A tradição da magia afirma que o universo é uno e que nenhuma parte desse universo está separada da outra. Como diz o poeta, “tudo não passa de parte de um todo estupendo”. Tudo que existe no universo é, portanto, a expressão da unidade que subsiste por meio de todas as coisas.
Isso pode ser condenado como mero “panteísmo”, mas, na realidade, não é assim, pois por trás da unidade subjacente que expressa a si mesma no universo real, existe aquilo de que a alma universal, o conjunto da vida e da forma não passa de expressão. “Tendo criado o universo com um fragmento de mim mesmo, eu permaneço”, diz a deidade na escritura hindu, o bhagavad gita. Um Deus imanente e também transcendente é o Deus do mago.
O uno transcendental, de acordo com os ensinamentos mágicos, está refletido nas águas do caos e da noite antiga, e essa reflexão do supremo, conhecida como adam kadmon, traz a ordem ao caos. Como descreve um ritual de magia: “No começo havia o caos e as trevas e os portais da Terra da noite. E o caos clamou pela unidade. Então, ergueu-se o eterno. Diante do brilho desse semblante, as trevas recuaram e as sombras fugiram.” Nessa reflexão profunda, o adam kadmon ou o grande homem da cabala, é o logos “por quem todas as coisas foram feitas”, o brilho de sua glória e a imagem expressa da sua pessoa. Entretanto, nada há nesse universo que não seja parte integral do logos. Todas as coisas subsistem nessa unidade subjacente, como afirma o poeta grego citado por São Paulo, “... pois nós também somos seus rebentos”.
A alma humana é parte de um universo maior e é ela própria uma réplica desse universo. Na magia, costuma-se dizer que o homem é o microcosmo dentro do macrocosmo, o pequeno universo dentro do universo maior. Para o mago, não existe algo que se pareça com a chamada “matéria morta” no sentido vitoriano. Na verdade, porque sua visão é devido ao fato de já subsistir como parte da vida eterna, é que qualquer coisa material pode existir no tempo e no espaço. O que vemos “aqui embaixo” como um pedaço inerte de metal é, para o mago, a aparência material de inumeráveis centros de energia saindo dos mundos invisíveis para o centro vivo de tudo. “O espírito do senhor preenche a Terra”, e para o verdadeiro mago nada é vulgar ou sujo, tudo serve a um propósito e é expressão da vida do eterno. Isso é declarado no ritual pelo adepto iniciado, que proclama: “Não existe parte de mim que não seja dos deuses.”
“Os deuses”. Será que os magos acreditam em muitos deuses? Sim, mas a visão que têm de sua natureza não é bem aquilo que se poderia esperar deles. Eles encontram no universo invisível um campo de poder no qual inúmeras forças interagem, cada qual sendo um aspecto do supremo. E, nessas energias cintilantes e dançantes, eles vêem a unidade de uma vida, filhos de Deus, que evoluíram em universos precedentes e que, agindo como canais perfeitos para o supremo poder, são como lentes vivas através das quais o poder é emanado para baixo. Eles são os dhyans chohans das escrituras orientais, os ministros, chamas do fogo da bíblia; e aquele raio de seu ser essencial que flui da unidade e refocalizado no tempo e no espaço é a “substância” no sentido teológico da qual se compõe o universal “real”, no qual as qualidades secundárias daquilo que chamamos de matéria se manifestam – criando os “acidentes” da teologia.
Dessa maneira, na filosofia da magia, não existe tal coisa como “matéria morta” per se. Toda a matéria, toda manifestação não passa de expressão de toda vida que tudo permeia – na verdade, é esta vida em uma de suas inumeráveis formas de existência. Acreditando, assim, na estrutura viva do universo, o mago conclui que, assim como o poder da unidade se manifesta por intermédio de seus ministros, também nos planos mais densos e mais inferiores de sua auto-expressão, inúmeras hostes de inteligências menores implementam seus planos – “anjos e arcanjos, tronos, dominações, principados, virtudes, poderes; querubins e serafins, ashin e todas as hostes celestiais imemoriais” -, cada uma no seu nível.
O mago, vendo como o supremo “constitui os serviços dos anjos e dos homens em ordem perfeita”, não se vê como um estranho no universo nem mesmo como um ser apartado dele, mas como parte dessa diversidade viva na unidade, e diz o velho iniciado grego: “Eu sou a criança da Terra, mas minha raça veio das estrelas dos céus.”
Desviando o olhar das moradas celestiais, o mago se vê em malkuth, o reino da Terra, e percebe que essa existência imperfeita, frustrante no corpo físico, é imperfeita porque, embora conheça via intelecto a realidade por trás das aparências, ele ainda não foi capaz de perceber essa realidade no plano físico. “Não sabeis que vós sois deuses”, diz a escritura cristã, e um poeta moderno cantou: “Saiba disso, oh, homem, a raiz úncia da falha em vós é não reconhecer a vossa própria divindade”. Na entrada do templo do oráculo de Delphos na antiguidade estava gravada a seguinte inscrição: “Gnothi se auton” – Conhece-te a ti mesmo! A percepção da verdadeira natureza do eu é a meta do verdadeiro mago.
Seguindo esse princípio e mirando seu interior, o mago contempla um mundo decaído. Ele vê que o plano primordial sobre qual o homem foi formado lá está, brilhando por todo o universo como a suprema harmonia e beleza e, através dessa luz, ele vê o ideal no qual o seu verdadeiro eu está fundamentado e pelo qual é sustentado. Então, olhando para o exterior, ele vê em sua própria natureza e na natureza de tudo que o cerca as provas da queda e o potencial da perfeição. Mas em meio a essa queda ele vê as provas do retorno e, mediante o sofrimento de miríades de vidas, percebe que o caminho da salvação é o caminho do sacrifício. Assim ele formula o velho axioma hermético "solve et coagula" que pode ser reconstituído como “dissolve e reforma”.
Ele usa os ritos da alta magia para efetuar a dissolução e a reformulação. Mas o que é dissolvido, e o que é reconstituído? Não a eterna centelha que “alumia o todo homem” – ao contrário, é o ego pessoal que, por tanto tempo, vem sendo visto por ele como seu único e real ser; essa personalidade à qual ele tenazmente se agarrou e defendeu, mirou e serviu; e que não passa de sua persona, essa máscara que encobre o homem real, que tem que ser dissolvida e reformada.
Mas como aquilo que é imperfeito pode produzir a perfeição? “A natureza desassistida fracassa”, diziam os antigos alquimistas, e nas escrituras lemos “Somente o senhor edifica a casa, o trabalhador trabalha em vão”. Assim, o mago, com toda humildade, procura o conhecimento e a conversação com o seu sagrado anjo guardião – aquele verdadeiro eu, do qual a personalidade terrena é apenas uma máscara.
Esse é o objetivo supremo do mago. Tudo mais, trabalhos e encantamentos, rituais e círculos, espadas, baquetas e fumigações, tudo não passa de meios pelos quais ele chegará com triunfo ao final. Então, tendo-se unido a esse verdadeiro eu – mesmo por um tempo breve -, ele é instruído por esse governante interior na alta magia que um dia elevará a sua humanidade à sua divindade e então realizará aquilo que os mistérios verdadeiros vêm sempre declarando o objetivo verdadeiro do homem – a deificação.
Walter Ernest Butler
Fonte: do livro "A Magia e o Mago"
Ed. Bertrand – 2a. Edição
Fonte da Gravura: Tumblr.com