quinta-feira, 31 de março de 2022

O PASSADO COMO CAMINHO A UMA NOVA VIDA


«Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.» (Romanos 8, 28)

Os anos que te antecedem, recheados de conflitos e sofrimento, serão a seu tempo, recordados como o caminho que te conduziu à tua nova vida. Mas enquanto essa nova vida não te pertencer completamente, as tuas recordações continuarão a fazer-te sofrer. Quando revives acontecimentos dolorosos do passado, podes sentir-te vítima deles. Mas existe uma maneira de contares a tua história sem sentir dor e nessa altura também te sentirás menos pressionado a contá-la. Aperceber-te-ás que o teu lugar deixou de ser lá: o passado já era, o sofrimento deixou-te, já não precisas de regressar para o aliviar, já não dependes do teu passado para te identificares.

Há duas maneiras de contar a tua história. Uma consiste em contá-la de forma compulsiva e premente, regressando continuamente a ela por que encaras o teu presente sofrimento como consequência das tuas experiências passadas. Mas existe outra maneira. Podes contar a tua história de um ponto onde ela já não te domina. Podes falar dela com algum distanciamento e encará-la como caminho para a liberdade de que atualmente gozas. Verás, então, que desapareceu a compulsão de contar a tua história.

De uma perspectiva de vida em que agora te encontras e com o distanciamento que agora possuis, o teu passado já não te obscurece. Perdeu o peso e pode ser recordado como o modo que Deus encontrou para te ajudar a ter compaixão pelo próximo e a compreendê-lo.


Henri Nouwen



Fonte: do livro "A Voz Íntima do Amor", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/pforphoto-lugares-perdidos-7085750/

CONSTRÓI A FELICIDADE ONDE TE ENCONTRAS


A busca da felicidade tem sido a aspiração maior do ser humano desde os primórdios do seu desenvolvimento intelecto-moral.

Não conseguindo ainda discernir, buscava superar as sensações dolorosas e desagradáveis, recolhendo-se na furna* ou na floresta onde pudesse viver sem assaltos.

À medida que as sensações se tornavam mais delicadas, passou a buscar aquelas que melhor prazer proporcionavam, iniciando-se o desenvolvimento ético do pensamento.

Desde aquele de natureza primitiva ao racional, e desse ao cósmico, surgiram necessidades éticas e emocionais que deveriam ser trabalhadas, a fim de que predominassem aquelas que plenificam os sentimentos.

Foi o período em que o pensamento mitológico deu lugar à percepção mental dos valores que proporcionam renovação interior.

Surgiram as escolas da lógica e da razão, bem como as diretrizes para alcançar-se determinadas experiências agradáveis e compensadoras, tais como Licurgo, que estabelecia ser a felicidade como resultado do poder e do ter. Logo depois, em contraposição, apareceu Diógenes de Sinope, com a proposta cínica, tentando demonstrar que a posse é impedimento à felicidade pelo medo que se tem de a perder. Quase que concomitantemente surgiu o estoicismo de Zenão de Citio, renascendo com vigor as ideias de Sócrates, mediante a visão de si mesmo, o olhar para dentro, o autoconhecimento...

A partir de então, multiplicaram-se as escolas de pensamento, e nos tempos atuais, graças às ideias perturbadoras que ganharam a sociedade, com as suas demandas políticas, religiosas e ateístas, o pensamento desvairou e a felicidade recebeu chacota dos cínicos e nadaístas**.

No século passado, o poeta brasileiro Vicente de Carvalho, entre outros conceitos sobre o tema informou: A felicidade é como um pomo, que nunca o pomos onde nós estamos, e nunca estamos onde nós o pomos.

O Espiritismo, confirmando a excelência do pensamento de Jesus, esclarece que a felicidade consiste em fazer o próximo feliz, isto é, amar a todos com o mesmo vigor com que se ama a si mesmo.

Esse desafio constitui a nobre conquista da plenitude, que se é feliz pelo que a todos se proporciona em bem-estar e alegria de viver.

Quando a criatura humana dê-se conta de que o próximo é o caminho que a leva à paz, em razão das bênçãos que se lhe podem proporcionar, o equilíbrio emocional estabelecerá na Terra o primado do amor, portanto, da felicidade.

Se desejas realmente ser feliz, utiliza-te deste momento de desconforto geral e evita a crítica, passando à ação do bem, e verás surgir uma nova primavera rica de bênçãos.

Sê, pois, tu, aquele que constrói a felicidade onde te encontras, facultando-a a todos. Assim, a felicidade de outrem será tua também.


Divaldo Pereira Franco



Notas deste blog:

* Cova, gruta.

** Movimento literário colombiano com grande conteúdo de protesto social. Seu nome já indica a origem e o fim do grupo: o nada. É a expressão de uma geração atormentada pela miséria e pela alienação e cujos membros, com generosidade e entusiasmo, propuseram uma estética que deveria ser destrutiva e criativa ao mesmo tempo. Esse grupo não tinha um objetivo específico de mudar a sociedade, pois partiu do fato de que o sistema e a ordem não podem ser destruídos, portanto, o movimento e a ação de mudança era o próprio fim. O grupo baseou sua estratégia de luta na provocação da burguesia ao profanar instituições e crenças culturais, religiosas, ancestrais e contemporâneas; tudo o que é claramente seguido pela tradição. (Wikpédia)



Fonte: Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião, em 24.3.2022
Via: http://www.divaldofranco.com.br/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/bola-praia-feliz-oceano-rosa-1845546/

quarta-feira, 30 de março de 2022

A TENTAÇÃO DE IMPRESSIONARMOS


Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida?

É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espetaculares – tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos – tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, apreciado, amado e aceito, tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?

Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço. Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo. A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.

Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.» De fato, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita. Trata-se, de fato, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de fato, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de me o demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»

O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.

A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestrita de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidade compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.

Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros. Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espetaculares. Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da Presença de Deus nas nossas vidas.



Henri Nouwen




Fonte: do livro "O Esvaziamento de Cristo", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O OUTRO LADO DA VIDA


Se for verdade, como afirma Kant, que o bem estar da humanidade depende da metafísica, é evidente que a questão da imortalidade tem para nós uma importância primordial.

... Lucrécio compara o nascimento do homem a um naufrágio; as ondas nos lançam nus e abandonados em praias desconhecidas. ("Ut saevis projectus ab undis navita nudus humi jacet")

Por que razão e com que fim, emergidos do oceano das idades, fomos deixados nas ribas terrestres? Não o sabemos; e tudo quanto precede esse naufrágio nos é de tal forma desconhecido que consideramos o nascimento como o começo de nossa existência.

Chegamos à Terra com uma consciência vazia, e os conhecimentos que essa inconsciência adquire, no decorrer da vida, só dizem respeito aos objetos com que entramos em relação. Mal sabemos se nos assiste o direito de fazer perguntas sobre o que aconteceu antes do nascimento e sobre o que haverá depois da morte; só temos noções do curto período que vai do berço ao túmulo.

O homem dá-se como o rei da criação, mas o seu reino só compreende um dos astros mais insignificantes do firmamento. Orgulhamo-nos da nossa consciência pessoal, que nos torna superiores aos animais; mas sobre os animais, que não compreendem que são mortais, apenas temos a vantagem duvidosa de poder encarar a morte com segurança; e, embora tenhamos a noção da imortalidade, não estamos perfeitamente certos disso.


Barão Carl Du Prel



Fonte do texto e gravura: do livro "O Outro Lado da Vida"

segunda-feira, 28 de março de 2022

EVITA TODAS AS FORMAS DE AUTOCENSURA


Deves evitar não só culpar os outros mas também a ti mesmo. Tens tendência a recriminar-te pelas dificuldades que sentes nos relacionamentos que inicias. Mas a auto-recriminação não é uma forma de humildade. É uma forma de autocensura, na qual ignoras ou negas a tua própria virtude e beleza. Quando uma amizade não floresce, quando uma palavra não é acolhida, quando um gesto de amor não é apreciado, não te censures a ti mesmo, porque isso é falso e doloroso. Sempre que te rejeitas idealizas os outros. Queres estar com os que consideras melhores, mais fortes, mais inteligentes e mais dotados do que tu. Assim, tornas-te emocionalmente dependente, levando os outros a sentirem-se incapazes de satisfazerem as tuas expectativas e a afastarem-se de ti. O que faz com que te censures ainda mais e entres numa espiral perigosa de auto-rejeição e carência. Evita todas as formas de autocensura. Reconhece as tuas limitações, mas assume as tuas virtudes únicas e começa a viver como um igual entre iguais. Assim libertar-te-ás das tuas necessidades obsessivas e possessivas e darás a ti próprio a oportunidade de dar e receber afeto e amizade verdadeiros.



Henri Nouwen



Fonte: do livro "A Voz Íntima do Amor", Ed. Paulinas
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O QUE BUSCAMOS? QUAIS OS MEIOS QUE USAMOS NA NOSSA BUSCA?


Os humanos têm uma tendência deplorável para confundir os fins com os meios.

Eles sabem que há sempre um objetivo a atingir e meios para o conseguir, mas não viram que estão usando as suas faculdades mais elevadas como meios para atingirem o objetivo mais terra a terra.

Para satisfazerem os seus apetites mais baixos, sacrificarão o que em si existe de melhor: a inteligência, a integridade, a pureza.

Querem até que o Senhor venha ajudá-los nas suas tramas e nas suas loucuras.

E pensais que eles se aperceberam desta situação?

De modo algum!

Eles nunca tiveram tempo para se questionar: «Que procuramos nós?... E que meios usamos para o obter?»

Não, é preciso que um Mestre lhes diga: «Escuta! Qual é o teu objetivo?»



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

sábado, 26 de março de 2022

DE UMA VIDA ABSURDA A UMA VIDA OBEDIENTE


Muitas vezes tornamo-nos surdos, incapazes de saber quando Deus nos chama, incapazes de entender em que direção nos chama.

Desta forma nossas vidas se tornam um absurdo (ab-surdus).

Na palavra absurdo encontramos a palavra latina "surdus", que significa "surdo".

A vida espiritual requer disciplina porque precisamos aprender a ouvir a Deus que constantemente fala, mas a quem raramente ouvimos.

Porém, quando aprendemos a ouvir, nossas vidas se tornam vidas obedientes (ob-audire).

A palavra obediente vem da palavra latina "obaudire", que significa "ouvir".

É necessário ter uma disciplina espiritual se quisermos mudar lentamente de uma vida "absurda" para uma vida "obediente", de uma vida cheia de preocupações agitadas para uma vida em que há espaço livre no nosso interior para ouvir o nosso Deus e seguir a sua orientação.



Henri Nouwen



Fonte: do livro "Aqui e Agora", Ed. Paulinas
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

quinta-feira, 24 de março de 2022

DIMENSÃO ESPIRITUAL DA RESPIRAÇÃO


Está escrito no Gênesis que Deus formou o homem do pó da terra. Foi deste modo que se traduziu a palavra hebraica “aphar”*. Mas o verdadeiro sentido da palavra “aphar” é cinza. Traduzir por pó ou por cinza não é a mesma coisa. Se Deus formou o homem a partir da cinza, isso subentende que antes algo havia sido queimado e que, portanto, foi uma matéria queimada que serviu para formar o homem.

Depois, é dito: «Deus insuflou nas suas narinas um sopro de vida e o homem tornou-se um ser vivo.» A vida no homem começou, pois, por uma respiração, por um sopro, o sopro dado por Deus. Para todo o ser humano, a vida começa pela respiração, pela primeira inspiração. Quando uma criança nasce, o que ela deve começar por fazer para se tornar um habitante desta terra é uma inspiração; ela abre a boquinha, grita e todos rejubilam, pensando: «Pronto, está vivo!» É graças à primeira inspiração que os pulmões se enchem de ar, começam a funcionar e desencadeiam a vida. E anos e anos mais tarde, quando se diz que alguém deu o último suspiro, toda a gente compreende que essa pessoa morreu. A respiração é o começo e o fim. A vida começa por uma inspiração e termina com uma expiração.

A vida é o maior dos mistérios. Quantos pensadores e pesquisadores não têm trabalhado para o elucidar! A tradição esotérica relata o caso de mágicos que teriam conseguido fabricar nos seus laboratórios criaturas às quais davam vida e confiavam depois certos trabalhos. Que existe de verdade em todas estas histórias?... O que é garantido é que o mistério da vida sempre preocupou os espíritos.

Na realidade, todo o mistério da vida está contido na respiração. Mas a vida não está no ar em si mesmo, nem no fato de se respirar. Ela provém de um elemento superior ao ar e para o qual este é um alimento: o fogo**. Sim, a vida encontra-se no fogo, no calor, e o ar tem por função manter o fogo. A vida encontra-se no coração que a contém como um fogo, e os pulmões são como que o fole que aviva continuamente o fogo. A origem, a primeira causa da vida é, pois, o fogo e o ar, que é seu irmão, mantém-no e vivifica-o. Com a última expiração, o fogo extingue-se, o último suspiro extingue o fogo.

Vale, pois, a pena atentarmos no processo da respiração para refletirmos, para compreendermos que a base da nossa existência reside nele, e exercitarmo-nos a fim de que ele se efetue cada vez melhor. Na maior parte dos humanos este processo está entravado, diminuído ou envelhecido. Por isso eles devem aprender a trabalhar com o ar a fim de animarem, purificarem e intensificarem a vida neles.



Omraam Mikhaël Aïvanhov


Notas deste blog:
* Afar (aphar), cinza, é traduzido, no hebraico, também como pó e poeira.
**
Esse "fogo" é designado em várias tradições como vitalidade, essência vital, prana, energia vital etc.



Fonte: Opúsculo 303, 1ª parte, cap. 1, A Respiração - Dimensão Espiritual e Aplicações Práticas
Publicações Maitreya - Porto, Portugal
newsletter@publicacoesmaitreya.pt - www.prosveta.com
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/luz-laranja-brilhante-arte-cor-579290/

terça-feira, 22 de março de 2022

EM TODO LUGAR E EM TODA OBRA


Como organizar-se no início de uma semana?

Às vezes é tão difícil para mim ordenar-me. Começo com pressa e com o passar dos dias fico cada vez mais complicado e confuso. Chego ao fim de semana sem energia e muitas vezes, por isso, o desperdiço.

A segredo é ter prioridades muito claras. E estas devem ser formuladas em sua expressão espiritual e material. Elas sempre têm que ser poucas. O prioritário é o que não deve faltar; mesmo que todo o resto não possa ser feito ou dê errado, o ponto do meu foco tem que ser o que defini como prioridade. Um exemplo grosseiro: o principal é ter o que comer e não os condimentos; ter um lugar para morar e não se tiver carpete, parquet ou mosaico no chão. Depois de ter alcançado o essencial, você pode dar atenção ao resto.

Temos que lembrar disso: quanto mais simples, mais foco e poder. O complicado nos confunde e nos tira as forças. Tudo deve ser organizado levando em conta os dois aspectos da nossa vida. O tangível e o intangível. O tangível é a caminhada que planejei; o intangível é que quero fazê-la com o corpo relaxado e rezando enquanto caminho, respirando o sagrado que me envolve. Em geral, realizamos a parte externa, perdendo a profundidade interna, que é o que dá sentido à ação.

Outra ferramenta que pode ajudar bastante é ter um aforismo de fundo (pensamento semente) que nos guie de maneira geral. Além da oração que se pratica, pode-se ter uma frase que serve de guia, que nos devolve ao centro quando o perdemos. Suponha que você se sinta particularmente fraco mentalmente ou mesmo fisicamente, então diga a si mesmo: "O Senhor está comigo, não temerei mal algum"... Desse modo, você deveria lembrar-se disso toda vez que a fraqueza se manifesta.

E assim estamos prontos para andar no palco de cada dia: Quando a confusão aparece, lembro-me das prioridades. Quando aparece a necessidade ou complicações, trago ao presente o aforismo (pensamento) que coloquei como sentinela para indicar a direção. Precisamos recordar* que é o nosso espírito que marca a natureza das atividades e não a ação em si. Nesse sentido, tudo o que fazemos pode ser usado para nos aproximar da Presença de Deus.

Como diz Pedro Damasceno na Filocalia: "Em todo lugar e em toda obra encontramos vida e morte, salvação e perdição... Não encontrareis em toda a criação uma obra ou um lugar capaz de impedir que seja como Deus quis que fosse desde o princípio: Sua imagem e semelhança..." **


El Santo Nombre


* Usado aqui no sentido de "passar novamente pelo coração" (re-cordar)
** Do 3º vol. de Philokalia, pp. 50 e 53, ed. Lúmen



Fonte: Blog El Santo Nome
https://elsantonombre.org
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/monge-peregrina%c3%a7%c3%a3o-caminho-1077839/

SIGNIFICADO DA INICIAÇÃO


... disse que a palavra iniciação se deriva do latim Initiare e tem a mesma etimologia de initium, início, começo, ou vindo ambas de in-ire, ir para dentro ou ingredir. Então, a palavra Iniciação tem o duplo sentido de começar ou ir para dentro. Em outras palavras: Iniciação é o esforço que realiza o homem para novamente ingredir, para ir para dentro de si mesmo, em busca das verdades eternas que nunca saíram à luz, ao mundo externo.

Iniciação é equivalente a religião, de re-ligare, ligar novamente. É a volta do filho pródigo ao seio de seu Pai, depois de haver errado largo tempo no mundo material, sofrendo misérias e fomes. O iniciado é o ser que conheceu seu erro e volveu a ingressar ao interior de sua casa paterna, ao passo que o profano fica fora do templo da Sabedoria, longe do real conhecimento da verdade e da virtude, dedicado à satisfação de seus sentidos externos.

Assim, pois, esse ingresso (Iniciação) não é, nem pode considerar-se unicamente como material, nem é a aceitação de uma determinada associação, mas o ingresso a um novo estado de consciência, a um modo de ser interior, do qual a vida exterior é efeito e consequência.

É o renascimento indicado pelo Evangelho; é a transmutação do íntimo estado do homem para efetivamente iniciar -se ou ingressar na vida nova que caracteriza o Iniciado, não, como supõem aqueles que se julgam iniciados desde o momento em que começa sua Iniciação.

A Iniciação é o renascimento iniciático, ou seja, a negação de vícios, erros e ilusões que constituem os metais grosseiros ou qualidades inferiores da personalidade para afirmação da Verdade, da Virtude e da Realidade, que constitui o ouro puro da Individualidade, a perfeição do Espírito que em nós se expressa através de nossos ideais elevados.

Todo homem de boa vontade, bom e santo, é o verdadeiro Iniciado, sem ter necessidade de pertencer a uma Ordem externa, visto ser membro da Fraternidade Branca Subjetiva.



