terça-feira, 23 de junho de 2020

A VERDADE NÃO EXISTE NOS OPOSTOS


A verdade não existe nos opostos. Os opostos são apenas o jogo recíproco de relações.

Vosso incessante esforço para vos ajustardes entre os opostos é a causa do conflito, porém a libertação é a liberdade dos opostos.

A luta e a aflição vêm à existência quando o “eu”, pela emoção, pelo pensamento, cria a divisão dos opostos. A plenitude existe em todos, posto que esteja colhida pelo vosso eu-consciência, por vós mesmos criado. Na liberdade do eu-consciência está a realização da plenitude. Enquanto o eu-consciência, isto é, o ego existir, tem de haver esforço e por conseguinte tristeza.

Quando estiverdes libertos dos opostos, dos extremos, a harmonia virá à existência. Isto é libertação. Isto é consumação da sabedoria; porém não podereis realizar isto, se houver um único pensamento do “meu” e do “teu”, isto é, do “eu”, que é separatividade.

Na realidade, na verdade, na vida não há nem separação nem unidade. A verdade é completa. Nela todos os opostos cessam de existir. A plenitude não tem aspectos, nem divisões, nem opostos. É a essa plenitude que eu denomino perfeição e que existe a todos os instantes em todas as coisas, em todo o ser humano. Porém, em virtude de seu eu-consciência, o homem cria divisões entre a realidade e si próprio.

O “eu” pertence ao tempo, está sempre buscando orientação, pelos opostos, adquirindo qualidades, criando separatividades, conflitos, esforços.

Estais aprisionados ao conflito, e porque não podeis compreender esse conflito, desejais o oposto; repouso, paz, que é um conceito intelectual. Nesse desejo criastes uma máquina intelectual e essa máquina intelectual é a religião. Ela está inteiramente divorciada de vossos sentimentos, de vossa vida diária e é, por isso, simplesmente uma coisa artificial. Essa máquina intelectual pode ser também a sociedade, criada intelectualmente, uma máquina da qual vos tornastes escravos, e pela qual sereis desapiedadamente esmagados. Criastes essas máquinas, porque estais em conflito, porque através do medo e da ansiedade, sois arrastados para o oposto naquele conflito, porque estais buscando repouso, satisfação.

O desejo do oposto cria o medo e desse medo surge a imitação.

Assim, inventais conceitos intelectuais, tais como as religiões, com suas crenças e padrões, a sua autoridade e disciplina, os seus salvadores e mestres, para conduzir-vos a o que desejais, que é o conforto, a segurança, a satisfação, a fuga desse constante conflito.

Se fordes timoratos (medrosos, temerosos), buscais coragem, porém o medo vos perseguirá ainda, pois que somente estareis escapando de um oposto para o outro. Ao passo que, se vos libertardes da causa do temor, que é o desejo, então não conhecereis, quer a coragem, quer o temor, e a maneira de operar isto, é tornar-se acautelado, vigilante, e não buscar alcançar coragem, porém libertar-se dos motivos na ação.

Este processo, de desenvolver a coragem é realmente, uma evasão ao medo; se, porém, discernirdes a causa do medo, este naturalmente, cessará. Por que não sois capazes de discernir diretamente? — Porque, se houver percepção direta, tem de haver ação e, para evitar a ação, desenvolveis o oposto, estabelecendo-se assim uma série de fugas sutis.


J. Krishnamurti



Fonte: do livro "O Medo", 2a. ed., 1948
Instituição Cultural Krishnamurti, RJ
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

LIBERDADE EXIGE CONSCIÊNCIA


A consciência é a alma da liberdade, os seus olhos, a sua energia, a sua vida. Sem consciência, a liberdade não sabe jamais o que fazer de si mesma. E um ente racional que não sabe o que fazer consigo, acha insuportável o tédio da vida. Ele está, literalmente, morrendo de fastio. Assim como o amor não encontra a sua plenitude simplesmente em amar às cegas, também a liberdade definha quando se reduz a 'agir às soltas', sem qualquer finalidade. Um ato sem intenção priva-se de alguma coisa da perfeição da liberdade, porque liberdade é mais do que uma questão de preferência indeterminada, ao acaso. Não basta, para afirmar a minha liberdade, escolher 'qualquer coisa'. Preciso usar e desenvolver a minha liberdade através da escolha de qualquer coisa de 'bom'.


Fr. Thomas Merton, OSB



Fonte: do livro "Homem Algum é uma Ilha"
Comunidade Monástica Anglicana - Igreja Anglicana Tradicional do Brasil
https://www.mongesanglicanos.org/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

A NATUREZA DA ALMA


[...] Na vastidão do oceano, não existe nenhum ego. [...] Quando começamos a compreender a alma, o mar oferece uma maravilhosa analogia. Imagine o oceano em uma realidade não-local, o campo de infinitas possibilidades, o nível virtual da existência que sincroniza todas as coisas. Cada um de nós é como uma onda nesse oceano. Somos criados a partir dela e ela forma a essência de quem somos. Assim como a onda assume uma forma específica, nós também ostentamos padrões intricados da realidade não-local. Esse vasto e infinito oceano de possibilidade é a essência de todas as coisas no mundo físico. O oceano representa o não-local, e a onda, o local. Os dois estão intimamente conectados.

Tão logo definimos a alma como sendo oriunda da esfera não-local, ou virtual, nosso lugar no universo torna-se extraordinariamente claro. Somos ao mesmo tempo locais e não-locais, um padrão individual emergindo da inteligência não-local, que também é parte de todos e de tudo. Por conseguinte, podemos pensar na alma como tendo duas partes. A alma vasta, não-local, existe como o nível virtual ou do espírito. Ela é poderosa, pura e capaz de qualquer coisa. A parte pessoal, local, da alma existe no nível quântico. É ela que alcança a vida do dia-a-dia e sustenta a essência de quem somos. Ela também é poderosa, pura e capaz de qualquer coisa. O mesmo potencial ilimitado do espírito infinito também reside em cada um de nós. A alma pessoal, que nos vem à cabeça quando pensamos no nosso "eu", é uma emanação da alma eterna.

Se conseguíssemos aprender a viver a partir do nível da alma, veríamos que a nossa parte melhor e mais luminosa está conectada a todos os ritmos do universo. Verdadeiramente nos conheceríamos como os fazedores de milagres que somos capazes de ser. Ficaríamos livres do medo, do anseio, do ódio, da ansiedade e da hesitação. Viver a partir do nível da alma significa deixar para trás o ego, as limitações da mente que nos atrelam aos eventos e resultados do mundo físico.

Não existe nenhum "eu" individual clamando por atenção na vastidão do oceano. Existem ondas, contracorrentes e marés, mas no final, tudo é o oceano. Todos somos padrões de não-localidade fingindo ser pessoas. No fim, tudo é espírito. No entanto, todos nos sentimos muito individuais, não é mesmo? Os nossos sentidos nos garantem que nosso corpo é real, e temos pensamentos muito pessoais e individuais. Aprendemos coisas, nos apaixonamos, temos filhos e trabalhamos na nossa profissão. Por que não sentimos esse vasto oceano revolvendo dentro de nós? Por que nossa vida parece tão limitada? Tudo volta aos três níveis da existência.

No nível físico, que chamamos de mundo real, a alma é o observador no meio da observação. Sempre que observamos alguma coisa, três componentes estão envolvidos. O primeiro, que ocorre no mundo físico, é o objeto de observação. O segundo, que tem lugar no nível da mente, é o processo de observar. O terceiro componente da observação é o observador efetivo, que chamamos alma.

Vamos examinar um simples exemplo dos três componentes da observação. [...] Um animal peludo, de quatro pernas, torna-se o objeto da sua observação. A seguir, seus olhos recebem a imagem do objeto e transmitem o sinal para a sua mente, que interpreta o objeto como sendo um cachorro. Mas quem está observando o cachorro? Volte a percepção para o interior e você se tornará consciente de uma presença dentro de você. Essa presença é a sua alma, a extensão da vasta inteligência não-local que está se manifestando em você. Desse modo, a mente está envolvida no processo do conhecimento, mas a alma é aquela que conhece.

Essa presença, essa percepção consciente, essa alma, a que conhece, é imutável. Ela é o ponto imóvel de referência no meio do cenário em transformação do mundo físico. Todos possuímos uma alma, mas como cada um de nós observa as coisas a partir de um lugar diferente e de um conjunto distinto de experiências, não as observamos exatamente da mesma maneira. As variações no que observamos se baseiam nas interpretações da nossa mente. [...] Nossas mentes interpretam a observação de modos diferentes. A interpretação acontece no nível mental, mas é a nossa alma individual que está condicionada pela experiência, e através dessa memória da experiência passada a alma influencia nossas escolhas e a maneira como interpretamos a vida.

Essas minúsculas sementes de memória se amontoam na alma individual ao longo de uma vida e essa combinação de memória e imaginação baseada na experiência se chama carma. O carma se acumula na parte pessoal da alma, a onda na essência do nosso ser, e a colore. Essa alma pessoal governa a consciência e fornece um gabarito para o tipo de pessoa que cada um de nós virá a ser. Além disso, as ações que praticamos podem afetar essa alma pessoal e modificar nosso carma, para melhor ou pior.

