Há uma etapa na evolução em que nos encerramos, cruelmente e cegamente, em nosso eu inferior separativo e personalístico. Debatemo-nos, ferrenhamente, contra a natural força de atração, de reunião e de associação que é a força suprema do Criador. Tornamo-nos “dia-bólicos”, ou seja, separamos, dividimos e desunimos (“dia”, em grego). É uma inconsciência, uma rebeldia e uma presunção que nesta fase evolutiva carregamos e que nos faz “sofrer” até que a superemos. Verdadeiramente é uma fase de ilusão temporária que gera o “mal” e o sofrimento, pois lutamos contra o natural, contra a nossa verdadeira natureza que é divina. É um remar contra a correnteza.
Na ciência espiritual a separatividade sempre foi denominada de “a grande heresia”, a portadora do sofrimento e do mal. Entretanto, na realidade, a separação não existe; a cisão entre tudo e todos é ilusória. É apenas uma percepção ilusória e temporária de que tudo está desconectado e sem vínculos; uma sensação de ser independente. Na verdade, é apenas a nossa consciência que não está ciente e consciente da unidade, ou seja, está temporariamente limitada e identificada com o irreal, criando barreiras, distanciamentos e rupturas. Tudo isto decorrente de uma pouca evolução espiritual. Portanto, o sofrimento fundamental e temporário do homem, sua angústia existencial, é o sentimento de perda de si mesmo, do distanciamento de sua realidade espiritual, da natureza e da síntese. “A queda do paraíso”.
O que consideramos um erro é, certamente, o ensaio do acerto. Assim, a separatividade é o caminho da unidade, da volta à unidade apesar dos transtornos gerados. O Criador é sábio, ele opera em ritmos, em contrastes, ou seja, enquanto não vivenciarmos a “falta” de luz, não saberemos e não valorizaremos a luz, mesmo que a criação tenha sido originada em meio a luz do Criador.
O codificador do espiritismo, Allan Kardec, nos disse que: “fomos criados simples e ignorantes”. O rosacruciano Max Heindel nos disse que: “devemos transformar nossos poderes latentes em potencialidades dinâmicas”. Por isto, fica claro que já vivenciamos a luz, porém de uma forma ignorante e em meio a poderes latentes. Precisou uma “queda”, esta entendida como nos ensina a cabala e escolas esotéricas, para vivenciarmos e experienciarmos uma caminhada longa em busca da luz, do re-ligar-se. É uma viagem da inconsciência (ignorância), passando à consciência (conhecimento), rumo à super consciência (sabedoria). Do espírito à matéria, e desta ao espírito novamente, como nos sugere o filósofo Pietro Ubaldi. A parábola do “filho pródigo”, entendida esotericamente, nos mostra exatamente esse processo em nível pessoal, coletivo e cósmico.
É uma grande viagem, e nela os sentimentos de ódio, de antipatia e de crítica são avivados. Nesta viagem colidimos com o amor universal que é isento de quaisquer reações, ao contrário de nosso amor interesseiro. Chamamos de heresia porque “quebra” o amor universal, a síntese e a unidade da diversidade. Contudo, é o caminho que leva à própria libertação, à patamares evolutivos inimagináveis. Em outras palavras, é um processo de acordar-se, de despertamento, porque em realidade não vamos a lugar algum, nem saímos de lugar algum, nem houve uma “criação”, mas tão somente uma emanação. “Em Deus somos, vivemos e temos o nosso ser”.
Cabe frisar que a separatividade não é possível em essência. É somente uma ilusão mental, uma miragem emocional e é uma figura de “maya” qualquer formulação e afirmação a seu respeito. Constitui-se apenas de um recurso, de uma sensação temporária à serviço da evolução (despertamento) dos seres e dos mundos. Poderíamos afirmar que alguém ou algo não compartilha da vida universal que a tudo e a todos compenetra e impulsiona? Há alguém ou algo fora de Deus, da unidade de Deus? Poderíamos afirmar que é possível existir sem inter relacionamento e inter dependência? Se algo ou alguém existisse fora daquilo/daquele a que chamamos de Deus, este não seria mais o Eterno, o Absoluto, o Onipresente, o Onipotente, o Supremo Grande Arquiteto do Universo, pois dois seres separados existiriam.
Óbvio fica, portanto, à nossa visão, que tudo é uma questão de grau de consciência. E que a ampliação da consciência, a partir do esforço evolutivo progressivo (graus do despertar), é o fator que fará diminuir a sensação de separatividade. Resume-se, portanto, tudo à nossa maior ou menor ignorância a respeito da inevitável síntese e da unidade. Estas são as realidades básicas e essenciais do cosmos.
Olhando à nossa volta e cotidiano, vemos, por exemplo, o nacionalismo tão comum, tanto no passado como no presente, representando a separatividade baseado na presunção, na antipatia, no racismo, no poder etc., e o capitalismo exaltando o senso de separatividade por ser contrário à cooperação. Nacionalismo, capitalismo, socialismo, comunismo, religiões “tradicionais” (contrárias à ciência e à coerência) exemplificam a cruel visão de exclusividade, cada um vendo o seu próprio eu, ideias, (pre)conceitos e grupo separado em vantagem sobre os demais. Isto constitui-se na falta de visão e direção ao bem comum; a exploração da ambição humana, oferecendo a recompensa do lucro, no céu ou na Terra, tão atraentes ainda às almas imaturas e egoístas. O próprio socialismo e comunismo que pelo próprio nome deveriam trazer o verdadeiro sentido de cooperação e fraternidade, tropeçaram no mesmo senso de separatividade e exclusividade; o resultado disso todos nós já bem o sabemos.
Se desejamos um mundo melhor e a saída da heresia da separatividade, devemos consistir nossas vidas em obter a capacidade de ver a totalidade, o bem comum, a capacidade de viver na síntese, na busca do universal para além do relativo e particular, na busca de soluções comuns, no enquadramento de nossa visão em uma visão maior dentro do que nos é possível no nosso grau evolutivo. Por isto nos foi dito que “a ignorância é a mãe de todos os vícios”, ou seja, a falta desta visão de síntese.
O segredo da superação da separatividade está no próprio longo caminho evolutivo (despertamento) e a partir de uma série de amadurecimentos sociais, políticos, artísticos, psicológicos e espirituais que nos levam a uma visão real. Assim, o mundo da realidade gradativamente se descortinará, porque estaremos no estado de conhecimento que provêm da realização do verdadeiro Eu, a Alma, o Eu Superior, e não sob os ditames da personalidade (máscara), do eu inferior, do impermanente.
Prof. Hermes Edgar Machado Junior
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal
Texto maravilhoso. Perfeita síntese da sabedoria universal!
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