quinta-feira, 16 de julho de 2020

SOLIDÃO - QUIETUDE ÍNTIMA


Ouçamos com os ouvidos internos, pois ninguém pode assimilar bem uma experiência que não provenha de sua própria orientação interior.

Segundo Pascal, o grande pensador científico-filosófico do século XVII, “a verdadeira natureza do homem, seu verdadeiro bem, sua verdadeira virtude e a verdadeira religião são coisas cujo conhecimento é inseparável.”

Nem sempre a solidão pode ser encarada como dor ou insânia. É, em muitas ocasiões, períodos de preparação, tempos de crescimento, convites da vida ao amadurecimento.

De acordo com o pensamento de Pascal, o âmago do ser está intimamente ligado ao bem, à virtude e à religião. É justamente nas “épocas de solidão” que conseguimos a motivação necessária para estabelecer a verdade sobre esse fato.

Na solidão é que encontramos sanidade para nosso mundo interior, respostas seguras para nossos caminhos incertos e nutrição vitalizante para os labores que enfrentamos em nossa viagem terrena.

Nestes nossos apontamentos sobre a solidão, não estamos nos referindo à “tristeza de estar só”, mas sim, necessariamente, à “quietude íntima”, tão importante e saudável para que façamos um trabalho de autoconsciência, valorizando as nuances de nossa vida interior.

Muitos indivíduos vivem dentro de um ciclo diário estafante. Realizam suas atividades num ambiente de competitividade, agitação, pressa e rivalidade, vivendo em constante tensão psicológica e, por consequência, alterando suas funções fisiológicas. Por viverem num estado de cansaço e desgaste contínuos, não conseguem fazer uma real interação entre o meio ambiente e seu mundo interno, o que ocasiona sérios problemas de convivência e inúmeros conflitos pessoais.

Nem sempre é possível abandonarmos a vida alvoroçada, os ruídos e as músicas estridentes, talvez seja até mesmo inviável; mas é perfeitamente realizável dedicarmos algum tempo à solidão, retirando-nos para momentos de reflexão.

Nos instantes de silêncio, exercitamos o aprendizado que nos levará a abrir um canal receptivo à Consciência Divina. É nesse momento que ficamos cientes de que realmente não estamos sozinhos e que podemos entrar em contato com a voz da consciência. A voz de Deus, por assim dizer, começará a “falar em nós”.

Inúmeras criaturas criam uma mente agitada por temerem que estão vazias, pensam não haver nada dentro delas que lhes dê proteção, apoio e segurança. Acreditam que são uma casca que precisa exclusivamente de sustentação exterior; por isso, continuam ocupando a casa mental ansiosamente, obstruindo seu acesso à luz espiritual.

A mente pode ser uma ajuda efetiva, ou mesmo um obstáculo ferrenho na escolha da melhor direção para atingimos o amadurecimento íntimo. A crença em nossa limitação é que faz com que restrinjamos nossa mente. Isso se agrava quando envolvemo-la no burburinho de vozes, no tumulto e na agitação do cotidiano, passando assim a não avaliarmos corretamente seu verdadeiro potencial.

São muitos os caminhos de Deus, e a solidão pode ser um deles. “E saindo, foi, como costumava, para o Monte das Oliveiras; e também os seus discípulos o seguiram.” (1)

Jesus Cristo, constantemente, se retirava para a intimidade que o silêncio proporciona, pois entendia que a elevação de alma somente é possível na “privacidade da solidão”.

O Cristo Amoroso sabia que, quando houvesse silêncio no coração e no intelecto, se estabeleceriam as bases seguras da relação entre a criatura e o Criador, proporcionando a percepção de que somos unos com a Vida e unos com todos os seres.

“... buscam no retiro a tranquilidade que certos trabalhos reclamam. (...) Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.” (2) A Espiritualidade Maior entende que, nos retiros de tranquilidade, criamos uma sustentação interior, que nos permite sintonizar com as leis divinas e com os valores reais da consciência cristã.

Ouçamos com os ouvidos internos, pois ninguém pode assimilar bem uma experiência que não provenha de sua própria orientação interior.

Ninguém é capaz de seguir sua verdadeira estrada existencial, se não refletir sobre sua essência. Não encontraremos o caminho de que verdadeiramente necessitamos, se nós mesmos não o buscarmos, usando nossos inerentes recursos da alma para perceber as inarticuladas orientações divinas em nós.

Somente cada um pode interpretar as razões da Vida em si mesmo.

Adotemos o aprendizado com o Senhor Jesus, exemplificado no Horto das Oliveiras: retiremo-nos para um lugar à parte e cultivemos os interesses de nossa alma.

Se não encontrarmos um recanto externo que facilite a meditação, nem alguma paisagem mais afastada junto à Natureza, onde possamos repousar da inquietação da multidão, mesmo assim poderemos penetrar o nosso santuário íntimo.

Sigamos o Mestre, recolhendo-nos na solidão e no silêncio do templo da alma, onde exclusivamente encontraremos as reais concepções do amor e da justiça, da felicidade e da paz, de que todos temos direito por Paternidade Divina.


Francisco do Espírito Santo / Hammed


(1) Lucas 22,39
(2) O Livro dos Espíritos (Allan Kardec), Questão 771 – Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados? “Esses se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem o bem, obedecendo à lei do trabalho.” Questão 771-a – E dos que buscam no retiro a tranquilidade que certos trabalhos reclamam? “Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.”



Fonte: do livro (digital) "As Dores da Alma"
8ª ed., agosto/2000, Boa Nova - Editora e Distribuidora de livros espíritas
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal





O DAR DE DEUS (DANA PRAJNA PARAMITA)


"Não-apego é dar; isto é: não apegar-se a nada é, por si só, dar."


Falando em sentido relativo, tudo quanto existe na natureza, tudo quanto existe no mundo humano, toda obra cultural criada é algo que nos foi e está sendo dado. Mas como originalmente tudo é um, na verdade nós também estamos dando tudo. Momento a momento estamos criando alguma coisa e essa é a alegria da nossa vida. Mas esse "eu" que está sempre criando e dando alguma coisa não é o pequeno "eu", e sim o grande "eu". Mesmo que você não perceba a unidade desse grande "eu" com todas as coisas, ao dar algo, você se sente bem, porque nesse momento você se sente um com aquilo que está dando. Eis por que a gente se sente melhor dando que recebendo.

[...] O mestre Dogen disse: "Dar é não-apego". Quer dizer, não apegar-se às coisas é, por si só, dar. Não importa o que é dado. Dar um vintém ou uma folha que seja, é "dana prajna paramita"*. Dar uma linha ou mesmo uma palavra do ensinamento é "dana prajna paramita". A oferenda de algo material ou de um ensinamento, se feita com espírito de desapego, tem o mesmo valor. Com o espírito correto, tudo o que fazemos, tudo o que criamos é "dana prajna paramita". [...]

De acordo com o cristianismo, todas as coisas existentes na natureza foram criadas e dadas a nós por Deus. Esta é a ideia perfeita do dar. Mas se você pensa que Deus criou o homem e que você, de algum modo, está separado de Deus, você até é capaz de pensar que pode criar algo independente, algo que não tenha sido dado por Ele. Por exemplo, nós criamos auto-estradas e aviões e de tanto repetir "eu crio, eu crio, eu crio", acabamos esquecendo quem é realmente o "eu" que cria coisas e logo nos esquecemos de Deus. Este é o perigo da cultura humana. Na verdade, criar com o "grande eu" é dar; não podemos criar nem possuir o que criamos, uma vez que tudo é criado por Deus. Lembre-se sempre disto. É porque esquecemos quem é que está criando, e qual a razão da criação, que nos apegamos aos objetos ou ao seu valor de troca. Isto é insignificante comparado ao valor absoluto de algo como a criação de Deus. Ainda que uma coisa não tenha nenhum valor material ou relativo para o "eu pequeno", ela tem, em si, valor absoluto. Não estar apegado a uma coisa é estar consciente do seu valor absoluto. Tudo o que você faz deve ser baseado nessa consciência, e não em conceitos de valor material ou egocentrados. Então, o que quer que você faça é o dar verdadeiro, é "dana prajna paramita".

[...] Se você compreender "dana prajna paramita", entenderá como é que criamos tantos problemas para nós mesmos. Claro, viver é criar problemas... Se estamos cônscios de que aquilo que fazemos ou criamos é realmente o dom do "grande eu", então não nos apegamos ao feito, e desse modo não criamos problemas nem para nós nem para os outros.

Além do mais, dia após dia devemos esquecer o que fizemos; este é o verdadeiro não-apego. E devemos fazer algo novo. Para fazermos algo novo, é óbvio que precisamos conhecer nosso passado, e isso está certo. Mas não devemos agarrar-nos àquilo que fizemos; devemos apenas levá-lo em consideração. É igualmente necessário ter alguma ideia do que devemos fazer no futuro. Mas futuro é futuro e passado é passado; aqui, agora, devemos trabalhar em algo novo. Essa é nossa atitude, e é assim que temos de viver neste mundo. Isto é "dana prajna paramita": dar alguma coisa ou criar alguma coisa por nós próprios. Portanto, fazer alguma coisa é assumir nossa verdadeira atividade
criadora. [...]


Shunryu Suzuki



* "Dana prajna paramita". Dana significa dar, prajna é sabedoria, e paramita quer dizer atravessar ou alcançar a outra margem. Nossa vida pode ser vista como a travessia de um rio. O objetivo do esforço da nossa vida é alcançar a outra margem, o nirvana. Prajna paramita, a verdadeira sabedoria da vida, é alcançar a outra margem a cada passo do caminho. Alcançar a outra margem com cada um dos passos da travessia é o caminho do verdadeiro viver. (Shunryu Suzuki)



Fonte: do livro "Mente Zen, Mente de Principiante", Ed. Palas Athena
Editado por Trudy Dixon - Tradução de Odete Lara
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/budista-ritual-%C3%A1gua-budismo-1807518/

INTELIGÊNCIA É AMOR


A maioria pensa que inteligência é o resultado da aquisição de conhecimento, informação, experiência. Por ter grande soma de conhecimento e experiência, acreditamos ser capazes de fazer face à vida com inteligência. Mas a vida é uma coisa extraordinária, nunca é estacionária; como o rio, está fluindo constantemente, nunca para. Achamos que por amontoar mais experiência, mais conhecimento, mais virtude, mais riqueza, mais possessões, seremos inteligentes. Por isso, respeitamos as pessoas que acumularam conhecimento, os eruditos, e bem assim as que são ricas e cheias de experiência. Mas será a inteligência o resultado de “mais” disso ou “mais” daquilo? O que é que está por trás deste processo de adquirir mais, de desejar mais? Ao desejar mais, estamos às voltas com acumulação, não estamos?

Ora, o que acontece quando se acumulou conhecimento, experiência? Qualquer outra experiência que vocês tenham é imediatamente traduzida em termos de “mais e mais”, e vocês nunca estão realmente experimentando, mas estão sempre amontoando; e esse amontoar é o processo da mente, que é o centro do “mais e mais”. O “mais e mais” é o “eu”, o ego, a entidade encerrada em si mesma que só está preocupada em acumular, seja negativa ou positivamente. Assim sendo, com sua experiência acumulada, a mente se defronta com a vida. Ao defrontar-se com a vida, com esse acúmulo de experiência, a mente ainda está buscando “mais e mais”, de modo que nunca experimenta, só acumula. Enquanto a mente for apenas um instrumento de acumulação, não haverá verdadeira experimentação. Como podem vocês franquear-se à experiência quando estão sempre pensando em obter algo dessa experiência, em adquirir alguma coisa mais?

Por isso, o homem que está acumulando, amealhando, o que está desejando mais, nunca está experimentando a vida em primeira mão. É só quando a mente não está preocupada com o “mais e mais”, com acumular, que há a possibilidade de ser inteligente. Quando a mente está preocupada com o “mais e mais”, toda experiência ulterior fortifica a muralha do “eu” encerrado em si mesmo, o processo egocêntrico que é o centro de todo conflito. Façam o favor de acompanhar isto. Vocês acham que a experiência liberta a mente, mas ela não o faz. Enquanto a sua mente estiver afeta à acumulação, ao “cada vez mais”, toda experiência que tiverem apenas os fortifica em seu egocentrismo, em seu egoísmo, em seu processo fechado de pensar.

A inteligência só é possível quando há liberdade real em relação ao ego, em relação ao “eu”, isto é, quando a mente já não seja o centro da busca de “mais e mais”; quando ela já não está subjugada pelo desejo de experiência maior, mais vasta, mais expansiva. Inteligência é a liberdade em relação à pressão do tempo, não é? Porque o “cada vez mais” implica tempo, e enquanto a mente for o centro da busca de “mais e mais”, ela será o resultado do tempo. Por isso o cultivo do “cada vez mais” não é a inteligência. A compreensão de todo esse processo é o autoconhecimento. Quando alguém se conhece tal como é, sem um centro acumulador, desse autoconhecer provém a inteligência capaz de fazer face à vida; e essa inteligência é criativa.

Examinem suas próprias vidas. Considerem como são tediosas, estúpidas, estreitas, porque vocês não são criativos... Suas vidas estão cercadas de medo, e por isso há autoridade e imitação. Vocês não sabem o que é ser criativo. Por criatividade não entendo o pintar quadros, escrever poemas ou saber cantar. Refiro-me à natureza mais profunda da criatividade que, uma vez descoberta, é uma fonte eterna, uma corrente imorredoura; e ela só pode ser encontrada mediante a inteligência. Essa fonte é o intemporal; mas a mente não pode encontrar o intemporal enquanto for o centro do “eu”, do ego, da entidade que está eternamente pedindo “mais”.

Quando vocês compreenderem tudo isto, não só verbalmente, mas em profundidade, descobrirão que com a inteligência desperta ocorre uma criatividade que é realidade, que é Deus, coisa sobre a qual não se pode especular nem meditar. Vocês nunca chegarão a isso mediante... suas preces por “mais e mais” ou por escapar do “mais e mais”. Essa realidade só pode ocorrer quando vocês entenderem o estado de sua própria mente, a malícia, a inveja, as reações complexas, à medida que surgem, de momento a momento, cotidianamente. Ao entender essas coisas experimenta-se um estado que se pode chamar de amor. Esse amor é inteligência, e produz uma criatividade que é intemporal.


J. Krishnamurti



Fonte: do livro "O Verdadeiro Objetivo da Vida", Ed. Cultrix, SP (texto adaptado)
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal