quarta-feira, 12 de agosto de 2020

ALÉM DO BARULHO DAS PALAVRAS


O escutar é uma arte que não se obtém facilmente, mas no escutar há beleza e grande compreensão. Escutamos com distintas intensidades de nosso ser, mas nosso escutar é sempre com uma ideia preconcebida ou desde um ponto de vista particular. Não escutamos simplesmente; interpõe-se sempre a visão de nossos próprios pensamentos, de nossas conclusões, de nossos preconceitos... Para escutar deve haver quietude interna, uma atenção relaxada; há que se estar livre do esforço de adquirir. Este estado de alerta e, não obstante, passivo, pode escutar o que está mais além da conclusão verbal. As palavras confundem; são somente meios exteriores de comunicação; mas para nos comunicarmos além do ruído das palavras, no escutar deve haver uma passividade alerta. Os que amam podem escutar; mas é extremamente raro encontrar alguém que escute. Quase todos vamos atrás de resultados, querendo alcançar metas; estamos sempre vencendo e conquistando; em consequência, não escutamos. Somente quando alguém escuta, ouve a canção profunda das palavras.


J. Krishnamurti



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/escultura-bronze-a-escuta-ouvir-2209152/

UM BÁLSAMO NA QUEIMADURA DO DESEJO


O desejo é principalmente um impulso. Você pode desejar salvar o planeta ou libertar todos os seres sencientes do sofrimento. Mas quando os desejos se entrelaçam com anseio e apegos intensos, nossa experiência demonstra que eles conduzem ao sofrimento.

O desejo geralmente começa com uma imagem. Se a imagem é sedutora e promete prazer, ela dispara uma reação em cadeia. Há uma sede de atrair ou obter o objeto visto na imagem mental. A partir desse ponto, começamos a sobrepor a realidade, percebendo apenas as qualidades desejáveis do objeto. Rapidamente, todas as consequências e aspectos negativos ficam invisíveis.

Experiências prazerosas com frequência dão vazão a mais anseio, já que a pessoa quer sentir de novo a sensação de prazer. Isso gradualmente estabelece um padrão de desejo. Em algum ponto, o prazer pode minguar mas o desejo ainda persiste. Quando uma pessoa constrói um forte desejo por algo que já não é agradável, aí ela realmente está capturada.

Não podemos esperar alguma solução mágica que vá nos livrar subitamente de todos nossos anseios, já que eles foram construídos ao longo do tempo. Mas um treinamento da mente perseverante pode gradualmente erodir essas fortes tendências.

Uma maneira de fazer isso é interromper a identificação com nosso anseio. Geralmente nos identificamos completamente com nossas emoções. Quando somos dominados pelo desejo, somos unos com esse sentimento — ele fica onipresente em nossa mente. A mente, contudo, sempre é capaz de examinar o que está acontecendo com ela. Tudo que temos a fazer é observar nossas emoções do mesmo modo como observaríamos um evento à nossa frente.

A parte de nossa mente que está consciente do desejo está simplesmente consciente, não está ansiando. Podemos recuar um passo, compreender que esse anseio não tem solidez, e permitir um espaço suficiente para ele se dissolver nele mesmo. Deixemos que nossa mente relaxe na paz do estado consciente e desperto, livre da esperança e do medo, apreciando o frescor do momento presente, que age como um bálsamo na queimadura do desejo.


Matthieu Ricard



Fonte: https://www.matthieuricard.org/en/
Via https://darma.info/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/guarda-chuva-budismo-monge-mosteiro-1807513/