidade dos Espíritos é um dos mais importantes pontos a considerar, porque ela explica a natureza boa ou má das comunicações que se recebem; é preciso, sobretudo, se interessar em distingui-las. (em O Livro dos Espíritos, 100, Escala Espírita; em O Livro dos Médiuns, cap. XXIV)
Allan Kardec
Fonte: do livro "O Que é o Espiritismo"
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal