sexta-feira, 22 de maio de 2020

OS OCEANOS DE DEUS


Nossa vida é uma unidade porque está centrada no mistério de Deus. Mas para conhecer essa unidade temos que olhar para além de nós mesmos e, com uma perspectiva maior do que aquela com a qual geralmente olhamos, quando nossa principal preocupação é o interesse por nós mesmos. Apenas quando começamos a abandonar o auto-interesse e a auto-consciência, é que essa perspectiva maior começa a se abrir. Uma outra forma de dizer que nossa visão se expande, é dizer que nós conseguimos ver além das meras aparências, em direção à profundidade e ao significado das coisas...  não apenas... em relação a nós mesmos mas... ao todo do qual fazemos parte. Esse é o caminho do verdadeiro auto-conhecimento e, é por isso que o verdadeiro auto-conhecimento é idêntico à verdadeira humildade. A meditação nos revela essa preciosa forma de conhecimento, [e] esse conhecimento se transforma em sabedoria... uma vez que conheçamos, não mais por análise e definições, mas por participação na vida e no espírito de Cristo. [...]

A maior dificuldade é começar, dar o primeiro passo, lançar-se na profundidade e na realidade de Deus, tal como revelada em Cristo. Uma vez que tenhamos deixado para trás as praias do nosso próprio eu, rapidamente, navegamos nas correntes da realidade que nos dão direção e impulso. Quanto mais quietos e atentos estivermos, mais sensivelmente responderemos a essas correntes. E, então, nossa fé se torna mais absoluta e, verdadeiramente, espiritual. Pela quietude no espírito, nos movemos em direção ao oceano de Deus. Se tivermos a coragem de sairmos das praias, não fracassaremos em encontrar essa direção e energia. Quanto mais nos distanciamos, mais fortes se tornam as correntes e mais profunda a nossa fé. Por algum tempo, o paradoxo de que o horizonte ao qual nos destinamos está sempre recuando, desafia a profundidade da nossa fé. Para onde estamos indo com essa fé mais profunda? Gradualmente reconhecemos o significado da corrente que nos guia, e compreendemos que o oceano é infinito.


Dom John Main, OSB



Fonte: Extraído de  John Main OSB, "The Oceans of God" (December 1982), THE PRESENT CHRIST (New York: Crossroad, 1991), pp. 222-23, 226.
http://www.wccm.com.br/leitura-john-main-osb/889-os-oceanos-de-deus-200308
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/oceano-p%C3%B4r-do-sol-pessoa-silhueta-2203720/

CORPO E YOGA - RELAÇÕES


[...] Ao pensarmos em yoga, uma das primeiras imagens que nos vem é uma pessoa realizando exercícios físicos quase que em uma espécie de alongamento. Porém, muito mais que uma prática com o corpo, o yoga tem como base toda uma ligação com a aquietação da mente, tornando seu propósito muito mais mental e psicológico do que físico.

Um dos textos mais antigos do Samkhya, sistema filosófico do qual provém o Yoga, afirma que a vida humana é repleta de dor e sofrimento e que removê-los deve ser o foco de nossas atenções. Tanto para o Samkhya como para o Yoga, para que se possa viver em paz e equilíbrio é necessário que se controle as alterações da mente, ou seja, os pensamentos.

De origem indiana, yoga é uma palavra da língua sânscrita, língua clássica criada há cerca de 1500 a.C. Yoga é oriunda da raiz “yug” que significa “ligar”, “manter unido”, “atrelar”, “compartilhamento”. Inclusive foi a raiz sânscrita que originou o termo latino 'jungere' (libertar-se do jugo). Portanto, yoga é, para alguns mestres, a ligação do microcosmo (o ser humano) ao macrocosmo.

A bibliografia presente até o momento nos informa que, de qualquer modo, o yoga sofreu modificações no decorrer dos períodos indianos: desde o pré-védico até o período moderno, passando pelos Vedas, pelas Upanishads e, pelos Puranas, entre outros. Os Vedas, as Upanishades e os Puranas são livros clássicos e sagrados das filosofias milenares praticadas na Índia antiga.

De qualquer modo, o conhecimento que possuímos hoje sobre o que é yoga, ásanas (posturas), yamas (refreamentos) e nyamas (auto-observações), pranayama (técnica respiratória), entre tantos outros termos usuais, devemos a um médico, filósofo e gramático chamado Patanjali.

Acredita-se que, entre o século 1 a.C e 1. d.C, Patanjali tenha sido o primeiro sistematizador do que é o yoga, qual seu objetivo, seus princípios éticos, seus requisitos e suas técnicas, ou seja, ele foi quem organizou e escreveu em forma de sutras – uma espécie de fórmula, onde poucas palavras condensam um enorme conhecimento - todas as informações que eram passadas de mestre para discípulo na forma oral.

O arcabouço ético e moral da prática do yoga está contida nos ensinamentos passados por Patanjali em seus Yoga-Sutras e denominam-se yamas. Para ele, antes que o discípulo pudesse ir para os ásanas (posturas), esse precisava ter os princípios éticos-norteadores dentro de si. Os yamas são o primeiro ramo dentro do ashtanga yoga (oito membros (anga = membro) do yoga) de Patanjali. E sua vivência é fundamental para as posteriores etapas do yoga.

São cinco os yamas:

- Não-violência (ahimsa) - A não-violência, tão pregada por Gandhi, começa em si mesmo. Cultivar a não-violência em si possibilita que não se use da violência em relação ao outro e ao mundo;

- Veracidade (satya) – Ser verdadeiro aos princípios básicos do ser e incluir a verdade em todas as suas manifestações;

- Castidade ou controle dos impulsos (brahmacharia) - Conservar a energia dentro de si para propósitos de auto-conhecimento, ou seja, canalizar a energia e utilizá-la para a obtenção de melhores benefícios. Aqui, cabe dizer que o yoga não é contra o uso da energia para fins sexuais, mas que, a energia deve ser utilizada beneficamente e com fins de auto-aprimoramento até mesmo espiritual;

- Não-roubar (asteya) – Cultivar a integridade, obtendo e usando somente o que lhe é preciso, é não roubar do outro nem da natureza;

- Não-possessão (aparigraha) - Não cobiçar e não apegar-se é um modo para que tudo exista de modo equilibrado e flua, principalmente, as mudanças. O planeta Terra existe há milhares de anos e nós, seres humanos, há apenas uma centena de mil anos.

Porém, Patanjali ainda coloca como segundo ramo dentro do ashtanga, os nyamas, que são observações em si mesmo para se levar em conta no cotidiano da existência. São eles:

- Pureza (sauca) – A pureza do corpo físico, psíquico e emocional por meio dos pensamentos e ações práticas;

- Contentamento (santosha) – A alegria que precisa ser exercitada para que haja um verdadeiro equilíbrio, só é adquirida como resultado de uma prolongada auto-disciplina;

- Austeridade (tapas) – O termo tapas, segundo Taimni, é muito abrangente, mas em linhas gerais, pode-se definir como meio de autodisciplina e purificação através de exercícios e/ou práticas corporais e psíquicas para um auto-aprimoramento do aspirante;

- Estudo e reflexão (svadhyaya) – O conhecimento do que é yoga por meio, primeiramente, dos ensinamentos e livros, para, posteriormente “passar pelos progressivos estágios de reflexão, meditação, tapas etc, até que o sadhaka (aspirante ao samadhi) esteja apto a extrair todo o conhecimento ou devoção do interior, por seus próprios esforços” (TAIMNI, 2004, p.182)*, é o conceito de svadhyaya;

- Entrega a deus (Isvara-pranidhana) – A auto-entrega a uma força maior que pode ser denominada Deus ou à uma macro-consciência. “Essa é a ideia sobre a qual repousa toda a filosofia do yoga, sendo que todos os sistemas do yoga visam à destruição dessa consciência do “eu”, direta ou indiretamente. (...) A prática de Isvara-pranidhana é um dos meios”. (TAIMNI, p.182)*

A base ética e a prática das observações citadas nos yamas e nyamas demonstram as “preocupações” filosóficas e morais com as quais o yoga está envolvido e que perpassam e preparam todos os outros seis ramos do ashtanga yoga de Patanjali, que inclui os ásanas (posturas), pranayamas (envolve a respiração), pratyahara (desligamento dos sentidos), dharana (concentração), dhyana (meditação) e samadhi (iluminação).

É interessante ressaltar que há ásanas que são facilitadoras de um estado mais meditativo e de relaxamento de todo o corpo, e há outras que trazem mais vigor e estado vivo de atenção. Mas qualquer ásana a ser praticada ou instruída por um mestre ou professor conhecedor da técnica fornecerá ao praticante um estado de maior autoconhecimento de seu próprio corpo, de suas emoções e do funcionamento de sua mente. Sendo o objetivo do yoga a supressão dos turbilhões da mente, é importante que o praticante possa perceber dentro de si os movimentos de agitação e calmaria, um dos primeiros benefícios da prática, para que possa evoluir gradativamente ao encontro do samadhi, ou melhor, de um estado de paz consigo próprio.

Ao que tudo indica, o yoga, como instrumento corporal e mental, tem grande potencial para ser um aliado no desenvolvimento biopsicossocial tanto do individuo em formação (crianças e adolescentes) como em adultos que almejam uma vida com melhor qualidade e bem-estar.


Katerina Volcov



Nota:

* TAIMNI, I. K. A ciência do Yoga. (Comentários sobre os Yoga-Sutras de Patanjali à
luz do Pensamento Moderno. 3.ed. Brasília: Editora Teosófica. 2004


Fonte: https://www.academia.edu/36515304/Corpo_e_Yoga_rela%C3%A7%C3%B5es
Fonte da Gravura: http://www.good-will.ch/postcards_es.html

JOHN MAIN E A MEDITAÇÃO CRISTÃ


Dom John Main, OSB, beneditino, fundou em Montreal uma comunidade de monges e leigos que tenta introduzir a prática da oração contemplativa na vida agitada moderna. Juntando ensinamentos orientais à tradição dos padres e mães do deserto, torna-se um dos maiores mestres espirituais através da Meditação Cristã. Em suas palestras descreve sua própria caminhada espiritual e mostra que o caminho da Meditação é o caminho aberto a todos.

Trabalhando no Serviço Colonial da Malásia, ficou profundamente impressionado com a paz que um swami indiano transmitia. Perguntando qual o segredo, o swami o convidou a visitá-lo para lhe passar o segredo da Meditação. Para swami, o objetivo da meditação era o processo de chegar a despertar a consciência da realidade do Espírito do universo, que vive em nossos corações que contém tudo, todas as obras, todos os perfumes, sabores e desejos. Envolve o universo inteiro e, no silêncio, ama a todos.

Meditar é simples... só é preciso meditar. Para meditar é preciso se concentrar, tornar-se silencioso. Para chegar à quietude, utilizamos uma palavra que chamamos de mantra. Precisamos repetir continuamente esta palavra com fidelidade e amor. Nisso somente consiste a meditação.

Retornado ao seu trabalho em Dublin, antes do advento da meditação transcendental, John não encontrou ninguém que soubesse algo sobre meditação, como se entende agora. John torna-se monge pensando de estruturar sua vida sobre este tipo de meditação, mas seu mestre de noviciado o obrigou a seguir o método inaciano.

Mais tarde, o monge beneditino, considera este período da sua vida como um grande dom de Deus, pois o obrigou a desapegar-se do próprio centro de sua vida. Em lugar disso aprendeu a edificar a sua vida sobre o próprio Deus.

Reitor do Colégio de Santo Anselmo, em Washington, encontra os mestres de oração dos antigos Padres do Deserto, através de Cassiano citado por São Bento, para quem quiser subir os degraus mais altos da oração (contemplação). Com espanto leu o que Cassiano diz a respeito de usar uma frase curta para chegar à tranquilidade necessária à oração: a mente expulsa e reprime assim a rica e ampla matéria de todo pensamento e limita-se à "POBREZA DE UM ÚNICO VERSÍCULO".

A leitura de Cassiano lembra a mantra do swami, reconduz à mais rica tradição contemplativa cristã e mostra como a riqueza das tradições orientais e ocidentais surgem da mesma fonte.

A história de João Cassiano e seu amigo Germano tem relevância impressionante para o mundo contemporâneo. Como estes dois jovens, hoje, milhares de ocidentais voltam-se para o Oriente à procura de misticismo, eles queriam apenas aprender a orar e sofriam, inquietos, à procura de um mestre. No Egito encontram o abade Isaac, a quem lhe pedem lhes ensinasse o caminho da oração de Jesus. A sabedoria do mestre vinha de longa fidelidade à oração e às vigílias. João Cassiano e Germano sabiam que É PRECISO ORAR SEMPRE SEM CESSAR! ORAR É TUDO! O ESPÍRITO QUE RESSUSCITA OS MORTOS VIVE EM NÓS E DARÁ VIDA NOVA AOS NOSSOS CORPOS MORTAIS!

Os dois amigos insistem com o santo abade de lhes ensinar o como chegar à oração de Jesus. A resposta é a humildade, o desapego de si mesmos. O grande perigo da oração é reduzir Deus à nossa própria medida para com ele dialogar, fazendo dele um ombro confortável, um ídolo. Para Cassiano o caminho "católico" da oração é aquele sem imagens, que se restringe à repetição de um único versículo, a oração do pobre. Em toda oração o agente principal é o próprio Deus. Ele nos envia o Espírito do seu Filho que geme com suspiros inenarráveis e repete: Aba Pater! (Paizinho)

Dentro da "tradição católica de Cassiano" a oração cristã consiste essencialmente em deixar que o murmúrio da oração de Jesus possa surgir e se enraizar em nosso coração. O Abade Isaac recomenda o versículo (mantra) "Senhor, vem em meu auxílio", que São Bento coloca no início de cada hora litúrgica.

Cassiano assim fala a respeito da mantra: "Esta mantra deve estar sempre no seu coração. Ao adormecer seja repetido esse versículo até que, moldado por esta palavra, habitue-se a repeti-la durante o sono". Ao despertar para um novo dia, a mantra "antecipa todos os seus "pensamentos" e, no decorrer do dia deverá cantar incessantemente no fundo de seu coração". Cada um de nós é chamado a descobrir em seu coração a oração de Jesus e que sejamos arraigados e fundados no Amor.

Palavras do swami a John Main

"Meditar somente quando vier aqui é frivolidade. Meditar uma vez por dia é leviandade. Se você é sério e você quiser enraizar a mantra em seu coração, deve meditar logo ao acordar de manhã, durante meia hora, e o mesmo no fim do dia. Durante a meditação não deve haver na sua mente nem pensamento nem palavras, nem imaginações. O único som será o som da sua mantra da sua palavra. A mantra é um som harmônico; quando ecoa dentro de nós, começamos a desenvolver uma ressonância que nos conduz à totalidade do nosso próprio ser... Começamos a experimentar a profunda unidade que todos nós possuímos em nosso ser. Então o som harmônico faz surgir uma ressonância entre nós e todas as criaturas, toda a criação, e uma unidade entre nós e nosso Criador."



Fonte: www.oraetlabora.com.br/meditacao/arquivo22.htm
Fonte da Gravura: Grev Kafi (the pseudonym of two symbolist painters, Evdokia Fidel'skaya and Grigoriy Kabachnyi, a married couple, that work in co-authorship)
http://www.grevkafi.org