quarta-feira, 15 de março de 2023

NOS DESERTOS DA VIDA


No dia em que você mais precisa de Deus, achando que Ele está triste porque você errou novamente, na verdade, Ele está alegre, pois a consciência está chegando. Naquele dia, exatamente naquele dia em que você fez tudo errado, está com vergonha de si e, se pudesse, nem sequer olharia para o próprio rosto no espelho, lembramos mais uma vez Paulo quando nos diz: “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Romanos 5:20).

A misericórdia de Deus é muito maior que o nosso merecimento, que é quase nenhum, e a graça dEle nos basta, porque o poder dEle se aperfeiçoa em cada fraqueza nossa. Que nenhuma fraqueza nossa nos impeça de caminhar na direção do Senhor, nos impeça de orar, de falarmos diretamente ao coração do Pai – afinal, muitas vezes nossas dificuldades, arestas e falhas nos fazem entrar num estado de culpa, e diversas vezes, por isso mesmo, nos negamos a orar, a falar com Ele, sentindo-nos mais imerecedores ainda do que realmente somos na nossa pequenez. No entanto, que nossa pequenez nunca seja obstáculo para a prece, mas, ao contrário, que o diagnóstico que fazemos de nossas misérias morais, de nossas falhas, nossas angústias, seja o motivo para orarmos cada vez mais intensa e incessantemente. Que possamos orar como quem respira, a cada instante, usando cada brecha do dia para falar com Deus. E, quando estiver sem condições de fazer uma prece sequer, ouça uma música de louvor a Deus, leia livros que o lembrem do amor de Deus, converse com aqueles que testemunham, em suas vidas, o amor do Criador, de modo a mantê-lo constantemente em comunhão com o Altíssimo.

Lembremos que, mesmo quando nos sentimos infantilmente abandonados, qual o homem que questiona Jesus na clássica história de autoria desconhecida, “Pegadas na areia”, é a hora em que mais estamos acolhidos.


Rossandro Klinjey



Fonte: do livro "O Tempo do Autoencontro - como fortalecer-se em tempos difíceis e vencer os desertos da vida", São Paulo, Ed. Planeta, 2020
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

A DEVOTA ESCUTA


A leitura dos monges era uma leitura lenta, calma, ruminada, saboreada, alheia a qualquer interesse estranho à mesma leitura... Sempre, no fundo, a única coisa que procuravam era um contacto íntimo com a palavra de Deus, vivo e revigorante... os olhos viam o texto escrito, os lábios o pronunciavam, os ouvidos o escutavam. E a palavra de Deus impregnava cada vez mais o monge leitor. A "Lectio Divina" não tinha um propósito científico ou literário, nem era considerada uma atividade puramente intelectual.

Não se tratava de especular, ao estilo dos filósofos, mas de aprender a viver melhor. Para fazer isso, eles primeiro atentavam ao significado óbvio e literal da Escritura: tudo o que o texto sagrado ensina e se refere era objeto de sua mais devota consideração. Mas eles não se contentavam com isso, mas investigavam com vivo interesse o significado espiritual, íntimo, magnífico e oculto que, segundo a convicção geral daqueles tempos, cada página da Sagrada Escritura contém, cada uma de suas palavras.

Só Deus pode revelar os significados estupendos que se ocultam sob a letra, os fatos e as imagens materiais do texto sagrado, e Deus os revela apenas às almas puras, aos homens espirituais. Sua doutrina... é clara e insistente. Mas a letra estimula a curiosidade e instiga o espírito a buscar as realidades sobrenaturais que ela esconde, a elevar-se ao patamar superior das ideias, dos mistérios inefáveis. Além de seu significado óbvio, as palavras da Escritura têm uma vasta ressonância espiritual, um incrível poder de evocação, que deve ser compreendido...



García Colombás



Fonte: Parágrafos retirados de “El monacato primitivo”, Ed. BAC
Via Blog El Santo Nome
https://elsantonombre.org
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/rezar-b%c3%adblia-leitura-da-b%c3%adblia-5406270/

DESCOBRINDO VERDADES ESSENCIAIS


Vivei uma vida intensa, porque ela é que vos revelará em cada dia novas verdades. Perguntar-me-eis: «Como é que se pode fazer descobertas dentro de si mesmo? Lendo e estudando, é certo. Mas sozinho, em si próprio, poder-se-á descobrir verdadeiramente alguma coisa?» Sim, graças à vida intensa, isto é, à verdadeira vida espiritual, descobrireis as verdades essenciais relativas ao homem e ao Universo! Jamais descobrireis essas verdades se elas não tiverem a sua origem em vós, se não as tiverdes vivido. É claro que elas podem ser-vos reveladas por um ser que amais e em quem confiais; no entanto, tereis de experimentar vós mesmos essas verdades. Se as pessoas estão mergulhadas na incerteza, na dúvida, é porque procuraram a verdade por uma via exterior, da qual nunca poderão estar seguras. Só a via interior torna a dúvida impossível. Se a seguirdes, mesmo que queirais duvidar, não conseguireis!



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

AS RAÍZES DA MEDITAÇÃO CRISTÃ


[...] aspectos essenciais da meditação (cristã). Eles foram todos baseados nos ensinamentos da Igreja primitiva e, especialmente, nos ensinamentos de Evagrio Pôntico, o mestre de João Cassiano, um dos mais influentes Padres do Deserto.

Mas o que levou os primeiros cristãos a se retirarem para o deserto no século IV dC, inicialmente em torno de Alexandria e depois para a Palestina e a Síria? Era o desejo de levar uma vida autenticamente cristã baseada nos ensinamentos de Jesus e, portanto, na oração contemplativa profunda. Mas seguir verdadeiramente a Cristo também era visto como segui-lo até a morte: o "martírio" era uma motivação importante. Em “A vida de Pacômio” descreve o efeito que os mártires tiveram na fé dos cristãos e na vida que eles queriam levar: “a fé aumentou muito nas igrejas de todas as terras, e mosteiros e lugares para ascetas começaram a aparecer porque aqueles primeiros monges tinham visto o sofrimento dos mártires”.

Desde que Constantino adotou o cristianismo, a perseguição cessou. Aqueles que optaram por se retirar para o deserto decidiram ir para lá e renunciar a tudo o que era considerado essencial na vida – família, casamento, propriedade, um papel ativo na sociedade – como um martírio alternativo, um martírio “branco”, em oposição ao “vermelho”, martírio dos verdadeiros mártires. Além disso, Constantino destinou dinheiro para construir igrejas e sustentar financeiramente os bispos, fato que mudou o caráter da Igreja naqueles primeiros tempos.

São João Crisóstomo expressou sua consternação com bastante força em suas “Homilias em Éfeso”: “Abundantes pragas de males secretos caíram sobre as igrejas. Os centros principais tornaram-se mercados. Riqueza excessiva, imenso poder e luxo estão destruindo a integridade da Igreja.

Alguns cristãos comprometidos não apenas ficaram perturbados com a mudança de postura do cristianismo, mas também ficaram horrorizados com a crescente decadência da sociedade: "A sociedade era considerada (pelos Padres do Deserto) como um naufrágio do qual cada indivíduo tinha de escapar para salvar-se.” (Thomas Merton)

Este foi mais um estímulo para que se pusessem a viver a mensagem bíblica na solidão do deserto egípcio tendo como regra de vida a frase de São Paulo: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação das vossas mentes.” (Romanos 12.2)

No entanto, a necessidade de se retirar e intensificar a prática espiritual não foi apenas uma reação à situação em que se encontravam os primeiros cristãos; também parece ser um desenvolvimento natural que ocorre ao longo do tempo.

Este importante renascimento da oração contemplativa cristã (a necessidade de se retirar e intensificar a prática espiritual) durou quase dois séculos nos desertos do Egito, Palestina e Síria. Foi João Cassiano quem a introduziu no Ocidente no início do século V. Fundou dois mosteiros em Marselha, no ano 415, um para mulheres e outro para homens.

Através de suas obras "Instituições Cenobitas" e "Conferências" transmitiu seu conhecimento e experiência sobre as primeiras comunidades cristãs do deserto e o que aprendeu, especialmente com Evagrio Pôntico. Foi nos escritos de João Cassiano que Fr. John Main OSB encontrou a meditação: uma disciplina para acalmar a mente com a repetição de uma breve fórmula ou frase de oração (Salmo 69). Mais tarde, São Bento citou João Cassiano com frequência em sua "Regra" e encorajou seus monges a ler diariamente as Conferências de Cassiano. Mas no final do século VI, essa prática que leva à contemplação passou à clandestinidade durante a Idade das Trevas que precedeu a migração de grupos germânicos e a dissolução do Império Romano do Ocidente. Tornou-se domínio exclusivo de alguns místicos, florescendo e se espalhando um pouco mais durante certos períodos de turbulência e insegurança. Até que em nosso século, Fr. John Main OSB redescobriu esse caminho de oração e o divulgou como adequado para todos.

No entanto, no Oriente, este caminho de oração continuou a alimentar a espiritualidade da Igreja Ortodoxa. Os ensinamentos dos monges do deserto do quarto século, escritos por Evagrio Pôntico e Diadoco de Fótice, entre outros, continuaram a exercer grande influência, especialmente sua exortação para "orar continuamente" repetindo uma frase curta. Essa forma contemplativa de oração foi inicialmente conhecida como “Oração do Nome”; mais tarde, como a “Oração do Coração” e, eventualmente, tornou-se a “Oração de Jesus”.

As origens da própria “Oração de Jesus” remontam aos Evangelhos:

O cego Bartimeu grita e repete: "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!" (Marcos 10,47) e o publicano que diz "Ó Deus, tem piedade de mim, pecador!" (Lucas 18, 10-14), é elogiado por Jesus.

Os teólogos mais famosos que ensinaram a “Oração de Jesus” foram: São Simeão, o Novo Teólogo (século X), São Gregório Palamás (século XIV), São Nicodemos da Montanha Sagrada e São Serafim de Sarov (século XVIII) e São Teófano, o Recluso (século 19).

A “Oração de Jesus” foi trazida por missionários gregos para a Rússia, onde no século 20 a tradução da “Filocalia” e do clássico anônimo do século 19 da espiritualidade ortodoxa russa “O Peregrino Russo” voltou a chamar a atenção ocidental para esta forma de rezar. Fr. John Main OSB, viu-a como uma forma de orar pelas pessoas comuns, em todas as esferas da vida, em vez de se restringir a alguns místicos.

É bonito ver como da mesma fonte, a Espiritualidade do Deserto e especialmente os ensinamentos de Evagrio Pôntico, surge uma forma de oração que atualmente é considerada pelo cristianismo ocidental e oriental como uma verdadeira forma de oração para os cristãos comuns.


Kim Nataraja




Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/deserto-panorama-p%c3%b4r-do-sol-duna-2774945/