Dr. Jorge Adoun, R +



Fonte: Revista Gnose, fev. 2013
Igreja Gnóstica do Brasil
Fraternitas Rosicruciana Antiqua - www.fra.org.br
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segunda-feira, 21 de março de 2022

O TIPO PSICOLÓGICO: INTROVERTIDO - EXTROVERTIDO


Temos o hábito de rotular as pessoas de acordo com sua persona mais comum, como introvertidas e extrovertidas. Quer dizer: umas são alegres e expansivas, enquanto outras são pensativas e tímidas.

Esta classificação empírica está errada. Quem criou a classificação das pessoas segundo dois tipos de atitudes foi Carl Gustav Jung, num estudo detalhado e memorável.

Os tipos de atitude são formas de reação aos estímulos que lhes vêm do mundo exterior e interior. São comportamentos condicionantes do processo psíquico. Para Jung, o tipo de atitude poderia ser uma disposição orgânica de cada um de nós. Realmente, desde o nascimento as pessoas apresentam as características de um tipo de atitude específico. Quando, por imposição do meio, o indivíduo é obrigado a funcionar num tipo de atitude diferente da sua inclinação natural, sofrerá distúrbios sérios.

Todavia, a partir da meia idade, é comum haver uma troca gradativa no tipo de atitude pessoal. Assim é que, pessoas introvertidas passam a se apresentar como extrovertidas, e as extrovertidas, como o seu oposto. Inclusive, pode-se verificar que, na meia-idade, acontece uma modificação no comportamento de homens e mulheres, a ponto de homens antes masculinamente rígidos, passam a ficar femininamente sentimentais; enquanto mulheres muito femininas, passam a apresentar atitudes masculinas. Não que mudem de identidade sexual, nada disso. Apenas passam a apresentar modos de ser diferentes, e até opostos, aos que estavam acostumados, e pelos quais eram conhecidos.

O tipo extrovertido é aquele cuja libido é atraída pelo objeto. Ele se caracteriza por uma relação positiva com os objetos externos. Neste tipo: "...interesse e atenção é direcionado para acontecimentos objetivos, o que está fora, em primeiro lugar os do meio ambiente próximo; pessoas e coisas cativam o interesse, somente depois volta-se para a própria pessoa. O extrovertido interessa-se por coisas novas, opiniões, lugares, invenções, grandes desempenhos. O extrovertido é sempre tentado a desfazer-se de si, em benefício (aparentemente) do objeto. (Jung)

O tipo extrovertido tende a seguir o espírito da época, as normas externas de validade coletiva. Ele dirige seu interesse para fora, para o objeto, quer dizer, ele se orienta, preferencialmente, no externo, com desenvoltura e facilidade. Para o extrovertido, "as leis morais do agir coincidem com as exigências da sociedade, isto é, com a concepção moral válida em geral. Se a concepção válida em geral fosse outra, também as diretrizes morais subjetivas seriam outras, sem que houvesse alteração alguma no hábito psicológico em geral." (Jung)

O extrovertido tende a desvalorizar os fatores subjetivos, por isto não costuma se preocupar com sua saúde nem com o atendimento às necessidades básicas, indispensáveis ao bem estar corporal. Somente volta a atenção para seu corpo, quando algo de anormal aparece no funcionamento dele.

O tipo introvertido tem uma atitude negativa face ao objeto, é conduzido, basicamente, por fatores subjetivos. Seu mundo interno é o ponto de partida e de orientação, o objeto tem, para ele, um valor secundário. Sua tendência, diante das solicitações do meio, é se por de sobreaviso, colocar um pé atrás e evitar, num primeiro momento, que sua libido flua diretamente para o objeto. Parece que reage, primeiramente, pela recusa.

O introvertido não é tímido, o seu interesse é subjetivo; ele vive mais no mundo das ideias, que lhe chama atenção, e onde está à vontade, do que no mundo das realidades concretas, que lhe parece difícil de lidar.

As pessoas têm um tipo de atitude dominante, mas, as situações existenciais impõem, em circunstâncias do cotidiano, que elas passem a atuar com a atitude contrária. Jung dá o exemplo de dois amigos que vão andando por uma rua. Um é extrovertido e o outro introvertido. Em dado momento, veem uma mansão antiga, com as portas abertas, sem qualquer pessoa tomando conta. O tipo extrovertido, então, convida seu amigo para entrarem. Esse se recusa, ponderando que os donos dela podem não gostar, e criarem problemas. O outro revida, desfazendo da cautela do amigo, e o arrasta consigo. No interior, encontram uma sala cheia de cotas de malhas, de armaduras e textos antigos. Neste instante, o tipo introvertido extroverte. Seu interesse pelos objetos se torna ativo. Ao mesmo tempo, o extrovertido introverte, e perde o interesse, passando a chamar o amigo para irem embora, ao que este se recusa.

Saber o seu tipo psicológico é um passo importante no autoconhecimento. Isto fará você entender melhor sua atitude diante dos atos e fatos do seu cotidiano...

Qual será sua atitude dominante? Busque perceber se você age mais motivado pelos objetos (tudo o que está fora de você), ou se suas ações têm base no seu mundo interior! Aclarando: você age primeiro, para depois refletir ou, ao contrário, reflete primeiro para depois agir?



Djalma Argollo



Fonte: do livro "Desenvolvimento Pessoal - Uma Proposta de Individuação"
AMAR - Sociedade de Estudos Espíritas - Salvador/BA
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/fantasia-estrelas-espa%c3%a7o-c%c3%a9u-6026740/

AMOR E COMPAIXÃO: A FONTE DA FELICIDADE


Descobri que o mais alto grau de paz interior decorre da prática do amor e da compaixão. Quanto mais nos importamos com a felicidade de nossos semelhantes, maior o nosso próprio bem-estar. Ao cultivarmos um sentimento profundo e carinhoso pelos outros, passamos automaticamente para um estado de serenidade. Esta é a principal fonte da felicidade.

A compaixão e o amor não são artigos de luxo. Como origem da paz interior e exterior, são fundamentais para a sobrevivência de nossa espécie. Por um lado, são a não-violência em ação. Por outro, são a fonte de todas as qualidades espirituais: a capacidade do perdão, a tolerância e todas as demais virtudes. Além disso, são o que de fato dá sentido às nossas atividades e as torna construtivas.

A verdadeira compaixão decorre da percepção do sofrimento dos outros. Nós nos sentimos responsáveis e desejamos fazer algo por eles.

A verdadeira compaixão é uma reação motivada principalmente pela emoção e também um compromisso definitivo apoiado na razão. Assim, uma conduta verdadeiramente misericordiosa para com os outros não se altera nem mesmo quando os outros se comportam mal. É praticando a compaixão sem limites que uma pessoa desenvolve o sentimento de responsabilidade pelos semelhantes, o desejo de ajudá-los a superar de forma eficaz seus sofrimentos.

A compaixão e o amor caridoso são as características principais da realização plena e da felicidade.


Dalai Lama



Fonte: do livro "Palavras de Sabedoria"
Ed. Sextante, Rio de Janeiro/RJ
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/pomba-m%c3%a3os-paz-liberdade-7049205/

domingo, 20 de março de 2022

A IDADE NÃO NOS TORNA MAIS SÁBIOS


As pessoas imaginam que precisamos de chegar a velhos para ficarmos sábios, mas, na verdade, à medida que os anos avançam, é difícil nos mantermos tão sábios como éramos.

De fato, o homem torna-se um ser distinto em diferentes etapas da vida.

Mas ele não pode dizer que se tornou melhor, e, em alguns aspectos, é igualmente provável que ele esteja certo aos vinte ou aos sessenta.

Vemos o mundo de um modo a partir da planície, de outro a partir do topo de uma escarpa, e de outro ainda dos flancos de uma cordilheira.

De alguns desses pontos podemos ver uma porção maior do mundo que de outros, mas isso é tudo.

Não se pode dizer que vemos de modo mais verdadeiro de um desses pontos que dos restantes.



Johann Wolfgang von Goethe
In "Conversações com Johann Peter Eckermann"



Fonte: Fraternidade Rosacruz Max Heindel
Grupo de Estudos Fraternidade Rosacruz Fiat Lux - Amadora - Portugal
http://frcfiatlux.org
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/m%c3%a3os-velho-idade-avan%c3%a7ada-idoso-2906458/

sábado, 19 de março de 2022

NOVO ANIVERSÁRIO DO ASSASSINATO DE JACQUES DE MOLAY


Em 18 de março de 1314, o rei Filipe IV da França executou Jacques de Molay. Após sua maldição, o monarca e o papa Clemente V morreram tragicamente.

Em 13 de outubro de 1307 Jacques Bernard de Molay, o último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, foi preso junto com outros membros da irmandade por ordem de Filipe IV, “O Belo”, Rei da França, com o apoio silencioso do Papa Clemente V.

A perseguição começou no início daquele ano quando o monarca, acusando-os de heresia, ordenou a captura de todos os membros da Ordem encontrados em território francês. Na verdade, a história começou muito antes.

Em 18 de março de 1314, o Grão-Mestre foi queimado na fogueira. A tradição afirma que ele pediu para ser amarrado ao poste de frente para Notre Dame e que graças ao seu excelente e bem treinado domínio psicofísico ele foi capaz de suportar a tortura do fogo sem sentir dor.

Conta-se também que Dante Alighieri estava presente naquele momento, escondido entre a multidão que presenciou a cena; mas, dias antes, ele tivera uma extensa conversa, em particular, com De Molay, obtida através do suborno dos guardas.

O Templo foi fundado no ano de 1118 quando Hugo de Payen, André de Montbard e outros sete cavaleiros ofereceram Balduíno, então rei de Jerusalém, para organizar e garantir a segurança dos peregrinos à Terra Santa.

Com o tempo, a Ordem do Templo (nome resultante do fato de o seu primeiro povoado ter sido as cavalariças do Primeiro Templo erguido pelo Rei Salomão) enriqueceu graças a doações, magníficos negócios mercantis e financeiros (basta dizer que foram os inventores das letras de câmbio) e os despojos obtidos na Terra Santa que lhe foram concedidos pelas bulas papais Omne Datum Optimum (1139), Milites Templi (1144) e Militia Dei (1145). Os Templários eram credores de nobres e reis e financiaram a construção de inúmeras catedrais no país gaulês. Eles também colaboraram nas cruzadas com dinheiro e militares.

Esse poder, aliado ao sigilo do grupo, começou a gerar desconfiança entre o povo, principalmente os que deviam grandes somas de dinheiro à Ordem. Esta foi a principal razão pela qual Filipe IV decidiu pôr fim à existência dos Templários, que tinha uma grande dívida para com eles.

A desculpa que o rei francês usou para justificar a perseguição foi a de heresia e sacrilégio. Tudo baseado em fofocas e supostas confissões de membros que haviam sido expulsos da Ordem. A realidade é que nada do que lhes foi imputado jamais pôde ser verificado, nem se pôde encontrar qualquer imagem de ídolos ou fetiches.

Quando a prisão dos Templários e de seu último Grão-Mestre foi realizada em 13 de outubro de 1307, apoiada pelo Papa Clemente V através da bula Pastoralis Proeminentiae, os membros da Ordem e sua suposta autoridade máxima não ofereceram resistência e se renderam mansamente à ordem do rei.

Tanta mansidão despertou o espanto dos captores, que, ao longo do tempo, foi interpretado de muitas maneiras diferentes.

Um aspecto muito importante da Ordem do Templo nos permitirá compreender esta questão da falta de resistência à prisão. A irmandade era composta de três ramos: os militares, os monges e os mestres secretos. O verdadeiro Grão-Mestre nunca foi conhecido pelo leigo ou mesmo pela maioria dos membros da Ordem.

Isso não deve surpreender, pois é comum em todas as instituições secretas, esotéricas e iniciáticas, haver um alto comando que permanece fora do conhecimento daqueles que não chegam aos mais altos escalões.

Jacques de Molay (chefe visível e público da Ordem, mas não o real) era um homem analfabeto, assim como o resto dos homens que, aparentemente, submissamente se deixaram capturar pelos soldados do rei Filipe. Eles estavam cumprindo a missão mais delicada e importante de toda a sua vida. Dependia deles que o Templo salvasse seus preciosos mistérios e que as hierarquias ocultas embarcassem, sem serem perseguidas, no porto que mantinham fortificado em La Rochelle, (situado nas águas atlânticas da costa francesa) para fugir definitivamente da Europa e do Oriente Médio para terras chamadas Armórica (o lugar da harmonia), designação dada à América por aqueles que chegaram muito antes de Cristóvão Colombo, e assim também salvaguardar suas riquezas. Por esta razão, Molay obedientemente se rendeu aos seus captores.

O monarca encontrou a imensa fortuna dos Templários? A resposta é não. Ele só poderia se apropriar de fazendas e propriedades que não são nada comparadas ao que ele esperava encontrar. O que era valioso tinha sido salvaguardado. O grande poder da Ordem incluía um "serviço secreto" que poderia facilmente descobrir com antecedência os planos de Filipe IV.

Antes de morrer na fogueira, Jacques de Molay disse: "Deus sabe que fomos levados ao limiar da morte com grande injustiça. Uma imensa calamidade virá em breve para aqueles que nos condenaram sem respeitar a verdadeira justiça. Deus, Ele assumirá o comando de tomar represálias pela nossa morte. Vou perecer com esta certeza.” Coincidência ou não, a verdade é que em menos de um ano morreram Felipe IV e Clemente V, tal como profetizou o Grão-Mestre.

O Papa morreu após 37 dias, em meio a uma dor forte e insuportável. Seus médicos anunciaram que ele havia morrido “através de um sofrimento horrível”. Filipe morreu em 29 de novembro quando colidiu com um galho de árvore enquanto andava a cavalo pela floresta de Fontainebleau. O golpe foi tão grave que o monarca morreu de paralisia geral, com grande sofrimento até sua morte.



Antonio Las Heras 
(Doutor em Psicologia Social, filósofo e escritor - e-mail: alasheras@hotmail.com)




Fonte do texto e gravura: www.diariopopular.com.ar
Via: "Informativo O MALHETE"
http://omalhete.blogspot.com/

sexta-feira, 18 de março de 2022

NOSSO PASSADO E O INSTINTO


Todos os humanos carregam em si o seu longínquo passado de animais: a manha de uns, a brutalidade, a crueldade, a voracidade ou a sensualidade de outros...

Evidentemente, esta natureza animal é muito forte: teve milhares de anos para se fortalecer e se exercitar, porque viveu em condições muito difíceis.

Pensai em todas as dificuldades que os animais têm de enfrentar para poderem sobreviver, encontrar alimento, arranjar abrigo e conservá-lo, e para se protegerem uns dos outros...

Como quereis que, depois de ter vivido em tais condições, a nossa natureza instintiva seja agora doce, boa, clemente?

Mas também é necessário saber que ela não representa a última etapa do desenvolvimento.

O que está em causa, agora, é desenvolvermos as nossas qualidades psíquicas e espirituais, para fazermos face a todas as tendências instintivas.

É esse o problema que todos temos de resolver.



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

quarta-feira, 16 de março de 2022

DO TÉDIO À ATENÇÃO


Um dos benefícios que obtemos ao meditar, a partir de uma tradição, é que podemos aprender muito com a experiência acumulada do passado. Com referência à tradição que menciono, há duas palavras que podem nos guiar em nossa peregrinação diária e que nos poupam de atrasos ou desvios desnecessários.

Os primeiros Padres do Monaquismo logo descobriram que um dos obstáculos para todo homem ou mulher de oração é a acedia. A acédia é um conceito psicológico complexo, mas contém noções de tédio, secura, falta de satisfação, sentimento de desesperança ou estagnação. Acredito que todos nós, até certo ponto, estamos familiarizados com algumas dessas manifestações do ego.

Eu também acho que muitas pessoas em nossa sociedade ficam entediadas facilmente. O tédio nos torna inquietos e inconsistentes em nossos compromissos. Assim como os primeiros monges que viajavam para Alexandria de vez em quando para uma pequena distração, nós, em nossa sociedade secular, estamos sempre procurando maneiras de nos distrair. Aqueles de nós que descobriram o caminho da meditação, sentem um puxão oposto, de tirar o pescoço do jugo para poder descansar um pouco. Todos procuramos uma distração porque nos sentimos um pouco cansados ​​do mesmo compromisso diário de peregrinação que nos desafia com longos períodos sem distrações.

Outro dia um jovem veio me ver. Ele me disse: “Como você consegue ficar olhando pela janela e vendo a mesma coisa todos os dias? Isso não te deixa louco?" Talvez a verdadeira pergunta seja: "Como é possível que possamos ver tanto, olhando pela mesma janela todos os dias?"

Os primeiros Padres sabiam que o tédio vem do “desejo”, o desejo de alcançar a fama, ter algo novo, mudar o ambiente ou atividade, ter relacionamentos diferentes, o brinquedo novo, seja o que for. A oração pura reduz esse desejo. Na quietude da oração, cada vez mais ainda, nos aproximamos da Fonte de tudo o que é, tudo o que pode ser; começamos a nos maravilhar e a ver que não há espaço para o desejo. Todo o nosso espaço está preenchido com a maravilha de Deus. A atenção que vagava no desejo, está apontando e absorvendo em Deus.



Fr. John Main, OSB




Fonte: do livro "O Coração da Criação", Canterbury Press, 2007
Traduzido para o espanhol por Lucía Gayón, e para o português por este blog.
PERMANECER EN SU AMOR - Coordenadora: Lucía Gayón - Ixtapa, México
www.permanecerensuamor.com - permanecerensuamor@gmail.com
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/animal-primata-macaco-t%c3%a9dio-3086397/

NÃO CONSIGO ACREDITAR QUE EU EXISTO


Não consigo acreditar que eu existo. O que há de errado comigo?

Isso é impossível. É impossível dizer “Eu não existo” – porque até para dizer isso você tem de existir. A vida inteira de um dos grandes filósofos do Ocidente, Descartes, o pai da filosofia moderna, foi uma investigação por algo indubitável, que não pudesse ser posto em dúvida. Ele queria uma base, e uma base que fosse inquestionável; só então o edifício certo poderia ser construído sobre ela. Ele buscou, buscou muito sinceramente.

Você pode duvidar de Deus, da outra vida, até mesmo da existência do outro. Eu estou aqui, você pode me ver; mas, quem sabe, você pode estar sonhando – porque no sonho você também vê o outro, e no sonho o outro parece tão real quanto na chamada vida real. Você nunca duvida no seu sonho. Na verdade, na vida real você pode duvidar às vezes, mas no sonho, não; é indubitável.

Consta que Chuang Tzu disse o seguinte: “Meu maior problema é aquele que sou incapaz de resolver. O problema é que uma noite sonhei que eu era uma borboleta. Desde essa noite eu fiquei confuso”.

Um amigo lhe perguntou: “Qual é sua confusão? Todo mundo sonha, não há nada especial nisso. Por que ficou tão preocupado com isso – ser uma borboleta em um sonho? E daí?”

Ele disse: “Desde esse dia estou confuso. Não consigo decidir quem eu sou. Se Chuang Tzu pôde se tornar uma borboleta no sonho, quem sabe, quando a borboleta for dormir, ela possa sonhar que é Chuang Tzu. Então eu sou realmente Chuang Tzu ou apenas uma borboleta sonhando? Se é possível que Chuang Tzu possa se tornar uma borboleta, então isso também é possível. Uma borboleta descansando no sol da tarde sob a sombra de uma árvore pode estar sonhando que se tornou Chuang Tzu. Então, quem eu sou? Uma borboleta sonhando ou Chuang Tzu sonhando?”

Descartes pesquisou durante muito tempo. Então tropeçou em um único fato, e esse fato é: “Eu existo”. Isso não pode ser questionado, é impossível, porque até para dizer “Eu não existo” você precisa existir.

Esposa: “Eu acho que ouvi ladrões. Você está acordado?”
Marido: “Não!”
Esposa: Ora, se você não está acordado, como pode dizer “não”? Esse “não” pressupõe que você esteja acordado.

Você me diz: “Não consigo acreditar que eu existo”.

Essa não é uma pergunta de crença; você existe. Quem é este que não consegue acreditar? Quem é este que está cheio de dúvidas? A dúvida pode existir sem aquele que duvida? O sonho pode existir sem um sonhador? Se o sonho está ali, uma coisa é absolutamente certa: o sonhador está ali. Se a dúvida está ali, então uma coisa é absolutamente certa: aquele que duvida está ali.

Esta é a base de todas as religiões: “Eu existo”. Não é necessário acreditar nisso – não é uma questão de crença, é um simples fato. Feche os olhos e tente negá-lo. Você não pode negá-lo, porque na própria negação estará provando o fato. Mas esta época é a época da dúvida. E, lembre-se, qualquer época que seja a época da dúvida é uma grande época. Quando grandes dúvidas surgem no coração humano, grandes coisas podem acontecer. Quando grandes dúvidas surgem, surgem também grandes desafios.

Então, este é o maior desafio para você – penetrar mais fundo naquele que duvida até mesmo da existência de seu próprio ser. Penetre fundo nessa dúvida, penetre nesse que duvida. Deixe que essa se torne sua meditação, e penetrando mais fundo nisso você verá que esse é o único fato indubitável na existência, a única verdade que não pode ser questionada.

E, quando tiver sentido isso, surgirá a confiança.


OSHO



Fonte: do livro "A jornada de ser humano: é possível encontrar felicidade real na vida cotidiana?"
Tradução de Magda Lopes, 1ª. ed., 2014, Ed. Planeta, São Paulo/SP
www.editoraplaneta.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/homem-pensar-sentimentos-escultura-2546791/

terça-feira, 15 de março de 2022

DESILUSÃO - CAMINHOS - QUARTO CAMINHO


A fim de percorrer o Quarto Caminho*, antes devemos nos preparar um pouco, preparar a bagagem. Precisamos saber o que podemos encontrar nos canais comuns sobre conceitos como esoterismo e conhecimentos ocultos, sobre o potencial de evolução interior do homem, e assim por diante. Essas ideias já precisam ser familiares para que possamos falar sobre elas. Também ajuda ter pelo menos algum conhecimento de ciência, filosofia e religião, embora o apego a formas religiosas sem a compreensão de sua essência acabe atrapalhando. Se conhecermos pouco, se tivermos lido e pensado pouco, será difícil falar de ideias.

Deve ser dito que existe uma regra geral para todos. No intuito de tratar com seriedade do Quarto Caminho, precisamos de desilusão, primeiro com nós mesmos — ou seja, com nossas habilidades — e, depois, com todos os velhos caminhos. Não poderemos perceber o que esse ensinamento tem de mais valioso se não estivermos desiludidos com nossos próprios esforços e com o fato de nossa busca estar sendo infrutífera. O cientista deve estar desiludido com sua ciência, o religioso com sua religião, o filósofo com a filosofia, e assim por diante. Mas devemos compreender o que isso significa. Dizer, por exemplo, que o religioso deve se desiludir com a religião não significa que ele deva perder a fé. Significa que deva se “desiludir” apenas com a instrução e a metodologia, ao perceber que a instrução religiosa não é suficiente para ele e que não vai levá-lo a parte alguma. Todo ensinamento religioso consiste em duas partes: a visível e a oculta. Desiludir-se com a religião significa desiludir-se com o visível e sentir, ao mesmo tempo, a necessidade de descobrir e de conhecer a parte oculta. Desiludir-se com a ciência não significa perder o interesse na busca do conhecimento. Significa convencer-se de que o método científico, tal como é entendido, não só tem utilidade limitada como costuma levar a teorias absurdas e autocontraditórias e, ao se convencer disso, começar a procurar um método melhor. Desapontar-se com a filosofia significa estar convencido de que a filosofia comum é apenas — como diz um provérbio russo — passar de um copo vazio para outro e aceitar que nem sequer sabemos o que a filosofia significa, embora a verdadeira filosofia possa e deva existir.

Não importa o que costumávamos fazer antes, não importa o que costumava atrair nosso interesse antes; apenas quando chegarmos a esse estado de desilusão é que estaremos prontos para adentrar o Quarto Caminho. Se ainda acreditamos que nosso velho caminho pode nos levar a algum lugar, ou que ainda não experimentamos todos os caminhos, ou ainda se pensamos que seremos capazes de encontrar ou de fazer alguma coisa por conta própria, isso significa que não estamos prontos para a tarefa. Contudo, isso não significa que o Quarto Caminho exige que abdiquemos a tudo o que estamos acostumados a fazer. Isso é totalmente desnecessário. Em geral, é até melhor que a pessoa continue a ser como sempre foi. Mas deve perceber que isso é apenas uma tarefa, ou um hábito, ou uma necessidade.

Não há e não pode haver qualquer escolha das pessoas que entram em contato com os caminhos, inclusive o Quarto Caminho. Em outras palavras, ninguém nos seleciona. Nós nos selecionamos, em parte por acaso, em parte porque temos certa fome. Quem não tem essa fome não pode receber ajuda do acaso. E quem tem muita fome às vezes pode topar com o começo do caminho, apesar de uma série de circunstâncias desfavoráveis. Mas, além da fome, a pessoa já deve ter adquirido certo conhecimento, o qual lhe permitirá discernir o caminho. Digamos, por exemplo, que um homem educado, que nada conhece sobre religião, entre em contato com um caminho religioso em potencial. Ele não verá nada e não entenderá nada, interpretando-o como uma tolice ou uma superstição, embora, ao mesmo tempo, possa ter muita fome intelectual. Isso também se aplica a alguém que nunca ouviu falar das práticas de yoga, do desenvolvimento da consciência, e assim por diante. Se essa pessoa entrar em contato com um dos caminhos do yoga, o que ouvir não terá sentido para ela, será algo morto.

O Quarto Caminho é mais difícil ainda. A fim de discernir e valorizar de modo correto o Quarto Caminho, devemos ter pensado e sentido e já devemos ter passado, na verdade, pela desilusão com muitas coisas. Talvez não tenhamos trilhado os caminhos do faquir, do monge e do yogue, mas pelo menos deveríamos conhecê-los, avaliá-los e ter decidido que não são para nós. Não é necessário levar isso ao pé da letra nem termos avaliado e rejeitado os outros caminhos, mas os resultados dessa desilusão precisam estar em nós, a fim de nos ajudar a identificar o Quarto Caminho. Do contrário, poderemos estar do lado dele sem sequer percebê-lo.

Tudo se resume a estarmos prontos para sacrificar nossa liberdade autocentrada. Todos nós lutamos, consciente e inconscientemente, pela liberdade, ou melhor, pelo que imaginamos que seja liberdade. E é isso que, mais do que qualquer outra coisa, nos impede de conquistar a verdadeira liberdade. Porém, uma pessoa capaz de realizar qualquer coisa, mais cedo ou mais tarde percebe que sua liberdade é uma ilusão que precisa ser sacrificada. Então, aceitamos voluntariamente condições que não determinamos — sem medo de perder qualquer coisa, pois sabemos que não temos nada a perder. Desse modo, conquistamos tudo. Tudo que era real em nosso entendimento, em nossas propensões, em nossos gostos e desejos, tudo volta para nós, não só com novas coisas, que antes não poderíamos ter, como também com a sensação de unidade e de vontade interior. E, se quisermos resultados reais, devemos aceitar isso não apenas externa, como internamente. Para tanto, é preciso uma boa dose de determinação, e isso, por sua vez, exige a compreensão profunda de que não há outro caminho, de que nada podemos fazer sozinhos, mas que, mesmo assim, é preciso fazer alguma coisa. E não há nada pior do que começar a trabalhar consigo mesmo para depois ter de desistir e encontrar-se sem nada; seria bem melhor não ter nem começado. E para não ter de começar em vão, ou não correr o risco de se enganar, precisamos testar várias vezes a nossa determinação. O mais importante é determinar até que ponto estamos dispostos a ir, o que estamos dispostos a sacrificar. Quando nos confrontamos com essa questão, a resposta mais fácil é “tudo”. O fato, porém, é que ninguém pode sacrificar tudo e que isso nunca pode ser exigido de nós. Devemos definir exatamente o que estamos dispostos a sacrificar, sem fazer barganhas posteriores. Do contrário, estaremos na posição do lobo nesta fábula armênia:

Era uma vez um lobo que havia trucidado muitas ovelhas e deixado muita gente aos prantos. Um dia, por um motivo ignorado, ele sentiu dor na consciência e começou a se arrepender do que fizera na vida. Decidiu que iria mudar e que não comeria mais ovelhas. Depois de tomar sua decisão, procurou um sacerdote e pediu-lhe que organizasse um serviço de ação de graças.

O sacerdote começou o serviço, e o lobo ficou em pé na igreja, chorando e orando. O serviço religioso continuou. Como o lobo havia devorado muitas ovelhas do próprio sacerdote, ele orou fervorosamente pela reforma do lobo.

De repente, o lobo olhou casualmente pela janela e viu um rebanho de ovelhas indo para um pasto. Começou a se inquietar, mas a prece do sacerdote prosseguia, parecendo que nunca iria acabar. Por fim, o lobo não se conteve e gritou: “Acabe com isso, padre, ou as ovelhas vão sumir e ficarei sem o jantar!”.

Essa fábula descreve muito bem o homem. Estamos dispostos a sacrificar tudo, menos o jantar de hoje. Queremos sempre começar de forma grandiosa. Mas o fato é que isso é impossível. É algo além de nossas forças. Precisamos começar com as coisas simples de hoje.


Georges Ivanovitch Gurdjieff



* O Quarto Caminho é um método de autoconhecimento e autotransformação desenvolvido e apresentado ao Ocidente pelo mestre espiritual e professor de dança armênio George Ivanovich Gurdjieff. Defende que poderíamos simplesmente escolher um dos métodos tradicionais, tal qual o físico (corporal), o emocional (devocional) ou o intelectual (científico), mas que isto seria muito difícil no mundo ocidental. Segundo Gurdjieff, o Quarto Caminho seria um meio mais rápido do que os três primeiros, porque combina simultaneamente o trabalho nos três centros, em vez de se concentrar em um. Poderia ser seguido por pessoas comuns na vida cotidiana, não precisando se retirar no deserto. O Quarto Caminho envolve certas condições impostas por um professor, mas a aceitação cega delas é desencorajada. Cada aluno é aconselhado a fazer apenas o que eles entendem e verificar por si mesmos as ideias do ensino. P. D. Ouspensky documentou Gurdjieff dizendo que na antiguidade havia ainda outros caminhos que não existem mais e os caminhos então existentes não estavam tão divididos, eles ficavam muito próximos um do outro. O quarto modo difere dos antigos pelo fato de que nunca é um caminho permanente. (Adaptado de Wikipédia)



Fonte: do livro "Em Busca do Ser - O Quarto Caminho para uma Nova Consciência"
Ed. Pensamento, 1ª ed. digital, 2019, São Paulo/SP
www.editorapensamento.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/sheffield-sul-yorkshire-4348854/