domingo, 26 de março de 2023

NOVOS TEMPOS, NOVA SANTIDADE

Hoje, o ritmo de vida, a incerteza e a imensa interconexão que existe entre os diferentes pontos de inflexão globais – desde comida, terra e água até biodiversidade e sistemas financeiros – estão nos confrontando com o que Simone Weil chamou de “uma nova santidade”. Uma nova santidade tão necessária para o mundo de hoje quanto “a necessidade de médicos em uma cidade afetada por uma epidemia”. Ela acreditava que é “quase equivalente a uma nova revelação do universo e do destino humano. É a manifestação de grande parte da verdade e da beleza que se esconde sob uma espessa camada de poeira.

Atualmente, o uso da palavra santidade pode causar rejeição a muitas pessoas. No entanto, mostra como as velhas palavras do nosso vocabulário religioso familiar – há muito cobertas de poeira – podem ser reabilitadas ao seu valor original. A “nova santidade” de que Weil fala é uma revelação sobre a universalidade e integração do mundo e de todos os seus habitantes. É novo e, no entanto, há muito tempo tenta penetrar plenamente: “Já não há distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou livre, entre homem e mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. (Gal. 3,28).

Essa visão do personagem paulino coloca o social e o místico no mesmo lugar. Assim como Jesus fez, ela derruba qualquer estrutura de poder que eleve ao absoluto qualquer distinção entre pessoas - castas, sistemas sociais, religiosos, econômicos ou culturais nos quais vivemos localmente. Confronta os ambientes localmente seguros com a visão perturbadora e inebriante do global em que os horizontes desabam. Quando estes caem, o universal emerge, sempre mais como modo de perceber do que como objeto percebido.

Encontrar o Cristo ressuscitado e universal é estar "em Cristo". Como fica claro nas histórias da ressurreição, ele não pode ser apreendido como um objeto ou simplesmente observado. Assim que tentamos fazer isso, ele desaparece. Ele só pode ser visto, nós só podemos vê-lo, a partir do nível de consciência que a frase "em Cristo" tenta descrever. É mais fácil descrever os efeitos dessa experiência do que explicar como ela acontece. É por isso que Paulo, que conheceu a experiência de perto e foi transformado por ela, nos diz: “Se alguém vive em Cristo, nova criatura é; o velho já passou e algo novo apareceu.” (2 Coríntios 5,17)

A ressurreição nos devolve ao mundo com uma visão e compreensão renovadas. A nova criação é uma forma de estar no mundo, liberta das velhas compulsões do vício da violência como forma de resolução de conflitos e dos padrões repetitivos de opressão e exploração que culminaram na crise atual.

O desafio para o cristão contemporâneo é assumir que identificar nossa crise com o mistério cristão não significa que podemos resolver o problema batizando todos. O significado da palavra “missão” mudou para o cristão moderno porque a situação do mundo mudou e para onde ele está indo. Quem assume sua parte na transformação de uma crise sai dela transformado. A identidade cristã também evolui – aliás, enriquece-se e eleva-se – quando arriscamos a nossa fé no encontro concreto com os problemas do mundo.

Colocar-se acima da luta, julgando-se numa posição de superioridade, é acabar com uma mentalidade blindada, um fundamentalismo e exclusivismo que acaba por corroer a fé, porque corrói a compaixão. Acreditar em uma nova criação, em vez de outra criação, significa que podemos ajudar a direcionar a crise coletiva para a esperança e a mudança positiva, em vez de deixá-la cair no desespero e na catástrofe.


Um trecho de “ Dear Friends ”, uma carta de Laurence Freeman OSB, (Boletim de Meditação Cristã, Vol. 35, No. 1 de abril de 2011).



Carla Cooper




Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

REENCARNAÇÃO - UMA VISÃO CABALÍSTICA DO RABINO PHILLIP S. BERG


Há dezesseis anos (quando o texto foi escrito) iniciei a missão de trazer este estudo importantíssimo à atenção da humanidade.

Para meu espanto, no entanto, a minha investigação deste assunto da reencarnação, tão delicado e vital, e a importância de seu lugar na Cabala, logo revelou quão pouco conhecimento a respeito deste assunto estava disponível para o cientista e para o público em geral.

Verifiquei que, quando o assunto da reencarnação surge entre judeus, ainda encontro uma falta de interesse e às vezes uma negação latente de que a reencarnação se relacione, ou tenha qualquer conexão ou relevância para com o judaísmo. Nestes últimos dezesseis anos, encontrei pouco material escrito por cabalistas judeus contemporâneos.

Certamente a academia judaica não ganha créditos pelo fato do Zohar e de trabalhos de autores que estavam realmente informados a respeito do assunto, como o Ari, o Rabino Isaac Luria, e seus volumes, os Portões da Reencarnação e o Livro da Reencarnação, nunca terem sido levados a sério.

Bem afastados da religião, embora completamente ligados à Torá, os assuntos Cabala e reencarnação sempre atraíram a hostilidade tanto de religiosos como de cientistas. Do lado da religião teme-se a "blasfêmia" deste tópico, enquanto os cientistas temem a metafísica, que os leva para fora do alcance de seu ambiente familiar. Com a Teoria da Relatividade de Einstein, e com o exame do mundo subatômico, a ciência pôde alcançar os antigos cabalistas e a Cabala.

A filosofia do século dezessete de Descartes, com uma estrita divisão entre mente e corpo, levou a instituição médica a se concentrar no corpo como uma máquina. De acordo com isso, foi dada maior importância aos aspectos físicos, e o campo da psiquiatria foi relegado a um segundo plano na pesquisa. De uma perspectiva cabalística, a história da humanidade é na verdade uma história de almas que retornam. Realmente, nenhum mistério na longa história de nosso universo é tão iluminador como o comportamento universal e repetido de seus habitantes.

Aprofundamentos que, em última análise, promovem saltos maiores, tiveram efeito muito pequeno no pensamento humano. Será que o nosso padrão mental é realmente diferente do das pessoas da Idade Média? Apesar de mudanças ambientais dramáticas, e mais a síndrome do progresso, terão as necessidades psicológicas humanas realmente mudado ao longo dos séculos? Será que realmente melhoramos, devido ao crescente progresso que continua a se tornar cada vez mais complexo com o passar do tempo?

A reencarnação, junto com o processo de tikun (correção - carma), dirige e dita nossos padrões diários de pensamento, sentimentos e atividades, embora o comportamento humano seja geneticamente controlado até um nível significativo. Bem sei que esta posição desafia a visão convencional da maioria dos cientistas sociais, que afirmam que a cultura e o meio ambiente, e não imperativos relacionados à encarnação, moldam a natureza humana. Há efeitos de longo alcance de nosso espírito humano interno que se estendem às nossas características e determinam as nossas ações externas. Estas são plenamente guiadas e executadas por forças cósmicas relacionadas com a encarnação, prevalecendo momento a momento.

As ações do homem são de fato controladas pelo cosmos, mas apenas na medida em que elas já tenham se manifestado em uma vida anterior. Em outras palavras, se um indivíduo cometeu crimes contra a humanidade em uma encarnação anterior, sua alma encarnada volta e é posta defronte do mesmo tipo de situação com a qual foi desafiada em sua vida passada. Uma pessoa nasce em um momento muito específico e particular no tempo, durante o qual os planetas e signos inter-relacionados do Zodíaco coletivamente canalizam o DNA único (física e mentalmente) que incorpora e abrange o alcance da última vida, assim como as vidas anteriores, que se tornam manifestas agora diante de nós.

Está sendo dada à pessoa uma oportunidade de exercer o livre arbítrio e alterar o cenário do cassete (gravação) de vidas prévias, ou de sucumbir à sua influência. Em essência, o cosmos oferece a oportunidade e o campo de ação para lidarmos racionalmente com o nosso cassete de encarnação. As linhas cósmicas de atividade não são a causa da estrutura pré-determinada do cassete da vida. Isso já foi determinado por vidas anteriores.

No entanto, podemos levantar a pergunta: "Quais as chances de termos sucesso desta vez quando já falhamos em inúmeras vidas prévias?" A resposta se encontra na própria Era Aquariana, na qual merecemos a informação cabalística enorme e profunda, por meio da qual a humanidade tem agora uma chance de vencer. Os pontos de referência negativos criados por nós mesmos nos oferecem uma oportunidade de exercer o livre arbítrio e alcançar a eliminação do Pão da Vergonha*. Obviamente, se essas forças cósmicas negativas não existissem, o homem simplesmente se conformaria com um tipo programado de inteligência que prescreve apenas uma filosofia de compartilhar, nos deixando em um estado que pode ser descrito como robótico. Porém, sendo que as forças cósmicas negativas existem, temos a obrigação e o propósito de indivíduos com livre pensar e livre escolha.

De acordo com a perspectiva cabalística, a história da humanidade é na verdade uma história de almas que retornam.

Até agora, a história demonstrou que a humanidade tem falhado em conseguir ser dona de seu destino. Com os avanços científicos, ficamos cientes de uma atividade interna, metafísica, que parece criar ainda mais incerteza. Vivemos agora uma época de enorme convulsão social, uma época em que os costumes, as tradições e as respostas do passado estão todas em questão.

No entanto, antes de prosseguir adiante, para os que questionam a existência da reencarnação, permitam-me que coloque esta questão. Vamos começar com o versículo de Eclesiastes 1,4: "Uma geração se vai e outra geração vem, mas a Terra continua para sempre." O Zohar nos diz que o que este versículo realmente significa é que a geração que se foi é a mesma geração que vem para substituí-la. Uma pista idêntica pode ser encontrada nas "Dez Falas" (Êxodo, 20,5), quando se afirma: "Os pecados dos pais são lembrados mesmo sobre a terceira e a quarta geração." Isto não implica, como alguns erradamente têm argumentado, que Deus é tão cheio de ira que não se contenta em punir apenas o pecador, mas infligirá também punição pelo pecado sobre os netos e bisnetos inocentes do pecador. Quem poderia racionalmente amar e adorar uma divindade tão cruel e vingativa?

O Zohar revela que a verdade deste versículo é que a terceira e a quarta geração são, na verdade, a geração anterior, com a alma retornando na forma de seu próprio descendente para que possa corrigir os pecados citados como "pecados dos pais". Tais exemplos em apoio do argumento da reencarnação abundam na Bíblia.

O conceito de reencarnação não é de forma alguma exclusivo do Judaísmo. A ideia era prevalecente entre os Índios no Continente Americano. No Oriente, o ensinamento da reencarnação está muito difundido e é de grande influência. É a base da maior parte dos sistemas filosóficos da Índia, onde centenas de milhões aceitam o fato da reencarnação do mesmo modo como nós aceitamos o fato da gravidade como uma força da natureza.

Mas, como qualquer ideia de grande antiguidade, o conceito de reencarnação chegou à maior parte do mundo misturado a uma confusão de superstição e mal-entendimento. A superstição é tão repelente para o modo de pensar ocidental que o valor filosófico da própria ideia da reencarnação caiu em grande descrédito. Recentemente, muitos filmes abordaram a ideia da reencarnação, porque por detrás de todas as fantasias esconde-se uma verdade básica e eterna. De que outra forma a ideia pode ter perdurado por tantos milhares de anos? Como ela poderia ter atraído tantos pensadores hábeis?

A única pergunta que toda a humanidade ainda faz é: se Deus realmente existe, porque há tanta miséria no mundo? Por que criminosos ficam sem punição e os justos passam por tanto sofrimento imerecido? Com demasiada frequência o criminoso fica livre e o inocente é aprisionado. Se todas as almas são iguais ao nascerem, por que os destinos humanos são tão desiguais? Deveremos todos recair na doutrina sem esperança de predestinação? Será tudo uma questão de sorte?

No que diz respeito a este mundo, a igualdade humana é um mito. Somos desiguais mentalmente, espiritualmente e moralmente. Alguns têm corpos fortes e saudáveis; outros são frágeis e doentes.

Em uma criança, apreciamos o desenvolvimento evidente da consciência – a mente e o crescimento desta mente com a passagem do tempo. Na idade avançada, a consciência e a lucidez subitamente desaparecem com a morte do corpo. Quando o instrumento é destruído e a consciência não pode mais se fazer sentir fisicamente, será que isto implica no aniquilamento da mente e da alma? A resposta é não!

A alma do homem não é mais dependente da existência do cérebro do que um músico é dependente da existência de seu violino, apesar de ambos os instrumentos serem necessários para a expressão musical no mundo físico. Somente quando podemos capturar plenamente este ponto de vista podemos começar a nos aproximar do estudo da reencarnação. A consciência humana existia antes do nascimento, e por consciência humana quero dizer a alma. Este é o primeiro fato fundamental da reencarnação.

Minha intenção neste artigo não é provar que a reencarnação é um fato da natureza, apesar de que uma preponderância de evidências dão apoio a tal afirmação. Qualquer um que sinta a necessidade de validação estritamente científica deve perceber que assim que nos aprofundamos no mundo subatômico de nossa existência, descobrimos que a validação estritamente científica de qualquer coisa se torna virtualmente impossível. A mecânica quântica e o agora cientificamente respeitável "Princípio da Incerteza" tomaram conta disso.

Essencialmente, a verificação não está na acumulação de provas mais convincentes da reencarnação, mas mais na persuasão dos cépticos, para que aceitem aquilo que já é sabido. Infelizmente, entre o mundo abstrato da conjetura e o mundo real da experimentação, houve e sempre haverá uma tensão contínua – e às vezes até mesmo conflito, e por causa deste problema o leigo foi deixado de fora, apenas conseguindo alcançar as realidades da Cabala muitos séculos, senão milênios mais tarde.

No entanto, na Era de Aquário, com a doutrina e os princípios da Cabala se tornando tão simples, a ideia da reencarnação está se espalhando fenomenalmente. Da forma como é interpretada pelo Zohar e pelo Leão de Safed, o Rabino Isaac Lúria**, a reencarnação permite à humanidade lidar com as soluções das complexidades da vida. O Ari, o Leão de Safed, afirmou em seu livro "Portões da Reencarnação" que, se um homem não reconhece o fato de encarnação ou encarnações anteriores, a capacidade de atingir o tikun (correção) ou de alcançar um estado de correção não é possível.

Por muitos anos, não fui capaz de estabelecer a relação entre a realização do tikun e o conhecimento de encarnações anteriores. No entanto, com o passar dos anos, se tornou muitíssimo claro que, no tempo de uma vida, nós só chegamos a reconhecer os nossos erros depois que já é tarde demais para se fazer qualquer mudança. Ou estamos velhos demais ou fracos demais, na parte final de nossa vida, seja para alterar o nosso estado de consciência, seja para nos tornarmos conscientes das atividades negativas que foram parte de nossa vida individual em encarnações passadas.

No entanto, se conseguíssemos atingir uma consciência das ações negativas em que incorremos em vidas anteriores, o conhecimento de nossa experiência viria cedo em nossas vidas, nos permitindo ter a energia e a coragem para mudar. Ao longo de várias vidas, o homem pode encarnar em qualquer um dos três reinos inferiores***, a saber, o reino animal, o vegetal e até mesmo o inanimado. O reino no qual encarnamos irá depender de nossa natureza e de nossas atividades negativas.

Tome como exemplo o personagem bíblico Bilaam, que estava decidido a amaldiçoar os israelitas durante a sua jornada no deserto. Ele foi encarnado dentro do reino inanimado para lhe ensinar os efeitos de não prestar atenção para as ações verbais. Confinado a uma pedra, a alma de Bilaam suportou a dor do silêncio. Outros podem retornar como a folha encarnada de uma árvore, para serem incessantemente batidos pelo vento.

Admitimos que, para a mente e cultura ocidental, a tradição da reencarnação irá provavelmente soar muito estranha, uma vez que a característica essencial desta cultura está baseada principalmente em uma visão mecanicista do papel do homem no universo. Não obstante, abrir mão da realidade da reencarnação é fechar uma verdadeira experiência de aprendizado. Quando seguimos o caminho de fazer um exame dos nossos traços de comportamento, e do por quê pensamos do modo como pensamos, com certeza chegamos mais próximos de entender a razão de nosso presente estado e o objetivo de nossa existência.

Assumir que viemos a este mundo sem um motivo é rejeitar a ideia de que o vasto universo veio a existir com uma razão e um sentido. O Ari, o Rabino Isaac Lúria, pode bem estar correto quando afirma que ignorar o fato da reencarnação é permitir que a humanidade exista sem um leme, navegando então à deriva, em caos.

Ignorar a realidade de que a nossa existência, desde o princípio dos tempos, está cheia de imenso caos, nos cega para a necessidade de chegar a soluções. Só um tolo rejeita qualquer oportunidade, principalmente quando o mundo não se tornou um lugar melhor para se viver. Rejeitar as regras e os princípios ou a essência da reencarnação irá conduzir a humanidade em direção a um meio ambiente inaceitável, onde os homens continuam a se devorar uns aos outros, seja por meios pacíficos ou por meios violentos.

Abordar a reencarnação simplesmente afirmando, "Eu sou céptico, me mostre," é frear a natureza inquiridora da mente. Como afirmei anteriormente, este artigo não tem como intenção verificar ou validar o argumento da reencarnação. Este assunto foi amplamente discutido em meu livro "As Rodas da Alma". O objetivo deste ensaio é estimular a nossa consciência adormecida e retornar ao nosso estado mental inquiridor e questionador, como quando éramos criancinhas. Naquela época não tínhamos as limitações e os arreios de uma idade adulta adulterada.

Eu relembro a história conhecida contada pelo Ba’al Shem Tov sobre o assunto da reencarnação. Um dia um aluno veio ao Besht, como ele também era conhecido, e perguntou se ele (o Besht) poderia oferecer alguma ilustração que demonstrasse a existência da reencarnação. Este aluno foi aconselhado a ir para um determinado parque, sentar-se e observar. Depois de se acomodar em um dos bancos do parque, ele observou um homem indo para um banco próximo com uma pequena bolsa na mão. Pouco depois, o homem se levantou e saiu, deixando para trás sua bolsa. Poucos momentos mais tarde outra pessoa sentou-se no mesmo banco. Assim que sentou-se, percebeu a bolsa. Ele a abriu e encontrou uma grande quantia de dinheiro. Apressadamente, fechou a bolsa e fugiu correndo como um ladrão. Um instante depois, um terceiro homem que aparentemente estava muito cansado sentou-se neste mesmo banco. Logo após, o primeiro homem voltou ao mesmo banco procurando por sua bolsa. Assumindo que apenas poucos instantes tinham passado desde que tinha saído daquele banco, ele enfrentou o atual ocupante do banco e pediu que lhe devolvesse a bolsa cheia com seu dinheiro.

O homem, desorientado, respondeu com uma expressão vazia e exclamou, "Do que você está falando? Acabei de chegar aqui." Tomando a resposta de quem assumira ser o ladrão como querendo dizer que ele se recusava a devolver a bolsa com o dinheiro, a vítima começou a bater no suposto ladrão até que ele perdeu a consciência. Frustrado, ele então abandonou o homem agredido e foi embora.

O aluno do Besht ficou em total confusão, e imediatamente voltou para a casa de seu mestre. Ao se encontrar com o Besht, o aluno exclamou que o que ele observara o havia levado a pensar que realmente este mundo nada mais é do que o caos. De fato, o conceito da reencarnação, que tende a criar alguma aparência de ordem no universo, nada mais é do que ilusório. O estudante então relatou o que vira. Um homem está desesperado pela perda de sua bolsa. Outra pessoa se beneficia do infortúnio alheio, e, finalmente, o quadro do caos total, um homem inocente apanha sem razão.

O Besht respondeu que ele não havia captado a implicação plena da cena, que na verdade refletia um incidente entre estes indivíduos em uma vida passada. A primeira pessoa, a quem a bolsa pertencia, havia roubado algum dinheiro do segundo indivíduo, e agora, nesta vida, o segundo homem estava recuperando o que havia sido roubado pelo primeiro na vida anterior.

Então, quem era esta terceira pessoa que foi agredida de forma tão inclemente pela primeira pessoa? O terceiro indivíduo, observou o Besht, havia sido o juiz que não reconheceu nem observou bem os fatos do caso em questão. Tivesse ele sido um juiz com mente e coração puros, nenhum falso julgamento poderia ter ocorrido sob sua jurisdição. As leis naturais e os princípios deste universo, continuou o Besht, regem com acuidade precisa. O reino caótico que parece prevalecer leva o homem a acreditar que não há lei e ordem no universo. O Satan ("oponente" - ego) deixa a humanidade com uma impressão de que a justiça não existe no ambiente que conhecemos. O criminoso passa impune e o inocente normalmente sofre indevidamente. Todavia, se chegamos a uma compreensão das doutrinas de reencarnação, compreendemos porque bebês nascem com defeitos e entendemos diversas ocorrências aparentemente injustas.

É precisamente por esta razão que o Ari declarou que se alguém não tem uma compreensão do efeito de vidas passadas e da necessidade de se fazer correções, é inevitável que esta pessoa sofra as consequências, até quando um tikun (correção - carma) completo tiver sido realizado. O Ari deixa claro que antes que uma pessoa possa saber e submeter-se às leis do tikun, ela deve conhecer a raiz e o lugar de sua alma. Para saber isto, porém, primeiro se deve conhecer a estrutura dentro da qual essa raiz e esse lugar se encontram.

Adão, cujo próprio nome quer dizer ‘homem’, foi o repositório de todas as almas que iriam existir na Terra. Assim, sua própria alma era infinitamente subdivisível. Quando ele pecou no Gan Éden ("Jardim do Éden), o repositório do receptor foi despedaçado e isto foi fragmentado no que os cabalistas chamam de ‘faíscas’, cada uma tão única como a dupla hélice microscópica do DNA que determina cada característica do indivíduo que a recebe. Inteligências que foram uma vez parte do cérebro de Adão encarnam como pessoas inteligentes, cujo trabalho está relacionado com a atividade mental. As forças inteligentes que foram parte dos dedos de Adão foram corporizadas em humanos cujas atividades se relacionam com o trabalho com os dedos, como artesãos e artistas. Assim, cada uma das forças de energia inteligente do perfil de Adão transmigraram com sua fórmula de DNA peculiar e particular, o que explica os diferentes tipos de pessoas que habitam a Terra.

O estudo da reencarnação é o fator singular mais importante para a estabilidade mundial.

Uma das muitas questões que surgem para aqueles que entendem completamente o conceito de reencarnação é por que alguns pais são abençoados com crianças com a sabedoria e a ética de um santo, enquanto outros pais têm crianças imorais e ignorantes. É verdade, estas crianças tem alguma coisa ou muitas coisas a corrigir. No entanto, o que determina para onde e para quem cada uma vai?

Para responder a esta pergunta, para qualquer nascimento no passado ou no futuro, devemos observar uma condição específica em um momento específico do tempo – os pensamentos dos pais durante o ato sexual. Se os pensamentos do homem e da mulher são de pura luxúria, motivados somente pelo desejo de auto indulgência, sua criança irá refletir egoísmo e luxúria, enquanto a criança concebida em um momento de profundo amor e entendimento mútuo irá refletir características positivas. Sendo que cada alma, ao retornar após a morte, deve encontrar um lugar cujas condições sejam similares àquelas há pouco deixadas para trás, os pais virtualmente escolhem sua descendência, como se a tirassem de um catálogo cósmico.

Desta forma, a concepção, variando de uma ira de estupro forçado à delicadeza de se fazer amor da forma correta, irá produzir crianças variando de raivosas a justas. Existem, é claro, exceções à regra. Algumas poucas almas, com o tikun completo, retornam a este plano com uma missão para a humanidade que não tem nada a ver com o seu karma pessoal. Rabi Shimon Bar Yochai, uma faísca encarnada de Moisés, não tinha nenhuma razão de tikun para andar por esta terra há 2000 anos atrás. Mas somente ele poderia ter revelado a sabedoria do Zohar. Da mesma forma, Rabi Isaac Lúria apareceu somente para interpretar o Zohar e divulgar sua sabedoria, ele mesmo uma faísca encarnada de Rabi Shimon Bar Yochai.

Para o homem ou mulher comum, tornar-se pai ou mãe é abrir um canal para uma alma que irá elevar suas vidas ou fazê-los infelizes. É uma perspectiva assustadora, e aqueles que não sabem nada de Cabala ou que rejeitam a reencarnação jogam com suas próprias vidas no ato da procriação. Felizes são aqueles que são almas gêmeas nesta situação, pois as almas gêmeas são de fato um, e estão tão felizes em companhia um do outro que nenhum pensamento a não ser o mais benigno pode entrar durante o ato de se fazer amor.

No Mundo Infinito, todas as almas eram uma. Mas o Zohar nos diz que o Criador dividiu cada uma delas do estado de circuito positivo-negativo, assim criando macho e fêmea. As almas gêmeas são estas duas metades de uma única alma, outra vez unidas, geralmente após errarem por muitas vidas procurando uma pela outra e completando o seu tikun.

Como regra geral, as almas gêmeas podem se encontrar e se casar somente após sua dívida kármica ter sido eliminada. Portanto, poucos no mundo em qualquer dada época estão com sua alma gêmea. Mesmo assim, homens e mulheres se encontram e se casam, e não apenas para a procriação; dos dois sexos, os homens têm maiores dificuldades para completarem o seu tikun. Eles são, talvez, mais obstinados e mais teimosos do que as mulheres, que geralmente atingem a correção da alma com tão pouco quanto uma única vida nesta Terra. Quando as mulheres retornam, com a dívida de tikun corrigida, é normalmente para ajudar um homem que está lutando para corrigir a sua. A ajuda nem sempre é suave. Um homem que repetidamente falhou em atingir a correção da alma pode receber uma mulher que tornará sua vida não muito agradável.

Isto poderia implicar que quando o divórcio e o novo casamento – frequentemente diversas vezes – ocorrem, nenhuma destas uniões é desperdiçada. Cada uma delas era destinada a ensinar ao homem uma determinada virtude, que ele só poderia aprender através do casamento. Mesmo após conquistar a sua alma gêmea, no entanto o homem permanece vulnerável. Se ele leva então uma vida extremamente pecadora, ele poderá ter que voltar a este mundo com o objetivo de cumprir o seu tikun, sem a sua alma gêmea. Mesmo se a lei do tikun liberou a mulher da necessidade de reencarnar, ela pode ter um sentimento tão forte por sua alma gêmea que pode voluntariamente voltar para auxiliá-lo em sua luta pela correção.

É um sábio ditado que diz: "O casamento é como uma fortaleza cercada – aqueles que estão fora querem entrar, e aqueles que estão dentro querem sair." Com a taxa de divórcio para aqueles que se casam alcançando proporções epidêmicas, por que então as pessoas ainda se dão a este trabalho? Já que o casamento desempenha um papel tão importante em qualquer sociedade, é importante entender este papel. As leis cósmicas de reencarnação não podem ser modificadas, e é a falta de conhecimento destas leis que gera tantos dos problemas atuais. O Ari diz que se um homem não consegue entender a sua própria alma e a alma da mulher que ele ama, e se este amor não é baseado no conhecimento da reencarnação e na compreensão mais profunda, não existe uma base sobre a qual o casamento possa ser construído. Um homem deveria ter uma verdadeira compreensão do porquê estar com determinada mulher nesta vida. É dentro do vácuo criado pela falta de entendimento que as relações extra conjugais, tão comuns hoje em dia, têm suas raízes.

Quais as possibilidades de ter sucesso desta vez quando já falhamos em inúmeras vidas anteriores?

Não podemos esconder a instabilidade e a falta de devoção que acomete a maioria dos casamentos modernos. Um verdadeiro casamento entre almas gêmeas é quando o amor incondicional é o fundamento da união. O alto nível de amor incondicional não pode ser trazido à existência sem um amplo entendimento de reencarnação. O Zohar afirma que nenhum relacionamento humano mais profundo é resultado do acaso. David e Bat Sheva foram resultado direto de um processo de tikun que foi estabelecido na época da criação do mundo. Um casamento onde os parceiros simplesmente não conseguem suportar estarem um sem o outro o tempo todo é um exemplo de almas gêmeas em seu grau mais elevado. A harmonia do universo inteiro é mantida por este equilíbrio. O estudo da reencarnação é o fator singular mais importante para a estabilidade mundial.


Notas (deste blog):

* Pão da vergonha significa uma sensação desagradável que se sente ao receber alguma coisa boa, sem porém ter feito nada para merecer aquilo. Embora seja agradável receber, algo fica faltando.

** Um homem revolucionou a Kabbalah no século XVI: Rav Isaac Lúria, o Ari, também chamado de Leão Sagrado, o Leão de Safed. Foi um dos grandes estudiosos da Kabbalah do século 16. Viveu apenas dois anos em Safed, para onde mudou-se atendendo a determinação do profeta Eliahu (Elias). Seus ensinamentos foram divulgados através das obras de seu fiel discípulo, rabino Chaim Vital. Após a expulsão dos judeus da Espanha (1492) e da Provença, na França, muitos sábios dirigiram-se para Safed, na região da Alta Galileia, uma das quatro cidades sagradas do Israel antigo.

*** Metempsicose é o termo genérico para transmigração ou teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro, seja este do mesmo tipo de ser vivo ou não. Essa crença não se restringe à reencarnação humana, mas abrange a possibilidade da alma humana encarnar em animais, vegetais ou minerais. (Wikipédia) Grande parte da oposição a essa teoria vem do fato de admitir-se que haveria uma involução da consciência a um reino "inferior" ao humano. Ensinam os proponentes dessa teoria que o fato de estarmos encarnados num ser não humano não modifica o nível de consciência ou evolução já atingido. O que ocorre é apenas uma sensação-correção momentânea. Por exemplo, estar sentindo-se imobilizado como uma pedra. O sentir-se imobilizado não significa que ele involuiu, pois a imobilização momentânea é apenas uma consequência de algum ato anterior cometido, e que deve ser sentido para uma correção, embora isso possa ser corrigido numa reencarnação humana também.



Rav Dr. Phillip S. Berg




Fonte: Centro de Cabala
https://kconline.site/tkc/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/al%c3%a9m-morte-vida-ap%c3%b3s-a-morte-744753/