segunda-feira, 9 de junho de 2014

AUSÊNCIA DE HARMONIA ESPIRITUAL - ALEGRIAS EXTERNAS - SOLIDÃO

Quanto mais triste o homem é internamente, pela ausência de harmonia espiritual, tanto mais necessita ele de alegrias externas, geralmente ruidosas e violentas. Esse homem não tolera a solidão, que lhe traz consciência mais nítida da sua vacuidade ou desarmonia interior; por isso, evita quanto possível estar a sós consigo; procura companhia por toda a parte, e, quando não a pode ter em forma de pessoas, canaliza para dentro da sua insuportável solidão parte dos ruídos da rua, por meio do jornal, do rádio, da televisão. Alguns vão mais longe e recorrem a entorpecentes - maconha, cocaína, morfina etc. - para camuflarem, por algum tempo, a sensação da sua triste solidão.

Quem teme a concentração necessita de toda a espécie de distrações para poder suportar-se a si mesmo. E, como essas distrações e prazeres, pouco a pouco, calejam a sensibilidade, necessita esse homem de intensificar progressivamente os seus estimulantes artificiais para que ainda produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por fim, nem já os mais violentos estimulantes lhe causam mossa (impressão) e então esse homem chega, não raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas “alegrias” que põe termo à sua tragédia por meio do suicídio. Outros acabam no manicômio. É que nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.

Enquanto o homem não descobrir a bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir a sua fome e sede de felicidade com essas horrorosas alegrias da vida material. Essas alegrias externas, porém, têm sobre ele o efeito da água do mar, que tanto maior sede dá quanto mais dela se bebe.

Mas, quando o homem acerta em descobrir a bela tristeza da vida com Deus, renuncia espontaneamente a essas horrorosas alegrias da vida sem Deus, ou então satura de espiritualidade todas as suas materialidades, transformando em oásis de vida abundante o seu velho deserto morto. E então compreende ele o que o divino Mestre quis dizer com as palavras “não dou a minha paz assim como o mundo a dá”. O que o mundo dá não é paz real, é apenas uma trégua artificial, espécie de armistício temporário e precário entre duas guerras, ou melhor, em um campo de batalha de guerra permanente. A paz do Cristo, porém, é uma paz profunda e sólida, porque nascida da Verdade que liberta. O homem cuja felicidade nasceu da verdade é calmo e sereno em todas as vicissitudes da vida, porque sabe que não precisaria mudar de direção fundamental se a morte o surpreendesse nesse instante.





Prof. Huberto Rohden





Fonte: do livro "O Sermão da Montanha", pp. 48-9
Livraria Freitas Bastos S/A, RJ, 1960
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal