quarta-feira, 30 de março de 2022

A TENTAÇÃO DE IMPRESSIONARMOS


Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida?

É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espetaculares – tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos – tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, apreciado, amado e aceito, tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?

Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço. Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo. A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.

Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.» De fato, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita. Trata-se, de fato, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de fato, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de me o demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»

O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.

A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestrita de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidade compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.

Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros. Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espetaculares. Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da Presença de Deus nas nossas vidas.



Henri Nouwen




Fonte: do livro "O Esvaziamento de Cristo", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O OUTRO LADO DA VIDA


Se for verdade, como afirma Kant, que o bem estar da humanidade depende da metafísica, é evidente que a questão da imortalidade tem para nós uma importância primordial.

... Lucrécio compara o nascimento do homem a um naufrágio; as ondas nos lançam nus e abandonados em praias desconhecidas. ("Ut saevis projectus ab undis navita nudus humi jacet")

Por que razão e com que fim, emergidos do oceano das idades, fomos deixados nas ribas terrestres? Não o sabemos; e tudo quanto precede esse naufrágio nos é de tal forma desconhecido que consideramos o nascimento como o começo de nossa existência.

Chegamos à Terra com uma consciência vazia, e os conhecimentos que essa inconsciência adquire, no decorrer da vida, só dizem respeito aos objetos com que entramos em relação. Mal sabemos se nos assiste o direito de fazer perguntas sobre o que aconteceu antes do nascimento e sobre o que haverá depois da morte; só temos noções do curto período que vai do berço ao túmulo.

O homem dá-se como o rei da criação, mas o seu reino só compreende um dos astros mais insignificantes do firmamento. Orgulhamo-nos da nossa consciência pessoal, que nos torna superiores aos animais; mas sobre os animais, que não compreendem que são mortais, apenas temos a vantagem duvidosa de poder encarar a morte com segurança; e, embora tenhamos a noção da imortalidade, não estamos perfeitamente certos disso.


Barão Carl Du Prel



Fonte do texto e gravura: do livro "O Outro Lado da Vida"