A alimentação vegetariana é um tema que vem cada vez mais sendo alvo de discussões no meio espírita. Vários são os livros - psicografados ou não - que fazem alguma alusão a isso e antagônicas são as posições tomadas por diferentes pessoas com relação ao assunto. Mas o que realmente diz a doutrina espírita?
Analisando o Livro dos Espíritos, temos a seguinte passagem:
723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”
Esse trecho serve de base aos espíritas que se colocam a favor de uma alimentação onde a carne tenha lugar garantido. Mas não há nada mais a ser considerado sobre a resposta acima? Por exemplo: quando foi escrita? Qual era a situação do homem em termos de conhecimentos nutricionais à época em comparação com os dias de hoje? Percebe-se claramente no trecho citado que é colocada a questão da necessidade: uma palavra de grande importância para se discutir o assunto.
O Livro dos Espíritos foi publicado há mais de 140 anos atrás. Muito o homem se desenvolveu cientificamente e tecnologicamente nesse intervalo de tempo. Hoje, por exemplos práticos e não por suposições teóricas, vê-se que a necessidade de comer carne não existe. É plenamente possível viver de forma saudável sem a sua ingestão.
A despeito de várias publicações espíritas que se colocam a favor da alimentação vegetariana – psicografias de Chico Xavier junto a Emmanuel e André Luiz, de Yvonne Pereira, dentre vários outros – muitos se prendem à questão 723 do Livro dos Espíritos para justificar suas posições contrárias a ela.
Vejamos alguns trechos dos livros O Consolador (Emmanuel – Chico Xavier) e Missionários da Luz (André Luiz – Chico Xavier):
“A ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana.
É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esse valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem a necessidade absoluta dos matadouros e frigoríficos.
Temos a considerar, porém, a máquina econômica do interesse e da harmonia coletiva, na qual tantos operários fabricam o seu pão cotidiano. Suas peças não podem ser destruídas de um dia para o outro, sem perigos graves.
Consolemo-nos com a visão do porvir, sendo justo trabalharmos, dedicadamente, pelo advento dos tempos novos em que os homens terrestres poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores.”
(Trecho do livro O Consolador, psicografado por Chico Xavier junto a Emmanuel)
“A pretexto de buscar recursos protéicos, exterminávamos frangos e carneiros, leitões e cabritos incontáveis. Sugávamos os tecidos musculares, roíamos os ossos.
Não contentes em matar os pobres seres que nos pediam roteiros de progresso e valores educativos, para melhor atenderem a obra do Pai, dilatávamos os requintes da exploração milenária e infligíamos a muitos deles determinadas moléstias para que nos servissem ao paladar, com a máxima eficiência.
O suíno comum era localizado por nós, em regime de ceva, e o pobre animal, muita vez à custa de resíduos, devia criar para nosso uso, certas reservas de gordura, até que se prostrasse, de todo, ao peso de banhas doentias e abundantes.
Colocávamos gansos nas engordadeiras para que hipertrofiassem o fígado, de modo a obtermos pastas substanciosas destinadas a quitutes que ficaram famosos, despreocupados das faltas cometidas com a suposta vantagem de enriquecer valores culinários.
Em nada nos doía o quadro comovente das vacas-mães, em direção ao matadouro, para que nossas panelas transpirassem agradavelmente.
Encarecíamos, com toda a responsabilidade da ciência, a necessidade de proteínas e gorduras diversas, mas esquecíamos de que a nossa inteligência, tão fértil na descoberta de comodidade e conforto, teria recursos de encontrar novos elementos e meios de incentivar os suprimentos protéicos ao organismo, sem recorrer às indústrias da morte.
Esquecíamo-nos de que o aumento de laticínios para enriquecimento da alimentação constitui elevada tarefa, porque tempos virão, para a Humanidade terrestre, em que o estábulo, como o Lar, será também sagrado.”
“Não nos cabe condenar a ninguém. Abandonando as faixas de nosso primitivismo, devemos acordar a própria consciência para a responsabilidade coletiva.
A missão do superior é a de amparar o inferior e educá-lo. E os nossos abusos com a Natureza estão cristalizados em todos os países, há muitos séculos.
Não podemos renovar os sistemas econômicos dos povos de um momento para o outro, nem substituir os hábitos arraigados e viciosos de alimentação imprópria, de maneira repentina.
Refletem eles, igualmente, nossos erros multimilenários. Mas, na qualidade de filhos endividados para com Deus e a Natureza, devemos prosseguir no trabalho educativo, acordando os companheiros encarnados, mais experientes e esclarecidos, para a nova era em que os homens cultivarão o solo da Terra por amor e utilizar-se-ão dos animais, com espírito de respeito, educação e entendimento.”
(Trechos do livro Missionários da Luz, psicografado por Chico Xavier junto a André Luiz)
É importante não existir o medo diante do novo. O próprio Allan Kardec, por várias vezes, colocou a importância da evolução das ideias. Não devemos pensar que tal evolução acabou na publicação de Obras Póstumas (último livro de sua autoria: uma coletânea de textos deixados por ele após sua morte física). A evolução continua. Quando surgem novas variáveis que permitam a análise de um ponto por novos prismas, assim deve ser feito. Aí está o caráter científico do Espiritismo se mantendo em equilíbrio com sua face religiosa, não permitindo que certos pontos sejam praticamente considerados como dogmas a serem aceitos.
(...)
A situação atual apresenta diferenças muito favoráveis à alimentação vegetariana, aumentando consideravelmente as opções dessa dieta em comparação com outras épocas. Há hoje variedades vegetais com níveis produtivos mais altos, melhores processos de armazenamento e conservação, sistemas de distribuição mais eficazes. Além disso, o homem conhece mais sobre os mecanismos da digestão, as necessidades diárias alimentares e as propriedades dos alimentos. Uma dieta vegetariana bem planejada permite a qualquer pessoa viver com boa qualidade de nutrição. Isso pode ser afirmado por fatos.
Vendo-se, pelos últimos parágrafos, que na realidade a necessidade de se comer carne não existe para o homem atual, toda a questão deve ser analisada por um outro ponto de vista: é justo e correto sujeitar um animal aos sofrimentos (sim, por menor que seja a sua capacidade cognitiva, eles têm a capacidade de sofrer – fato inegável) de que é alvo e posteriormente à morte para satisfazer as preferências de nosso paladar?
O Espiritismo, em seu aspecto moral de bondade, amor e caridade em todas as relações, condena o excesso. A partir do momento que se comprova uma não-necessidade, tudo muda. A partir desse caráter moral da doutrina pode-se concluir com facilidade que a interrupção da matança que hoje é infligida aos animais será um dos passos dados pelo homem no futuro. Passo que não ocorrerá de um só instante, mas ao longo de um tempo, visto que mesmo hoje se vê o seu andamento.
Acompanhando-se a linha de evolução da humanidade, percebe-se que atualmente são considerados bárbaros – ou, no mínimo, errôneos - vários costumes tidos como absolutamente normais e corriqueiros em outras sociedades no passado: os sacrifícios animais e mesmo humanos, a escravidão, a poligamia e o canibalismo, dentre outros. Como disse Victor Hugo: “primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação à natureza e aos animais”.
Um ponto importante que deve, no entanto, ser ressaltado é o pretenso nível de intangibilidade moral que alguns podem querer se colocar por terem uma dieta vegetariana. De nada adianta não comer carne, mas também não perdoar, não praticar a caridade, não ser paciente, dentre várias outras coisas de alto grau de importância que estabelecem um bom nível de caráter moral no ser humano.
Apenas cumpre ao homem não cometer excessos e comer para viver, ao contrário de viver para comer. A partir da constatação que o ser mais fraco sofre por uma desnecessidade, o ato de causar tal sofrimento torna-se fútil e repugnante.
Fonte: www.saberespirita.com.br/artigos/alimentacao_vegetariana.html
Fonte da Gravura: http://www.escolovar.org/alimenta_rodas.htm