A parte universal, não-local da alma não é afetada por essas ações, estando conectada a um espírito que é puro e imutável. Na verdade, a definição de iluminação é "o reconhecimento de que sou um ser infinito que vejo e sou visto a partir de um ponto de vista particular e localizado, observo e sou observado a partir de uma perspectiva localizada". Não importa o que mais possamos ser, independentemente da confusão que possamos ter feito na vida, sempre é possível entrar em contato com a parte da alma que é universal, o campo infinito de puro potencial, e modificar o curso do nosso destino. Isso é o sincrodestino, ou seja, tirar vantagem dessa conexão entre a alma pessoal e a alma universal para moldar a nossa vida. Desse modo, as sementes de memória construídas pela experiência, o carma, ajudam a determinar quem somos. Mas outras coisas além do carma moldam a individualidade da alma pessoal; os relacionamentos também desempenham um papel importante na construção da alma.

[...] Se nosso corpo é terra reciclada, nossas emoções são energia reciclada e os nossos pensamentos são informação reciclada, o que torna você um indivíduo? E a sua personalidade? Bem, a personalidade tampouco tem origem em nós. Ela é criada através da identificação seletiva com situações e por meio dos relacionamentos. Pense em um amigo íntimo. Como você o define? Quase todos fazemos isso descrevendo as pessoas na vida delas - o cônjuge, os filhos, os pais, os colegas de trabalho. Também as descrevemos no contexto das situações da vida delas, o tipo de trabalho que fazem, onde moram, como se divertem. Aquilo que chamamos de personalidade é construído em uma base de relacionamentos e situações.

Podemos então agora perguntar: se o meu corpo, meus pensamentos, emoções e personalidade não são originais ou criados por mim, quem sou eu na realidade? De acordo com muitas das grandes tradições espirituais, uma das grandes verdades é que "eu sou o outro". Sem o outro, não existiríamos. Sua alma é o reflexo de todas as almas. Imagine-se tentando compreender a complexa rede de interações pessoais que o tornaram quem você é hoje.

[...] Você é o infinito, visto a partir de um ponto de vista localizado. A sua alma é a parte de você que é simultaneamente universal e individual, e ela é um reflexo de todas as'outras almas. Por conseguinte, definir a alma dessa maneira significa compreender que sua alma é ao mesmo tempo pessoal e universal, que ela encerra um significado e implicações que estão além da sua experiência pessoal de vida. A alma é o observador que interpreta e faz escolhas em uma confluência de relacionamentos. Esses relacionamentos fornecem as circunstâncias, o cenário, os personagens e os eventos que moldam as histórias da nossa vida.

Assim como a alma é criada através dos relacionamentos e é um reflexo de todos eles, a experiência da vida é formada a partir do contexto e do significado. Ao mencionar o contexto estou me referindo a todas as coisas à nossa volta que nos permitem entender o significado de ações, palavras e ocorrências individuais, ou qualquer outra coisa.

[...] Finalmente, chegamos a uma definição mais completa da alma. A alma é o observador que interpreta e faz escolhas baseadas no carma; ela também é uma confluência de relacionamentos, dos quais emergem contextos e significado, e é esse fluxo de contexto e significado que cria a experiência. Por conseguinte, é através da alma que criamos a nossa vida.

[...] Podemos agora aprimorar ainda mais a definição da alma. A alma é a confluência de significados, contextos, relacionamentos e histórias míticas ou temas arquetípicos que dão origem aos pensamentos, memórias e desejos do dia-a-dia (condicionados pelo carma) que criam as histórias das quais participamos.

No caso de quase todas as pessoas, essa participação nas histórias da nossa vida acontece automaticamente, sem que o percebamos de forma consciente. Vivemos como atores de uma peça que só recebem uma fala de cada vez, representando nosso papel sem entender a história toda. Mas quando você entra em contato com a sua alma, enxerga o roteiro inteiro do drama. Você compreende. Continua a tomar parte na história, mas agora participa alegre, completa e conscientemente. Você pode fazer escolhas baseadas no conhecimento e nascidas da liberdade. Cada momento adquire uma qualidade mais profunda oriunda do reconhecimento do que ele significa no contexto da sua vida. Ainda mais emocionante é o fato de que somos capazes de reescrever a peça ou modificar nosso papel aplicando a intenção, aproveitando as oportunidades que surgem da coincidência e sendo leais ao chamado de nossa alma. [...]


Dr. Deepak Chopra



Fonte: do livro "A Realização Espontânea do Desejo", Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
Tradução de Claudia Gerpe Duarte.
Fonte da Gravura: Tumblr.com