terça-feira, 15 de março de 2022

DESILUSÃO - CAMINHOS - QUARTO CAMINHO


A fim de percorrer o Quarto Caminho*, antes devemos nos preparar um pouco, preparar a bagagem. Precisamos saber o que podemos encontrar nos canais comuns sobre conceitos como esoterismo e conhecimentos ocultos, sobre o potencial de evolução interior do homem, e assim por diante. Essas ideias já precisam ser familiares para que possamos falar sobre elas. Também ajuda ter pelo menos algum conhecimento de ciência, filosofia e religião, embora o apego a formas religiosas sem a compreensão de sua essência acabe atrapalhando. Se conhecermos pouco, se tivermos lido e pensado pouco, será difícil falar de ideias.

Deve ser dito que existe uma regra geral para todos. No intuito de tratar com seriedade do Quarto Caminho, precisamos de desilusão, primeiro com nós mesmos — ou seja, com nossas habilidades — e, depois, com todos os velhos caminhos. Não poderemos perceber o que esse ensinamento tem de mais valioso se não estivermos desiludidos com nossos próprios esforços e com o fato de nossa busca estar sendo infrutífera. O cientista deve estar desiludido com sua ciência, o religioso com sua religião, o filósofo com a filosofia, e assim por diante. Mas devemos compreender o que isso significa. Dizer, por exemplo, que o religioso deve se desiludir com a religião não significa que ele deva perder a fé. Significa que deva se “desiludir” apenas com a instrução e a metodologia, ao perceber que a instrução religiosa não é suficiente para ele e que não vai levá-lo a parte alguma. Todo ensinamento religioso consiste em duas partes: a visível e a oculta. Desiludir-se com a religião significa desiludir-se com o visível e sentir, ao mesmo tempo, a necessidade de descobrir e de conhecer a parte oculta. Desiludir-se com a ciência não significa perder o interesse na busca do conhecimento. Significa convencer-se de que o método científico, tal como é entendido, não só tem utilidade limitada como costuma levar a teorias absurdas e autocontraditórias e, ao se convencer disso, começar a procurar um método melhor. Desapontar-se com a filosofia significa estar convencido de que a filosofia comum é apenas — como diz um provérbio russo — passar de um copo vazio para outro e aceitar que nem sequer sabemos o que a filosofia significa, embora a verdadeira filosofia possa e deva existir.

Não importa o que costumávamos fazer antes, não importa o que costumava atrair nosso interesse antes; apenas quando chegarmos a esse estado de desilusão é que estaremos prontos para adentrar o Quarto Caminho. Se ainda acreditamos que nosso velho caminho pode nos levar a algum lugar, ou que ainda não experimentamos todos os caminhos, ou ainda se pensamos que seremos capazes de encontrar ou de fazer alguma coisa por conta própria, isso significa que não estamos prontos para a tarefa. Contudo, isso não significa que o Quarto Caminho exige que abdiquemos a tudo o que estamos acostumados a fazer. Isso é totalmente desnecessário. Em geral, é até melhor que a pessoa continue a ser como sempre foi. Mas deve perceber que isso é apenas uma tarefa, ou um hábito, ou uma necessidade.

Não há e não pode haver qualquer escolha das pessoas que entram em contato com os caminhos, inclusive o Quarto Caminho. Em outras palavras, ninguém nos seleciona. Nós nos selecionamos, em parte por acaso, em parte porque temos certa fome. Quem não tem essa fome não pode receber ajuda do acaso. E quem tem muita fome às vezes pode topar com o começo do caminho, apesar de uma série de circunstâncias desfavoráveis. Mas, além da fome, a pessoa já deve ter adquirido certo conhecimento, o qual lhe permitirá discernir o caminho. Digamos, por exemplo, que um homem educado, que nada conhece sobre religião, entre em contato com um caminho religioso em potencial. Ele não verá nada e não entenderá nada, interpretando-o como uma tolice ou uma superstição, embora, ao mesmo tempo, possa ter muita fome intelectual. Isso também se aplica a alguém que nunca ouviu falar das práticas de yoga, do desenvolvimento da consciência, e assim por diante. Se essa pessoa entrar em contato com um dos caminhos do yoga, o que ouvir não terá sentido para ela, será algo morto.

