Em tempos de estresse e ansiedade, como os nossos, o tempo exerce pesada carga sobre nós. Sem significação, o peso intolerável do tempo e, paradoxalmente, seu fugaz desaparecimento, tornam-se uma crucificação, sem uma ressurreição. O elevado crescimento na incidência de doenças mentais da sociedade moderna pode ser atribuído a isso. A meditação transforma nosso constructo* mental do passado e do futuro, pelo aprofundamento da experiência do momento presente, o núcleo do significado da contemplação como “simples desfrutar da verdade”.
A morte, que concentra a mente maravilhosamente, nos conduz a uma exaltada experimentação da realidade. Cada momento precioso é saboreado e compartilhado com alegria e admiração. Os amantes que encaram a morte, desfrutam cada momento que lhes resta juntos, mas eles não contam os segundos. O momento presente não pode ser medido. Isto também é liberdade sem limites. A garçonete que te deseja “bom apetite”, quando você inicia sua refeição, compreendeu bem a questão. Como podemos descrever o momento presente, exceto por referência ao tempo?
Não podemos falar da "Palavra", sem usarmos palavras. Porém, o momento presente não está separado daquilo que imaginamos como passado e futuro. Ele contém o tempo. Poderíamos dizer que experimentamos o momento presente quando paramos de contar ou de olhar para o tique-taque dos segundos que se vão. O alvorecer se dá quando realmente entendemos que o momento presente é literalmente todos os momentos sucessivos a ponto de serem ininterruptos, sem que qualquer momento corresponda a um piscar de olhos, ou seja, desperdiçado, esquecido ou ignorado. Trata-se de estarmos completamente acordados para tudo. Aqui e agora.
Este é o último paradoxo... Como podem coexistir o tempo e a eternidade? No entanto, a meditação... nos mostra que podemos viver no agora eterno, enquanto escrevemos relatórios sobre as reuniões de ontem e planejamos nossas reuniões de amanhã. A cura pode se dar por ocasião de nossa morte. Podemos entender por que a tradição védica dramatiza tanto tudo isso quando diz que este mundo é uma ilusão, apenas um mundo de sonho, do qual acordaremos tal como acontece quando assistimos a um filme na tela e então acendem-se as luzes e apaga-se o projetor.
Dom John e a tradição cristã não gostam de dizer isso, pois isso diminui o paradoxo da encarnação, bem como a experimentação do amor humano no dia-a-dia e ao longo dos anos da peregrinação de nossa vida. Ainda assim, à luz do momento presente, tantos de nossos pensamentos e pressuposições mostram-se ilusórios, tantas ansiedades se evaporam, tantas crises desaparecem e tantas de nossas pendências parecem ser liberadas. No entanto, Dom John não minimiza a purificação da mente que precisa ser feita primeiro.
Porém, isso também precisamos compreender. Eu confundiria seriamente o leitor, caso não procurasse colocá-lo tão claramente quanto possa: a purificação que conduz a essa pureza de coração, que conduz à presença em nosso interior, é um fogo que consome. E a meditação é a entrada nesse fogo. O fogo que calcina tudo que não seja real, que calcina tudo que não seja verdadeiro, que não ame. Não devemos temer o fogo. Devemos ter absoluta confiança no fogo, pois o fogo é o fogo do amor. O fogo é o grande mistério de nossa fé, o fogo que é amor. [...]
Dom Laurence Freeman, OSB
*É uma criação mental, simples, que serve de exemplificação na descrição de uma teoria. Em psicologia é percepção ou pensamento formado a partir da combinação de lembranças com acontecimentos atuais.
Fonte: "Caríssimos Amigos" - Leitura de 07/12/2008
THE HEART OF CREATION (New York: Continuum; 1998), p. 24-25
Tradução de Roldano Giuntoli
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/ampulheta-tempo-horas-rel%C3%B3gio-620397/