quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O RETORNO PARA SI MESMO


«Santo Agostinho e o método de atenção a si mesmo» – Fragmento I

"A paz, a felicidade duradoura, a consciência da imortalidade implicam um regresso ao ponto de origem, um encontro com o próprio Criador. Mas este retorno a Deus é antes de tudo um retorno gradual a si mesmo... O distanciamento de Deus leva o homem à 'região da dessemelhança', isto é, ao mundo sujeito aos fatores do espaço-tempo... de modo que quanto mais ávida pelas coisas temporais, mais dessemelhante é a alma...

"O homem coloca-se no reino da dessemelhança quando vive dependente das coisas externas. Na maioria das vezes é por puro desejo de novidade, mera 'luxúria dos olhos' (1 João 2, 16), desejo de experimentar e conhecer, ou seja, deixa-se levar pelo instinto de apropriação das coisas. Assim, ele acredita que as coisas lhe servem, mas é ele quem vive alienado por elas, ou seja, obrigado a sair de si mesmo. Ele assume que a felicidade reside em acumular posses e outros objetos externos, mas 'os homens que desejam o que está fora de si vivem no exílio em relação a si mesmos'.

"O problema é que muitas pessoas esperam obter a felicidade através da posse de riquezas, do gozo de todos os tipos de prazeres etc. Porém, todas essas alegrias não são estáveis, pois vêm e vão, e além disso não são plenas, porque nos movem a desejá-las com maior intensidade. Dessa forma, o homem vive escravizado pelos seus desejos e pela fé que depositou nas percepções que advêm dos sentidos. Na medida em que se questione que tais percepções podem ser errôneas e que distorcem a realidade, dando origem a miragens que entorpecem a alma, o homem estará despertando para a verdadeira liberdade..."


Extraído das pp. 373/4 do livro “História dos métodos de meditação não duais” de Javier Alvarado Planas


El Santo Nombre



Fonte: Blog El Santo Nome
https://elsantonombre.org
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

ABANDONO DE SI MESMO


A debilidade de resistências psicológicas, que se convertem em ausência de forças morais, conduz o paciente aos estados mórbidos, quando acometido dos desconfortos da timidez, inibição e angústia, que lhe trabalham os mecanismos da mente, deixando-o à deriva.

Revolta e pessimismo assaltam-no, levando-o a paroxismos (1) de desesperação interior, em cujo processo mais se aflige, entorpecendo os centros do discernimento e mergulhando em fundo poço de desarmonia.

Sem motivação estimuladora para buscar objetivos salutares nos rumos existenciais, auto-abandona-se, descuidando da aparência como efeito do pessimismo que o aturde.

Passa a exigir uma assistência que se não permite, e quando alguém se dispõe a oferecê-la, recusa-a, agredindo ou fugindo para atitudes de autocomiseração, nas quais se compraz.

Porque coleciona azedume, a sua presença faz-se desagradável, carregada de negatividade, com altas doses de censura aos outros ou de auto-reproche (2), evitando-se liberação.

A timidez é couraça forte que aprisiona. O tímido, no entanto, adapta-se, e egoisticamente passa a viver em exílio espontâneo, que lhe não exige luta, assim poupando-se esforços, que são inevitáveis no processo de crescimento e de conquista psicológica madura.

A inibição é tóxico que asfixia, produzindo distúrbios emocionais e físicos, transtornando a sua vítima e empurrando-a para o poço venenoso da alienação. Ali, os tóxicos dos receios injustificados asfixiam-no, produzindo-lhe enfermidades físicas e psíquicas em cujas malhas estorcega (3) em demorada agonia.

A angústia despedaça os sentimentos que se tornam estranhos ao próprio paciente, que perde o contato com a realidade objetiva dos acontecimentos e das pessoas, para somente concentrar-se no próprio drama, isolando-o de qualquer convivência saudável, e quando não se pode evadir do meio social, permanece estranho aos demais, em cruel autopiedade, formulando considerações comparativas entre o que experimenta e o que as demais pessoas demonstram. Parece que somente ele é portador de desafios, e que as aflições se fixaram exclusivamente na sua casa mental.

Não cede espaço para a análise dos problemas que a todos assoberbam, e que podem ser examinados de forma saudável, transformando-se em fonte de permanentes estímulos para o desenvolvimento dos recursos de que é portador.

São esses distúrbios emocionais algozes implacáveis, que merecem combate sistemático e diluição contínua, não se lhes permitindo fixação interior. A ocorrência de qualquer um deles é perfeitamente normal no comportamento humano, servindo para fortalecimento dos valores íntimos e da própria saúde emocional.

Inevitável, para a sua erradicação, a busca de recursos preciosos, alguns dos quais, os mais importantes, se encontram no próprio enfermo, como, por exemplos, a auto-estima, a necessidade do autoconhecimento, e do positivo relacionamento no grupo social, que são negados pelos distúrbios castradores.

A auto-estima, na vida humana, é de relevantes resultados, em razão de produzir fenômenos fisiológicos, que decorrem dos estímulos emocionais sobre os neurônios cerebrais, que então produzem enzimas que concorrem para o bem-estar e a alegria do ser.

Da mesma forma que as ideias esdrúxulas, carregadas de altas doses de desesperança e negação, somatizam-se, dando surgimento a enfermidades variadas, as contribuições mentais idealistas, forjadas pela auto-estima, confiança, coragem para a luta produzem estados de empatia, de júbilo e de saúde.

Quando, porém, o paciente resolve absorver os transtornos que o assaltam, demorando-se na reflexão em torno deles, agindo sob os vapores venenosos que expelem, refugiando-se na autocompaixão e na rebeldia, voltando-se contra o grupo social que o pode auxiliar, não apenas amplia os efeitos perniciosos da conduta, como também bloqueia os recursos de auxílio para a libertação, abrindo campo para a instalação de inumeráveis enfermidades alérgicas, de dermatoses delicadas, de problemas digestivos e respiratórios, com profundos reflexos nervosos destrambelhados ou doenças mais graves...

O indivíduo é, com muita propriedade, a mente que o direciona. As ocorrências traumatizantes, por isso mesmo, ao invés de aceitas pelo Self, devem ser liberadas, mediante catarses próprias ou através da transmudação dos conteúdos, de forma que em substituição aos pensamentos destrutivos, perversos, negativos, passem a ser cultivados aqueles que devem reger as realizações edificantes, interagindo na conduta que se alterará para melhor, direcionada para a saúde.

A impossibilidade de realizá-lo a sós não se torna empecilho para que seja buscada a solução, através do psicoterapeuta preparado, para auxiliar no comportamento e na transformação dos modelos mentais perturbadores. Ademais, porque originados no cerne do ser espiritual, que se é, a orientação competente que se deriva da evangelho terapia, face à contribuição do amor e do esclarecimento da causalidade dos problemas, não pode ser postergada ou levada em desconsideração.

Ressumando (4) os miasmas dos erros pretéritos e diante de novas possibilidades que se apresentam auspiciosas, as dificuldades iniciais são a cortina de fumaça que oculta os horizontes claros do êxito, que aguardam ser conquistados após a diluição do impedimento.

Desse modo, o esforço para o autoconhecimento se transforma em necessidade terapêutica, porquanto o aprofundamento sereno na busca de respostas para os conflitos da personalidade, culminarão apresentando a cada um informações que não haviam sido detectadas lucidamente, e que passarão a contribuir de forma valiosa na conduta.

Quando o indivíduo se comporta através de sucessivas reações sem a oportunidade de atitudes conscientes, que são resultados da ponderação, do amadurecimento, da análise em torno do fato, mais se lhe agravam os efeitos perniciosos de tal atitude. É perfeitamente normal uma reação que decorre da força do instinto de preservação da vida, resguardando-se, automaticamente, de tudo aquilo que venha a constituir sofrimento ou desagrado. No entanto, reações em cadeia, sem intervalos para a lógica nem a meditação em volta do que está sucedendo, tornam-se morbidez de conduta, expressando o desequilíbrio instalado no campo emocional.

Ainda assim, é perfeitamente válido o esforço para a alteração do quadro, buscando entender-se, interrogando-se sobre o porquê de tal procedimento e tentando honestamente mudar dessa direção para outra mais lúcida e racional.

A convivência social, mesmo que se apresentando desagradável para o paciente, irá contribuir para que descubra valores em outras pessoas que, distanciadas, são tidas como antipáticas, inconvenientes ou desinteressantes. Nesse meio, perceberá que todas experimentam as mesmas pressões e sofrem semelhantes problemas, sendo que algumas sabem como administrá-los, dissimulá-los, superá-los, vivendo em equilíbrio, sem escorregarem pela rampa da autopunição, da autocompaixão, do auto-amesquinhamento.

O abandono de si mesmo é forma de punir a incapacidade de lutar, cilício voluntário para a autodestruição, recurso para punir os familiares ou a sociedade na qual se encontra. Sentindo-se impossibilitado de competir, negando-se a lutar, recalcando os conflitos na raiva e na mágoa, castiga-se, para desforçar-se de todos aqueles que se lhe apresentam na mente atormentada como responsáveis pelo seu estado.

Enquanto o indivíduo não se resolva por crescer e ser feliz, esses algozes implacáveis e mais outros atormenta-lo-ão, ferindo-o, cada vez mais, e dominando a sociedade que passará a ser-lhe vítima.


Divaldo Pereira Franco / Joana de Ângelis



Fonte: do livro "Amor, Imbatível Amor"
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal


Notas:
1 - auge, pico, ápice
2 - reprimenda, advertência, reprovação, crítica
3 - magoar, pisar, estimular
4 - verter, gotejar, repassar, revelar, manifestar,destilar