O Quarto Caminho é mais difícil ainda. A fim de discernir e valorizar de modo correto o Quarto Caminho, devemos ter pensado e sentido e já devemos ter passado, na verdade, pela desilusão com muitas coisas. Talvez não tenhamos trilhado os caminhos do faquir, do monge e do yogue, mas pelo menos deveríamos conhecê-los, avaliá-los e ter decidido que não são para nós. Não é necessário levar isso ao pé da letra nem termos avaliado e rejeitado os outros caminhos, mas os resultados dessa desilusão precisam estar em nós, a fim de nos ajudar a identificar o Quarto Caminho. Do contrário, poderemos estar do lado dele sem sequer percebê-lo.

Tudo se resume a estarmos prontos para sacrificar nossa liberdade autocentrada. Todos nós lutamos, consciente e inconscientemente, pela liberdade, ou melhor, pelo que imaginamos que seja liberdade. E é isso que, mais do que qualquer outra coisa, nos impede de conquistar a verdadeira liberdade. Porém, uma pessoa capaz de realizar qualquer coisa, mais cedo ou mais tarde percebe que sua liberdade é uma ilusão que precisa ser sacrificada. Então, aceitamos voluntariamente condições que não determinamos — sem medo de perder qualquer coisa, pois sabemos que não temos nada a perder. Desse modo, conquistamos tudo. Tudo que era real em nosso entendimento, em nossas propensões, em nossos gostos e desejos, tudo volta para nós, não só com novas coisas, que antes não poderíamos ter, como também com a sensação de unidade e de vontade interior. E, se quisermos resultados reais, devemos aceitar isso não apenas externa, como internamente. Para tanto, é preciso uma boa dose de determinação, e isso, por sua vez, exige a compreensão profunda de que não há outro caminho, de que nada podemos fazer sozinhos, mas que, mesmo assim, é preciso fazer alguma coisa. E não há nada pior do que começar a trabalhar consigo mesmo para depois ter de desistir e encontrar-se sem nada; seria bem melhor não ter nem começado. E para não ter de começar em vão, ou não correr o risco de se enganar, precisamos testar várias vezes a nossa determinação. O mais importante é determinar até que ponto estamos dispostos a ir, o que estamos dispostos a sacrificar. Quando nos confrontamos com essa questão, a resposta mais fácil é “tudo”. O fato, porém, é que ninguém pode sacrificar tudo e que isso nunca pode ser exigido de nós. Devemos definir exatamente o que estamos dispostos a sacrificar, sem fazer barganhas posteriores. Do contrário, estaremos na posição do lobo nesta fábula armênia:

Era uma vez um lobo que havia trucidado muitas ovelhas e deixado muita gente aos prantos. Um dia, por um motivo ignorado, ele sentiu dor na consciência e começou a se arrepender do que fizera na vida. Decidiu que iria mudar e que não comeria mais ovelhas. Depois de tomar sua decisão, procurou um sacerdote e pediu-lhe que organizasse um serviço de ação de graças.

O sacerdote começou o serviço, e o lobo ficou em pé na igreja, chorando e orando. O serviço religioso continuou. Como o lobo havia devorado muitas ovelhas do próprio sacerdote, ele orou fervorosamente pela reforma do lobo.

De repente, o lobo olhou casualmente pela janela e viu um rebanho de ovelhas indo para um pasto. Começou a se inquietar, mas a prece do sacerdote prosseguia, parecendo que nunca iria acabar. Por fim, o lobo não se conteve e gritou: “Acabe com isso, padre, ou as ovelhas vão sumir e ficarei sem o jantar!”.

Essa fábula descreve muito bem o homem. Estamos dispostos a sacrificar tudo, menos o jantar de hoje. Queremos sempre começar de forma grandiosa. Mas o fato é que isso é impossível. É algo além de nossas forças. Precisamos começar com as coisas simples de hoje.


Georges Ivanovitch Gurdjieff



* O Quarto Caminho é um método de autoconhecimento e autotransformação desenvolvido e apresentado ao Ocidente pelo mestre espiritual e professor de dança armênio George Ivanovich Gurdjieff. Defende que poderíamos simplesmente escolher um dos métodos tradicionais, tal qual o físico (corporal), o emocional (devocional) ou o intelectual (científico), mas que isto seria muito difícil no mundo ocidental. Segundo Gurdjieff, o Quarto Caminho seria um meio mais rápido do que os três primeiros, porque combina simultaneamente o trabalho nos três centros, em vez de se concentrar em um. Poderia ser seguido por pessoas comuns na vida cotidiana, não precisando se retirar no deserto. O Quarto Caminho envolve certas condições impostas por um professor, mas a aceitação cega delas é desencorajada. Cada aluno é aconselhado a fazer apenas o que eles entendem e verificar por si mesmos as ideias do ensino. P. D. Ouspensky documentou Gurdjieff dizendo que na antiguidade havia ainda outros caminhos que não existem mais e os caminhos então existentes não estavam tão divididos, eles ficavam muito próximos um do outro. O quarto modo difere dos antigos pelo fato de que nunca é um caminho permanente. (Adaptado de Wikipédia)



Fonte: do livro "Em Busca do Ser - O Quarto Caminho para uma Nova Consciência"
Ed. Pensamento, 1ª ed. digital, 2019, São Paulo/SP
www.editorapensamento.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/sheffield-sul-yorkshire-4348854/

RESTABELECER O CONTATO COM A VIDA UNIVERSAL


Muitas pessoas têm a impressão de ter sido lançadas no mundo como num meio que lhes é estranho e até hostil! Por quê? Porque perderam o contacto com a natureza. Elas já não sentem a amizade, a benquerença de tudo o que existe à sua volta: as pedras, as plantas, os animais, o sol, as estrelas… Mesmo quando se encontram abrigadas nas suas casas, estão inquietas, perturbadas. Mesmo durante o sono, sentem-se ameaçadas. É uma impressão subjetiva, porque, na realidade, nada as ameaça assim tanto; mas, interiormente, algo se degradou e elas não se sentem protegidas. É preciso, pois, que elas restabeleçam o contacto com a vida universal a fim de compreenderem a sua linguagem e de trabalharem em harmonia com ela.

Toda a natureza fala, tudo o que existe no universo possui uma maneira particular de se exprimir. A questão está em trabalharmos sobre as nossas faculdades de percepção a fim de compreendermos todas as manifestações da natureza e as suas formas de linguagem, mas também em encontrarmos em nós próprios meios de expressão para nos dirigirmos a ela ou responder-lhe. Porque a natureza é viva e inteligente. Sim, inteligente; a inteligência não é própria só do homem. É muito difícil de admitir para alguns, eu sei, mas eles devem saber que, à medida que mudamos a nossa opinião sobre a natureza, modificamos o nosso destino. A natureza é o corpo de Deus. Se nós pensamos que ela é morta e estúpida, diminuímos a vida em nós, e se pensamos que ela é viva e inteligente, que as pedras, as plantas, os animais, as estrelas, são vivos e inteligentes, também introduzimos a vida em nós. E porque a natureza é viva e inteligente, devemos estar extremamente atentos a ela, respeitá-la e aproximar-nos dela com um sentimento sagrado.

Muitos de vós pensam: «Que importa se eu ajo em relação à natureza com respeito ou não? Para ela, isso nada muda, eu não lhe faço bem nem mal.» Na realidade, deveis respeitar a natureza não tanto por ela, mas por vós. Se fordes atenciosos com as pedras, as plantas, os animais e os homens, e até com os objetos que vos rodeiam, a vossa consciência da vida desenvolve-se, aprofunda-se, e sois enriquecidos por toda essa vida que respira e vibra em vosso redor. Certamente nunca pensastes nisto, e é essa a razão porque vos sentis muitas vezes desorientados, angustiados, no vazio. Quereis sair dessa situação? Pensai que estais ligados às forças e às entidades luminosas da natureza e que podeis comungar com elas. A verdadeira vida é esta comunhão diária e ininterrupta com uma multidão de criaturas. «Mas – direis vós – como fazer isso?» Pelo amor. Não há outro meio a não ser o amor. Se amais a natureza, ela falará em vós, porque vós também sois uma parte da natureza.

Claro que é necessária toda uma preparação para atingir este estado de consciência. Mas, no dia em que o atingirdes, sentir-vos-eis na luz e em paz, protegidos pela Mãe Natureza que vos reconhece como seu filho, e ela acarinha-vos, toma-vos nos seus braços, dá-vos das suas alegrias… Vós nem sequer sabeis de onde vêm essas alegrias, mas ficais felizes, como se o céu e a Terra vos pertencessem.



Omraam Mikhaël Aïvanhov




Fonte: do Fascículo4 - "O Homem no Organismo Cósmico"
10º cap. - "Restabelecer o contacto com a vida universal"
Publicações Maitreya - Porto, Portugal
newsletter@publicacoesmaitreya.pt - www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal