domingo, 26 de março de 2023

NOVOS TEMPOS, NOVA SANTIDADE

Hoje, o ritmo de vida, a incerteza e a imensa interconexão que existe entre os diferentes pontos de inflexão globais – desde comida, terra e água até biodiversidade e sistemas financeiros – estão nos confrontando com o que Simone Weil chamou de “uma nova santidade”. Uma nova santidade tão necessária para o mundo de hoje quanto “a necessidade de médicos em uma cidade afetada por uma epidemia”. Ela acreditava que é “quase equivalente a uma nova revelação do universo e do destino humano. É a manifestação de grande parte da verdade e da beleza que se esconde sob uma espessa camada de poeira.

Atualmente, o uso da palavra santidade pode causar rejeição a muitas pessoas. No entanto, mostra como as velhas palavras do nosso vocabulário religioso familiar – há muito cobertas de poeira – podem ser reabilitadas ao seu valor original. A “nova santidade” de que Weil fala é uma revelação sobre a universalidade e integração do mundo e de todos os seus habitantes. É novo e, no entanto, há muito tempo tenta penetrar plenamente: “Já não há distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou livre, entre homem e mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. (Gal. 3,28).

Essa visão do personagem paulino coloca o social e o místico no mesmo lugar. Assim como Jesus fez, ela derruba qualquer estrutura de poder que eleve ao absoluto qualquer distinção entre pessoas - castas, sistemas sociais, religiosos, econômicos ou culturais nos quais vivemos localmente. Confronta os ambientes localmente seguros com a visão perturbadora e inebriante do global em que os horizontes desabam. Quando estes caem, o universal emerge, sempre mais como modo de perceber do que como objeto percebido.

Encontrar o Cristo ressuscitado e universal é estar "em Cristo". Como fica claro nas histórias da ressurreição, ele não pode ser apreendido como um objeto ou simplesmente observado. Assim que tentamos fazer isso, ele desaparece. Ele só pode ser visto, nós só podemos vê-lo, a partir do nível de consciência que a frase "em Cristo" tenta descrever. É mais fácil descrever os efeitos dessa experiência do que explicar como ela acontece. É por isso que Paulo, que conheceu a experiência de perto e foi transformado por ela, nos diz: “Se alguém vive em Cristo, nova criatura é; o velho já passou e algo novo apareceu.” (2 Coríntios 5,17)

A ressurreição nos devolve ao mundo com uma visão e compreensão renovadas. A nova criação é uma forma de estar no mundo, liberta das velhas compulsões do vício da violência como forma de resolução de conflitos e dos padrões repetitivos de opressão e exploração que culminaram na crise atual.

O desafio para o cristão contemporâneo é assumir que identificar nossa crise com o mistério cristão não significa que podemos resolver o problema batizando todos. O significado da palavra “missão” mudou para o cristão moderno porque a situação do mundo mudou e para onde ele está indo. Quem assume sua parte na transformação de uma crise sai dela transformado. A identidade cristã também evolui – aliás, enriquece-se e eleva-se – quando arriscamos a nossa fé no encontro concreto com os problemas do mundo.

Colocar-se acima da luta, julgando-se numa posição de superioridade, é acabar com uma mentalidade blindada, um fundamentalismo e exclusivismo que acaba por corroer a fé, porque corrói a compaixão. Acreditar em uma nova criação, em vez de outra criação, significa que podemos ajudar a direcionar a crise coletiva para a esperança e a mudança positiva, em vez de deixá-la cair no desespero e na catástrofe.


Um trecho de “ Dear Friends ”, uma carta de Laurence Freeman OSB, (Boletim de Meditação Cristã, Vol. 35, No. 1 de abril de 2011).



Carla Cooper




Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

REENCARNAÇÃO - UMA VISÃO CABALÍSTICA DO RABINO PHILLIP S. BERG


Há dezesseis anos (quando o texto foi escrito) iniciei a missão de trazer este estudo importantíssimo à atenção da humanidade.

Para meu espanto, no entanto, a minha investigação deste assunto da reencarnação, tão delicado e vital, e a importância de seu lugar na Cabala, logo revelou quão pouco conhecimento a respeito deste assunto estava disponível para o cientista e para o público em geral.

Verifiquei que, quando o assunto da reencarnação surge entre judeus, ainda encontro uma falta de interesse e às vezes uma negação latente de que a reencarnação se relacione, ou tenha qualquer conexão ou relevância para com o judaísmo. Nestes últimos dezesseis anos, encontrei pouco material escrito por cabalistas judeus contemporâneos.

Certamente a academia judaica não ganha créditos pelo fato do Zohar e de trabalhos de autores que estavam realmente informados a respeito do assunto, como o Ari, o Rabino Isaac Luria, e seus volumes, os Portões da Reencarnação e o Livro da Reencarnação, nunca terem sido levados a sério.

Bem afastados da religião, embora completamente ligados à Torá, os assuntos Cabala e reencarnação sempre atraíram a hostilidade tanto de religiosos como de cientistas. Do lado da religião teme-se a "blasfêmia" deste tópico, enquanto os cientistas temem a metafísica, que os leva para fora do alcance de seu ambiente familiar. Com a Teoria da Relatividade de Einstein, e com o exame do mundo subatômico, a ciência pôde alcançar os antigos cabalistas e a Cabala.

A filosofia do século dezessete de Descartes, com uma estrita divisão entre mente e corpo, levou a instituição médica a se concentrar no corpo como uma máquina. De acordo com isso, foi dada maior importância aos aspectos físicos, e o campo da psiquiatria foi relegado a um segundo plano na pesquisa. De uma perspectiva cabalística, a história da humanidade é na verdade uma história de almas que retornam. Realmente, nenhum mistério na longa história de nosso universo é tão iluminador como o comportamento universal e repetido de seus habitantes.

Aprofundamentos que, em última análise, promovem saltos maiores, tiveram efeito muito pequeno no pensamento humano. Será que o nosso padrão mental é realmente diferente do das pessoas da Idade Média? Apesar de mudanças ambientais dramáticas, e mais a síndrome do progresso, terão as necessidades psicológicas humanas realmente mudado ao longo dos séculos? Será que realmente melhoramos, devido ao crescente progresso que continua a se tornar cada vez mais complexo com o passar do tempo?

A reencarnação, junto com o processo de tikun (correção - carma), dirige e dita nossos padrões diários de pensamento, sentimentos e atividades, embora o comportamento humano seja geneticamente controlado até um nível significativo. Bem sei que esta posição desafia a visão convencional da maioria dos cientistas sociais, que afirmam que a cultura e o meio ambiente, e não imperativos relacionados à encarnação, moldam a natureza humana. Há efeitos de longo alcance de nosso espírito humano interno que se estendem às nossas características e determinam as nossas ações externas. Estas são plenamente guiadas e executadas por forças cósmicas relacionadas com a encarnação, prevalecendo momento a momento.

As ações do homem são de fato controladas pelo cosmos, mas apenas na medida em que elas já tenham se manifestado em uma vida anterior. Em outras palavras, se um indivíduo cometeu crimes contra a humanidade em uma encarnação anterior, sua alma encarnada volta e é posta defronte do mesmo tipo de situação com a qual foi desafiada em sua vida passada. Uma pessoa nasce em um momento muito específico e particular no tempo, durante o qual os planetas e signos inter-relacionados do Zodíaco coletivamente canalizam o DNA único (física e mentalmente) que incorpora e abrange o alcance da última vida, assim como as vidas anteriores, que se tornam manifestas agora diante de nós.

Está sendo dada à pessoa uma oportunidade de exercer o livre arbítrio e alterar o cenário do cassete (gravação) de vidas prévias, ou de sucumbir à sua influência. Em essência, o cosmos oferece a oportunidade e o campo de ação para lidarmos racionalmente com o nosso cassete de encarnação. As linhas cósmicas de atividade não são a causa da estrutura pré-determinada do cassete da vida. Isso já foi determinado por vidas anteriores.

No entanto, podemos levantar a pergunta: "Quais as chances de termos sucesso desta vez quando já falhamos em inúmeras vidas prévias?" A resposta se encontra na própria Era Aquariana, na qual merecemos a informação cabalística enorme e profunda, por meio da qual a humanidade tem agora uma chance de vencer. Os pontos de referência negativos criados por nós mesmos nos oferecem uma oportunidade de exercer o livre arbítrio e alcançar a eliminação do Pão da Vergonha*. Obviamente, se essas forças cósmicas negativas não existissem, o homem simplesmente se conformaria com um tipo programado de inteligência que prescreve apenas uma filosofia de compartilhar, nos deixando em um estado que pode ser descrito como robótico. Porém, sendo que as forças cósmicas negativas existem, temos a obrigação e o propósito de indivíduos com livre pensar e livre escolha.

De acordo com a perspectiva cabalística, a história da humanidade é na verdade uma história de almas que retornam.

Até agora, a história demonstrou que a humanidade tem falhado em conseguir ser dona de seu destino. Com os avanços científicos, ficamos cientes de uma atividade interna, metafísica, que parece criar ainda mais incerteza. Vivemos agora uma época de enorme convulsão social, uma época em que os costumes, as tradições e as respostas do passado estão todas em questão.

No entanto, antes de prosseguir adiante, para os que questionam a existência da reencarnação, permitam-me que coloque esta questão. Vamos começar com o versículo de Eclesiastes 1,4: "Uma geração se vai e outra geração vem, mas a Terra continua para sempre." O Zohar nos diz que o que este versículo realmente significa é que a geração que se foi é a mesma geração que vem para substituí-la. Uma pista idêntica pode ser encontrada nas "Dez Falas" (Êxodo, 20,5), quando se afirma: "Os pecados dos pais são lembrados mesmo sobre a terceira e a quarta geração." Isto não implica, como alguns erradamente têm argumentado, que Deus é tão cheio de ira que não se contenta em punir apenas o pecador, mas infligirá também punição pelo pecado sobre os netos e bisnetos inocentes do pecador. Quem poderia racionalmente amar e adorar uma divindade tão cruel e vingativa?

O Zohar revela que a verdade deste versículo é que a terceira e a quarta geração são, na verdade, a geração anterior, com a alma retornando na forma de seu próprio descendente para que possa corrigir os pecados citados como "pecados dos pais". Tais exemplos em apoio do argumento da reencarnação abundam na Bíblia.

O conceito de reencarnação não é de forma alguma exclusivo do Judaísmo. A ideia era prevalecente entre os Índios no Continente Americano. No Oriente, o ensinamento da reencarnação está muito difundido e é de grande influência. É a base da maior parte dos sistemas filosóficos da Índia, onde centenas de milhões aceitam o fato da reencarnação do mesmo modo como nós aceitamos o fato da gravidade como uma força da natureza.

Mas, como qualquer ideia de grande antiguidade, o conceito de reencarnação chegou à maior parte do mundo misturado a uma confusão de superstição e mal-entendimento. A superstição é tão repelente para o modo de pensar ocidental que o valor filosófico da própria ideia da reencarnação caiu em grande descrédito. Recentemente, muitos filmes abordaram a ideia da reencarnação, porque por detrás de todas as fantasias esconde-se uma verdade básica e eterna. De que outra forma a ideia pode ter perdurado por tantos milhares de anos? Como ela poderia ter atraído tantos pensadores hábeis?

A única pergunta que toda a humanidade ainda faz é: se Deus realmente existe, porque há tanta miséria no mundo? Por que criminosos ficam sem punição e os justos passam por tanto sofrimento imerecido? Com demasiada frequência o criminoso fica livre e o inocente é aprisionado. Se todas as almas são iguais ao nascerem, por que os destinos humanos são tão desiguais? Deveremos todos recair na doutrina sem esperança de predestinação? Será tudo uma questão de sorte?

No que diz respeito a este mundo, a igualdade humana é um mito. Somos desiguais mentalmente, espiritualmente e moralmente. Alguns têm corpos fortes e saudáveis; outros são frágeis e doentes.

Em uma criança, apreciamos o desenvolvimento evidente da consciência – a mente e o crescimento desta mente com a passagem do tempo. Na idade avançada, a consciência e a lucidez subitamente desaparecem com a morte do corpo. Quando o instrumento é destruído e a consciência não pode mais se fazer sentir fisicamente, será que isto implica no aniquilamento da mente e da alma? A resposta é não!

A alma do homem não é mais dependente da existência do cérebro do que um músico é dependente da existência de seu violino, apesar de ambos os instrumentos serem necessários para a expressão musical no mundo físico. Somente quando podemos capturar plenamente este ponto de vista podemos começar a nos aproximar do estudo da reencarnação. A consciência humana existia antes do nascimento, e por consciência humana quero dizer a alma. Este é o primeiro fato fundamental da reencarnação.

Minha intenção neste artigo não é provar que a reencarnação é um fato da natureza, apesar de que uma preponderância de evidências dão apoio a tal afirmação. Qualquer um que sinta a necessidade de validação estritamente científica deve perceber que assim que nos aprofundamos no mundo subatômico de nossa existência, descobrimos que a validação estritamente científica de qualquer coisa se torna virtualmente impossível. A mecânica quântica e o agora cientificamente respeitável "Princípio da Incerteza" tomaram conta disso.

Essencialmente, a verificação não está na acumulação de provas mais convincentes da reencarnação, mas mais na persuasão dos cépticos, para que aceitem aquilo que já é sabido. Infelizmente, entre o mundo abstrato da conjetura e o mundo real da experimentação, houve e sempre haverá uma tensão contínua – e às vezes até mesmo conflito, e por causa deste problema o leigo foi deixado de fora, apenas conseguindo alcançar as realidades da Cabala muitos séculos, senão milênios mais tarde.

No entanto, na Era de Aquário, com a doutrina e os princípios da Cabala se tornando tão simples, a ideia da reencarnação está se espalhando fenomenalmente. Da forma como é interpretada pelo Zohar e pelo Leão de Safed, o Rabino Isaac Lúria**, a reencarnação permite à humanidade lidar com as soluções das complexidades da vida. O Ari, o Leão de Safed, afirmou em seu livro "Portões da Reencarnação" que, se um homem não reconhece o fato de encarnação ou encarnações anteriores, a capacidade de atingir o tikun (correção) ou de alcançar um estado de correção não é possível.

Por muitos anos, não fui capaz de estabelecer a relação entre a realização do tikun e o conhecimento de encarnações anteriores. No entanto, com o passar dos anos, se tornou muitíssimo claro que, no tempo de uma vida, nós só chegamos a reconhecer os nossos erros depois que já é tarde demais para se fazer qualquer mudança. Ou estamos velhos demais ou fracos demais, na parte final de nossa vida, seja para alterar o nosso estado de consciência, seja para nos tornarmos conscientes das atividades negativas que foram parte de nossa vida individual em encarnações passadas.

No entanto, se conseguíssemos atingir uma consciência das ações negativas em que incorremos em vidas anteriores, o conhecimento de nossa experiência viria cedo em nossas vidas, nos permitindo ter a energia e a coragem para mudar. Ao longo de várias vidas, o homem pode encarnar em qualquer um dos três reinos inferiores***, a saber, o reino animal, o vegetal e até mesmo o inanimado. O reino no qual encarnamos irá depender de nossa natureza e de nossas atividades negativas.

Tome como exemplo o personagem bíblico Bilaam, que estava decidido a amaldiçoar os israelitas durante a sua jornada no deserto. Ele foi encarnado dentro do reino inanimado para lhe ensinar os efeitos de não prestar atenção para as ações verbais. Confinado a uma pedra, a alma de Bilaam suportou a dor do silêncio. Outros podem retornar como a folha encarnada de uma árvore, para serem incessantemente batidos pelo vento.

Admitimos que, para a mente e cultura ocidental, a tradição da reencarnação irá provavelmente soar muito estranha, uma vez que a característica essencial desta cultura está baseada principalmente em uma visão mecanicista do papel do homem no universo. Não obstante, abrir mão da realidade da reencarnação é fechar uma verdadeira experiência de aprendizado. Quando seguimos o caminho de fazer um exame dos nossos traços de comportamento, e do por quê pensamos do modo como pensamos, com certeza chegamos mais próximos de entender a razão de nosso presente estado e o objetivo de nossa existência.

Assumir que viemos a este mundo sem um motivo é rejeitar a ideia de que o vasto universo veio a existir com uma razão e um sentido. O Ari, o Rabino Isaac Lúria, pode bem estar correto quando afirma que ignorar o fato da reencarnação é permitir que a humanidade exista sem um leme, navegando então à deriva, em caos.

Ignorar a realidade de que a nossa existência, desde o princípio dos tempos, está cheia de imenso caos, nos cega para a necessidade de chegar a soluções. Só um tolo rejeita qualquer oportunidade, principalmente quando o mundo não se tornou um lugar melhor para se viver. Rejeitar as regras e os princípios ou a essência da reencarnação irá conduzir a humanidade em direção a um meio ambiente inaceitável, onde os homens continuam a se devorar uns aos outros, seja por meios pacíficos ou por meios violentos.

Abordar a reencarnação simplesmente afirmando, "Eu sou céptico, me mostre," é frear a natureza inquiridora da mente. Como afirmei anteriormente, este artigo não tem como intenção verificar ou validar o argumento da reencarnação. Este assunto foi amplamente discutido em meu livro "As Rodas da Alma". O objetivo deste ensaio é estimular a nossa consciência adormecida e retornar ao nosso estado mental inquiridor e questionador, como quando éramos criancinhas. Naquela época não tínhamos as limitações e os arreios de uma idade adulta adulterada.

Eu relembro a história conhecida contada pelo Ba’al Shem Tov sobre o assunto da reencarnação. Um dia um aluno veio ao Besht, como ele também era conhecido, e perguntou se ele (o Besht) poderia oferecer alguma ilustração que demonstrasse a existência da reencarnação. Este aluno foi aconselhado a ir para um determinado parque, sentar-se e observar. Depois de se acomodar em um dos bancos do parque, ele observou um homem indo para um banco próximo com uma pequena bolsa na mão. Pouco depois, o homem se levantou e saiu, deixando para trás sua bolsa. Poucos momentos mais tarde outra pessoa sentou-se no mesmo banco. Assim que sentou-se, percebeu a bolsa. Ele a abriu e encontrou uma grande quantia de dinheiro. Apressadamente, fechou a bolsa e fugiu correndo como um ladrão. Um instante depois, um terceiro homem que aparentemente estava muito cansado sentou-se neste mesmo banco. Logo após, o primeiro homem voltou ao mesmo banco procurando por sua bolsa. Assumindo que apenas poucos instantes tinham passado desde que tinha saído daquele banco, ele enfrentou o atual ocupante do banco e pediu que lhe devolvesse a bolsa cheia com seu dinheiro.

O homem, desorientado, respondeu com uma expressão vazia e exclamou, "Do que você está falando? Acabei de chegar aqui." Tomando a resposta de quem assumira ser o ladrão como querendo dizer que ele se recusava a devolver a bolsa com o dinheiro, a vítima começou a bater no suposto ladrão até que ele perdeu a consciência. Frustrado, ele então abandonou o homem agredido e foi embora.

O aluno do Besht ficou em total confusão, e imediatamente voltou para a casa de seu mestre. Ao se encontrar com o Besht, o aluno exclamou que o que ele observara o havia levado a pensar que realmente este mundo nada mais é do que o caos. De fato, o conceito da reencarnação, que tende a criar alguma aparência de ordem no universo, nada mais é do que ilusório. O estudante então relatou o que vira. Um homem está desesperado pela perda de sua bolsa. Outra pessoa se beneficia do infortúnio alheio, e, finalmente, o quadro do caos total, um homem inocente apanha sem razão.

O Besht respondeu que ele não havia captado a implicação plena da cena, que na verdade refletia um incidente entre estes indivíduos em uma vida passada. A primeira pessoa, a quem a bolsa pertencia, havia roubado algum dinheiro do segundo indivíduo, e agora, nesta vida, o segundo homem estava recuperando o que havia sido roubado pelo primeiro na vida anterior.

Então, quem era esta terceira pessoa que foi agredida de forma tão inclemente pela primeira pessoa? O terceiro indivíduo, observou o Besht, havia sido o juiz que não reconheceu nem observou bem os fatos do caso em questão. Tivesse ele sido um juiz com mente e coração puros, nenhum falso julgamento poderia ter ocorrido sob sua jurisdição. As leis naturais e os princípios deste universo, continuou o Besht, regem com acuidade precisa. O reino caótico que parece prevalecer leva o homem a acreditar que não há lei e ordem no universo. O Satan ("oponente" - ego) deixa a humanidade com uma impressão de que a justiça não existe no ambiente que conhecemos. O criminoso passa impune e o inocente normalmente sofre indevidamente. Todavia, se chegamos a uma compreensão das doutrinas de reencarnação, compreendemos porque bebês nascem com defeitos e entendemos diversas ocorrências aparentemente injustas.

É precisamente por esta razão que o Ari declarou que se alguém não tem uma compreensão do efeito de vidas passadas e da necessidade de se fazer correções, é inevitável que esta pessoa sofra as consequências, até quando um tikun (correção - carma) completo tiver sido realizado. O Ari deixa claro que antes que uma pessoa possa saber e submeter-se às leis do tikun, ela deve conhecer a raiz e o lugar de sua alma. Para saber isto, porém, primeiro se deve conhecer a estrutura dentro da qual essa raiz e esse lugar se encontram.

Adão, cujo próprio nome quer dizer ‘homem’, foi o repositório de todas as almas que iriam existir na Terra. Assim, sua própria alma era infinitamente subdivisível. Quando ele pecou no Gan Éden ("Jardim do Éden), o repositório do receptor foi despedaçado e isto foi fragmentado no que os cabalistas chamam de ‘faíscas’, cada uma tão única como a dupla hélice microscópica do DNA que determina cada característica do indivíduo que a recebe. Inteligências que foram uma vez parte do cérebro de Adão encarnam como pessoas inteligentes, cujo trabalho está relacionado com a atividade mental. As forças inteligentes que foram parte dos dedos de Adão foram corporizadas em humanos cujas atividades se relacionam com o trabalho com os dedos, como artesãos e artistas. Assim, cada uma das forças de energia inteligente do perfil de Adão transmigraram com sua fórmula de DNA peculiar e particular, o que explica os diferentes tipos de pessoas que habitam a Terra.

O estudo da reencarnação é o fator singular mais importante para a estabilidade mundial.

Uma das muitas questões que surgem para aqueles que entendem completamente o conceito de reencarnação é por que alguns pais são abençoados com crianças com a sabedoria e a ética de um santo, enquanto outros pais têm crianças imorais e ignorantes. É verdade, estas crianças tem alguma coisa ou muitas coisas a corrigir. No entanto, o que determina para onde e para quem cada uma vai?

Para responder a esta pergunta, para qualquer nascimento no passado ou no futuro, devemos observar uma condição específica em um momento específico do tempo – os pensamentos dos pais durante o ato sexual. Se os pensamentos do homem e da mulher são de pura luxúria, motivados somente pelo desejo de auto indulgência, sua criança irá refletir egoísmo e luxúria, enquanto a criança concebida em um momento de profundo amor e entendimento mútuo irá refletir características positivas. Sendo que cada alma, ao retornar após a morte, deve encontrar um lugar cujas condições sejam similares àquelas há pouco deixadas para trás, os pais virtualmente escolhem sua descendência, como se a tirassem de um catálogo cósmico.

Desta forma, a concepção, variando de uma ira de estupro forçado à delicadeza de se fazer amor da forma correta, irá produzir crianças variando de raivosas a justas. Existem, é claro, exceções à regra. Algumas poucas almas, com o tikun completo, retornam a este plano com uma missão para a humanidade que não tem nada a ver com o seu karma pessoal. Rabi Shimon Bar Yochai, uma faísca encarnada de Moisés, não tinha nenhuma razão de tikun para andar por esta terra há 2000 anos atrás. Mas somente ele poderia ter revelado a sabedoria do Zohar. Da mesma forma, Rabi Isaac Lúria apareceu somente para interpretar o Zohar e divulgar sua sabedoria, ele mesmo uma faísca encarnada de Rabi Shimon Bar Yochai.

Para o homem ou mulher comum, tornar-se pai ou mãe é abrir um canal para uma alma que irá elevar suas vidas ou fazê-los infelizes. É uma perspectiva assustadora, e aqueles que não sabem nada de Cabala ou que rejeitam a reencarnação jogam com suas próprias vidas no ato da procriação. Felizes são aqueles que são almas gêmeas nesta situação, pois as almas gêmeas são de fato um, e estão tão felizes em companhia um do outro que nenhum pensamento a não ser o mais benigno pode entrar durante o ato de se fazer amor.

No Mundo Infinito, todas as almas eram uma. Mas o Zohar nos diz que o Criador dividiu cada uma delas do estado de circuito positivo-negativo, assim criando macho e fêmea. As almas gêmeas são estas duas metades de uma única alma, outra vez unidas, geralmente após errarem por muitas vidas procurando uma pela outra e completando o seu tikun.

Como regra geral, as almas gêmeas podem se encontrar e se casar somente após sua dívida kármica ter sido eliminada. Portanto, poucos no mundo em qualquer dada época estão com sua alma gêmea. Mesmo assim, homens e mulheres se encontram e se casam, e não apenas para a procriação; dos dois sexos, os homens têm maiores dificuldades para completarem o seu tikun. Eles são, talvez, mais obstinados e mais teimosos do que as mulheres, que geralmente atingem a correção da alma com tão pouco quanto uma única vida nesta Terra. Quando as mulheres retornam, com a dívida de tikun corrigida, é normalmente para ajudar um homem que está lutando para corrigir a sua. A ajuda nem sempre é suave. Um homem que repetidamente falhou em atingir a correção da alma pode receber uma mulher que tornará sua vida não muito agradável.

Isto poderia implicar que quando o divórcio e o novo casamento – frequentemente diversas vezes – ocorrem, nenhuma destas uniões é desperdiçada. Cada uma delas era destinada a ensinar ao homem uma determinada virtude, que ele só poderia aprender através do casamento. Mesmo após conquistar a sua alma gêmea, no entanto o homem permanece vulnerável. Se ele leva então uma vida extremamente pecadora, ele poderá ter que voltar a este mundo com o objetivo de cumprir o seu tikun, sem a sua alma gêmea. Mesmo se a lei do tikun liberou a mulher da necessidade de reencarnar, ela pode ter um sentimento tão forte por sua alma gêmea que pode voluntariamente voltar para auxiliá-lo em sua luta pela correção.

É um sábio ditado que diz: "O casamento é como uma fortaleza cercada – aqueles que estão fora querem entrar, e aqueles que estão dentro querem sair." Com a taxa de divórcio para aqueles que se casam alcançando proporções epidêmicas, por que então as pessoas ainda se dão a este trabalho? Já que o casamento desempenha um papel tão importante em qualquer sociedade, é importante entender este papel. As leis cósmicas de reencarnação não podem ser modificadas, e é a falta de conhecimento destas leis que gera tantos dos problemas atuais. O Ari diz que se um homem não consegue entender a sua própria alma e a alma da mulher que ele ama, e se este amor não é baseado no conhecimento da reencarnação e na compreensão mais profunda, não existe uma base sobre a qual o casamento possa ser construído. Um homem deveria ter uma verdadeira compreensão do porquê estar com determinada mulher nesta vida. É dentro do vácuo criado pela falta de entendimento que as relações extra conjugais, tão comuns hoje em dia, têm suas raízes.

Quais as possibilidades de ter sucesso desta vez quando já falhamos em inúmeras vidas anteriores?

Não podemos esconder a instabilidade e a falta de devoção que acomete a maioria dos casamentos modernos. Um verdadeiro casamento entre almas gêmeas é quando o amor incondicional é o fundamento da união. O alto nível de amor incondicional não pode ser trazido à existência sem um amplo entendimento de reencarnação. O Zohar afirma que nenhum relacionamento humano mais profundo é resultado do acaso. David e Bat Sheva foram resultado direto de um processo de tikun que foi estabelecido na época da criação do mundo. Um casamento onde os parceiros simplesmente não conseguem suportar estarem um sem o outro o tempo todo é um exemplo de almas gêmeas em seu grau mais elevado. A harmonia do universo inteiro é mantida por este equilíbrio. O estudo da reencarnação é o fator singular mais importante para a estabilidade mundial.


Notas (deste blog):

* Pão da vergonha significa uma sensação desagradável que se sente ao receber alguma coisa boa, sem porém ter feito nada para merecer aquilo. Embora seja agradável receber, algo fica faltando.

** Um homem revolucionou a Kabbalah no século XVI: Rav Isaac Lúria, o Ari, também chamado de Leão Sagrado, o Leão de Safed. Foi um dos grandes estudiosos da Kabbalah do século 16. Viveu apenas dois anos em Safed, para onde mudou-se atendendo a determinação do profeta Eliahu (Elias). Seus ensinamentos foram divulgados através das obras de seu fiel discípulo, rabino Chaim Vital. Após a expulsão dos judeus da Espanha (1492) e da Provença, na França, muitos sábios dirigiram-se para Safed, na região da Alta Galileia, uma das quatro cidades sagradas do Israel antigo.

*** Metempsicose é o termo genérico para transmigração ou teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro, seja este do mesmo tipo de ser vivo ou não. Essa crença não se restringe à reencarnação humana, mas abrange a possibilidade da alma humana encarnar em animais, vegetais ou minerais. (Wikipédia) Grande parte da oposição a essa teoria vem do fato de admitir-se que haveria uma involução da consciência a um reino "inferior" ao humano. Ensinam os proponentes dessa teoria que o fato de estarmos encarnados num ser não humano não modifica o nível de consciência ou evolução já atingido. O que ocorre é apenas uma sensação-correção momentânea. Por exemplo, estar sentindo-se imobilizado como uma pedra. O sentir-se imobilizado não significa que ele involuiu, pois a imobilização momentânea é apenas uma consequência de algum ato anterior cometido, e que deve ser sentido para uma correção, embora isso possa ser corrigido numa reencarnação humana também.



Rav Dr. Phillip S. Berg




Fonte: Centro de Cabala
https://kconline.site/tkc/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/al%c3%a9m-morte-vida-ap%c3%b3s-a-morte-744753/

quarta-feira, 22 de março de 2023

CINDERELA - UMA ESTÓRIA SOBRE PODER E DESEJO


A maioria de nós deve conhecer a estória de Cinderela.

Sob a perspectiva Cabalística, a aflição mais séria de Cinderela no começo da estória é a extinção de todo o desejo. Bastante simples. Cinderela não quer nada porque acredita que não merece nada. Ela foi transformada em escrava em sua própria casa, e nem sequer a mais fraca centelha de rebelião faiscou em seus pensamentos, palavras ou ações.

É interessante refletir que, em algumas tradições espirituais, uma pessoa assim poderia ser chamada de santa, pois nela os desejos naturais do ego foram completamente apagados a favor do serviço para outros. E nesta visão, a natureza má desses “outros” - a madrasta e as irmãs adotivas - somente elevaria a categoria espiritual de Cinderela.

Trabalhar para o bem e para pessoas bondosas seguramente seria mais fácil, contudo em sua abnegação, ela serve até mesmo suas cruéis senhorias com um sorriso. Mas enquanto a ausência de desejo de Cinderela poderia ser admirável para certas denominações de monges, ermitões, faquires e eremitas, a Cabala discorda.

A Cabala ensina que existem diferentes categorias de desejo. Por exemplo, o Desejo de Receber para Compartilhar é uma categoria de desejo espiritualmente mais desenvolvida do que o Desejo de Receber para Si Mesmo; mas os Cabalistas igualmente afirmam que qualquer desejo é melhor que nenhum. Desejo não é só o que faz o mundo girar; ele também atrai a Luz do Criador dos Mundos Superiores para nosso próprio mundo de realidade física - e a presença da Luz do Criador torna possível o crescimento espiritual que é o verdadeiro propósito de nossas vidas. Por isso, enquanto não deseja nada, Cinderela nada obtém.

O redespertar do desejo em Cinderela se processa em várias fases durante a estória. Considerada individualmente, cada fase parece terminar em decepção e derrota. Mas no contexto do conto como um todo, até mesmo os obstáculos são degraus para a transformação final, e isto também está de acordo com ensinamentos Cabalísticos. Quando, por exemplo, os ratos criam um vestido de baile para Cinderela feito de materiais furtados dos guarda-roupas das irmãs malvadas, o empreendimento termina em desastre. As irmãs adotivas rasgam o vestido da pobre Cinderela. Mas indo além da crueldade das irmãs, não podemos deixar de perceber o fato de que elas estão corretas na acusação de que o vestido foi roubado, embora peça por peça. Espiritualmente falando, este não é o vestido que Cinderela deveria usar - e se ela o usasse para o baile, o crescimento de sua alma seria bloqueado em vez de realizado.

Similarmente, a perda do vestido e da carruagem providenciada pela Fada Madrinha é dolorosa. Mas é uma perda que move Cinderela para mais perto da percepção de que ela deve reconhecer ativamente seus próprios desejos e entrar em ação por si, só para realizá-los.

Ao longo da estória, Cinderela muda de uma pessoa na qual foi extinta a chama de desejo - para uma que sente desejo, mas depende de outros para agirem por ela - para uma personalidade que reconhece seu desejo e faz tudo o que pode para satisfazê-lo. Somente no momento em que Cinderela está mais impedida de fazer de fato qualquer coisa (ela foi presa em uma torre pela madrasta má) é que ela finalmente experimenta desejo forte o bastante para fazer alguma coisa.

A transformação está em todos os lugares na criação, e a mudança de Cinderela – de uma criada entorpecida para uma ardente perseguidora da liberdade - é apenas um exemplo de transformação na estória.

Também há a transformação das circunstâncias dela de riqueza para pobreza, e para riqueza novamente; de uma abóbora em uma carruagem, e vice-versa; de sucatas e sobras em um vestido de baile, e assim sucessivamente.

A transformação está em tudo, inclusive aqui, onde um conto de fadas foi transformado em uma janela para a percepção de um importante aspecto da sabedoria Cabalística: O desejo é a energia bruta da transformação.


Rav Phillip S. Berg



Fonte: Kabbalah Group
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/transporte-cinderela-conto-de-fadas-3938721/

quarta-feira, 15 de março de 2023

NOS DESERTOS DA VIDA


No dia em que você mais precisa de Deus, achando que Ele está triste porque você errou novamente, na verdade, Ele está alegre, pois a consciência está chegando. Naquele dia, exatamente naquele dia em que você fez tudo errado, está com vergonha de si e, se pudesse, nem sequer olharia para o próprio rosto no espelho, lembramos mais uma vez Paulo quando nos diz: “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Romanos 5:20).

A misericórdia de Deus é muito maior que o nosso merecimento, que é quase nenhum, e a graça dEle nos basta, porque o poder dEle se aperfeiçoa em cada fraqueza nossa. Que nenhuma fraqueza nossa nos impeça de caminhar na direção do Senhor, nos impeça de orar, de falarmos diretamente ao coração do Pai – afinal, muitas vezes nossas dificuldades, arestas e falhas nos fazem entrar num estado de culpa, e diversas vezes, por isso mesmo, nos negamos a orar, a falar com Ele, sentindo-nos mais imerecedores ainda do que realmente somos na nossa pequenez. No entanto, que nossa pequenez nunca seja obstáculo para a prece, mas, ao contrário, que o diagnóstico que fazemos de nossas misérias morais, de nossas falhas, nossas angústias, seja o motivo para orarmos cada vez mais intensa e incessantemente. Que possamos orar como quem respira, a cada instante, usando cada brecha do dia para falar com Deus. E, quando estiver sem condições de fazer uma prece sequer, ouça uma música de louvor a Deus, leia livros que o lembrem do amor de Deus, converse com aqueles que testemunham, em suas vidas, o amor do Criador, de modo a mantê-lo constantemente em comunhão com o Altíssimo.

Lembremos que, mesmo quando nos sentimos infantilmente abandonados, qual o homem que questiona Jesus na clássica história de autoria desconhecida, “Pegadas na areia”, é a hora em que mais estamos acolhidos.


Rossandro Klinjey



Fonte: do livro "O Tempo do Autoencontro - como fortalecer-se em tempos difíceis e vencer os desertos da vida", São Paulo, Ed. Planeta, 2020
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

A DEVOTA ESCUTA


A leitura dos monges era uma leitura lenta, calma, ruminada, saboreada, alheia a qualquer interesse estranho à mesma leitura... Sempre, no fundo, a única coisa que procuravam era um contacto íntimo com a palavra de Deus, vivo e revigorante... os olhos viam o texto escrito, os lábios o pronunciavam, os ouvidos o escutavam. E a palavra de Deus impregnava cada vez mais o monge leitor. A "Lectio Divina" não tinha um propósito científico ou literário, nem era considerada uma atividade puramente intelectual.

Não se tratava de especular, ao estilo dos filósofos, mas de aprender a viver melhor. Para fazer isso, eles primeiro atentavam ao significado óbvio e literal da Escritura: tudo o que o texto sagrado ensina e se refere era objeto de sua mais devota consideração. Mas eles não se contentavam com isso, mas investigavam com vivo interesse o significado espiritual, íntimo, magnífico e oculto que, segundo a convicção geral daqueles tempos, cada página da Sagrada Escritura contém, cada uma de suas palavras.

Só Deus pode revelar os significados estupendos que se ocultam sob a letra, os fatos e as imagens materiais do texto sagrado, e Deus os revela apenas às almas puras, aos homens espirituais. Sua doutrina... é clara e insistente. Mas a letra estimula a curiosidade e instiga o espírito a buscar as realidades sobrenaturais que ela esconde, a elevar-se ao patamar superior das ideias, dos mistérios inefáveis. Além de seu significado óbvio, as palavras da Escritura têm uma vasta ressonância espiritual, um incrível poder de evocação, que deve ser compreendido...



García Colombás



Fonte: Parágrafos retirados de “El monacato primitivo”, Ed. BAC
Via Blog El Santo Nome
https://elsantonombre.org
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/rezar-b%c3%adblia-leitura-da-b%c3%adblia-5406270/

DESCOBRINDO VERDADES ESSENCIAIS


Vivei uma vida intensa, porque ela é que vos revelará em cada dia novas verdades. Perguntar-me-eis: «Como é que se pode fazer descobertas dentro de si mesmo? Lendo e estudando, é certo. Mas sozinho, em si próprio, poder-se-á descobrir verdadeiramente alguma coisa?» Sim, graças à vida intensa, isto é, à verdadeira vida espiritual, descobrireis as verdades essenciais relativas ao homem e ao Universo! Jamais descobrireis essas verdades se elas não tiverem a sua origem em vós, se não as tiverdes vivido. É claro que elas podem ser-vos reveladas por um ser que amais e em quem confiais; no entanto, tereis de experimentar vós mesmos essas verdades. Se as pessoas estão mergulhadas na incerteza, na dúvida, é porque procuraram a verdade por uma via exterior, da qual nunca poderão estar seguras. Só a via interior torna a dúvida impossível. Se a seguirdes, mesmo que queirais duvidar, não conseguireis!



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

AS RAÍZES DA MEDITAÇÃO CRISTÃ


[...] aspectos essenciais da meditação (cristã). Eles foram todos baseados nos ensinamentos da Igreja primitiva e, especialmente, nos ensinamentos de Evagrio Pôntico, o mestre de João Cassiano, um dos mais influentes Padres do Deserto.

Mas o que levou os primeiros cristãos a se retirarem para o deserto no século IV dC, inicialmente em torno de Alexandria e depois para a Palestina e a Síria? Era o desejo de levar uma vida autenticamente cristã baseada nos ensinamentos de Jesus e, portanto, na oração contemplativa profunda. Mas seguir verdadeiramente a Cristo também era visto como segui-lo até a morte: o "martírio" era uma motivação importante. Em “A vida de Pacômio” descreve o efeito que os mártires tiveram na fé dos cristãos e na vida que eles queriam levar: “a fé aumentou muito nas igrejas de todas as terras, e mosteiros e lugares para ascetas começaram a aparecer porque aqueles primeiros monges tinham visto o sofrimento dos mártires”.

Desde que Constantino adotou o cristianismo, a perseguição cessou. Aqueles que optaram por se retirar para o deserto decidiram ir para lá e renunciar a tudo o que era considerado essencial na vida – família, casamento, propriedade, um papel ativo na sociedade – como um martírio alternativo, um martírio “branco”, em oposição ao “vermelho”, martírio dos verdadeiros mártires. Além disso, Constantino destinou dinheiro para construir igrejas e sustentar financeiramente os bispos, fato que mudou o caráter da Igreja naqueles primeiros tempos.

São João Crisóstomo expressou sua consternação com bastante força em suas “Homilias em Éfeso”: “Abundantes pragas de males secretos caíram sobre as igrejas. Os centros principais tornaram-se mercados. Riqueza excessiva, imenso poder e luxo estão destruindo a integridade da Igreja.

Alguns cristãos comprometidos não apenas ficaram perturbados com a mudança de postura do cristianismo, mas também ficaram horrorizados com a crescente decadência da sociedade: "A sociedade era considerada (pelos Padres do Deserto) como um naufrágio do qual cada indivíduo tinha de escapar para salvar-se.” (Thomas Merton)

Este foi mais um estímulo para que se pusessem a viver a mensagem bíblica na solidão do deserto egípcio tendo como regra de vida a frase de São Paulo: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação das vossas mentes.” (Romanos 12.2)

No entanto, a necessidade de se retirar e intensificar a prática espiritual não foi apenas uma reação à situação em que se encontravam os primeiros cristãos; também parece ser um desenvolvimento natural que ocorre ao longo do tempo.

Este importante renascimento da oração contemplativa cristã (a necessidade de se retirar e intensificar a prática espiritual) durou quase dois séculos nos desertos do Egito, Palestina e Síria. Foi João Cassiano quem a introduziu no Ocidente no início do século V. Fundou dois mosteiros em Marselha, no ano 415, um para mulheres e outro para homens.

Através de suas obras "Instituições Cenobitas" e "Conferências" transmitiu seu conhecimento e experiência sobre as primeiras comunidades cristãs do deserto e o que aprendeu, especialmente com Evagrio Pôntico. Foi nos escritos de João Cassiano que Fr. John Main OSB encontrou a meditação: uma disciplina para acalmar a mente com a repetição de uma breve fórmula ou frase de oração (Salmo 69). Mais tarde, São Bento citou João Cassiano com frequência em sua "Regra" e encorajou seus monges a ler diariamente as Conferências de Cassiano. Mas no final do século VI, essa prática que leva à contemplação passou à clandestinidade durante a Idade das Trevas que precedeu a migração de grupos germânicos e a dissolução do Império Romano do Ocidente. Tornou-se domínio exclusivo de alguns místicos, florescendo e se espalhando um pouco mais durante certos períodos de turbulência e insegurança. Até que em nosso século, Fr. John Main OSB redescobriu esse caminho de oração e o divulgou como adequado para todos.

No entanto, no Oriente, este caminho de oração continuou a alimentar a espiritualidade da Igreja Ortodoxa. Os ensinamentos dos monges do deserto do quarto século, escritos por Evagrio Pôntico e Diadoco de Fótice, entre outros, continuaram a exercer grande influência, especialmente sua exortação para "orar continuamente" repetindo uma frase curta. Essa forma contemplativa de oração foi inicialmente conhecida como “Oração do Nome”; mais tarde, como a “Oração do Coração” e, eventualmente, tornou-se a “Oração de Jesus”.

As origens da própria “Oração de Jesus” remontam aos Evangelhos:

O cego Bartimeu grita e repete: "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!" (Marcos 10,47) e o publicano que diz "Ó Deus, tem piedade de mim, pecador!" (Lucas 18, 10-14), é elogiado por Jesus.

Os teólogos mais famosos que ensinaram a “Oração de Jesus” foram: São Simeão, o Novo Teólogo (século X), São Gregório Palamás (século XIV), São Nicodemos da Montanha Sagrada e São Serafim de Sarov (século XVIII) e São Teófano, o Recluso (século 19).

A “Oração de Jesus” foi trazida por missionários gregos para a Rússia, onde no século 20 a tradução da “Filocalia” e do clássico anônimo do século 19 da espiritualidade ortodoxa russa “O Peregrino Russo” voltou a chamar a atenção ocidental para esta forma de rezar. Fr. John Main OSB, viu-a como uma forma de orar pelas pessoas comuns, em todas as esferas da vida, em vez de se restringir a alguns místicos.

É bonito ver como da mesma fonte, a Espiritualidade do Deserto e especialmente os ensinamentos de Evagrio Pôntico, surge uma forma de oração que atualmente é considerada pelo cristianismo ocidental e oriental como uma verdadeira forma de oração para os cristãos comuns.


Kim Nataraja




Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/deserto-panorama-p%c3%b4r-do-sol-duna-2774945/

terça-feira, 14 de março de 2023

REENCARNAÇÃO: OPORTUNIDADES PARA O EXERCÍCIO DO AMOR INCONDICIONAL


A reencarnação é uma bênção para o crescimento do espírito imortal, descanso entre refregas, refazimento entre estágios evolutivos, aula de imortalidade ante o infinito das múltiplas experiências.

Enquanto estagias sobre o terreno das provas e expiações do planeta, jungido ao corpo mais denso que arrastas sob o efeito da gravidade, exercita-te no aprendizado contínuo para voos mais altos. As lições da dor e do sofrimento, da angústia e da tristeza, bem como as experiências da alegria e da saúde, da riqueza e do êxito são memórias que guardamos para além do corpo somático que logo entregarás à natureza.

Ao mesmo tempo em que para muitos espíritos, a reencarnação é a bênção do esquecimento do passado doloroso, torna-se para outras almas viajantes da eternidade, um excelente exercício para as manifestações do amor incondicional que bafeja de esperança e de luz por muito tempo, como ecos da realidade imorredoura aos que ainda jazem adormecidos.

Seja como momento de esquecimento, de refrega, de pausa ou de lutas acerbas, vale-te dessas horas que passam céleres, fagueiras como oportunidades únicas de tua felicidade. Estejas onde estiveres, em qualquer tempo, reflete tua luz interior! Ama um pouco mais! Silencia nas horas necessárias para ouvir as vozes interiores e escutar o Verbo Divino que ecoa sempre!

A vida na Terra é muito curta diante a eternidade, mas preciosa para as lições que diariamente somos chamados a vivenciar. Enquanto libertos do corpo, além das paisagens corpóreas, vislumbramos outros horizontes. No entanto, aguardamos ansiosamente o retorno ao gládio terreno, a fim de demonstrar nossas lições anteriormente aprendidas, nossos valores da imortalidade.

Utiliza-te dos horários disponíveis para o refúgio da prece. Alimenta-te de esperança sempre, confiando em Deus. Revigora tuas energias e busca superar as lições do sofrimento, libertando-te para mais alto.

Através desse recurso divino, os viajores cansados da luta renovam as esperanças e prosseguem. Faze também tu o mesmo.

Esperança, sempre!



Robson Santos / Irmã Diva




Fonte: Jornal "Vórtice", ano 3, nº 6, novembro/2010, Aracaju/Sergipe
jvortice@gmail.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

FOCO NO REAL


O propósito de toda religião é focar nossa atenção no Centro Divino e iluminar nossa atenção com o conhecimento de que esse centro é a fonte de todo Amor, de toda Vida. O que nossa tradição religiosa nos ensina é que somente pelo contato e pela contemplação é que neste centro divino o homem é capaz de ser verdadeiramente ele mesmo. Em outras palavras, é apenas focando no divino que podemos nos concentrar em nós mesmos.

A busca que toda religião propõe é para nos guiar à busca do real. Toda verdadeira religião lida com a realidade, e a sabedoria que prova a autenticidade da religião é simplesmente o dom de distinguir ilusão e realidade. A sabedoria é adquirida concentrando todo o nosso ser, com toda a nossa atenção, no centro divino.

Este é o centro da consciência que se encontra ao mesmo tempo, tanto em nossos corações quanto além de nós, nas profundezas de Deus. É esse ato de concentração que leva à sabedoria e ao conhecimento do que é importante na vida. Esse conhecimento não é estático. Capacita-nos constantemente nas diversas situações da vida para poder distinguir o que é sério e o que é essencial do que é trivial e frívolo; distinguindo o que passa e o que dura.

A sabedoria é a capacidade de focar no real e rejeitar a ilusão, ou pelo menos identificar a ilusão como ilusão: como trivial, transitória, superficial e bidimensional.

O homem verdadeiramente espiritual é a pessoa que tem um foco profundo, que pode ver as coisas em seu relacionamento interdependente porque tudo pode ser visto em relação ao centro divino. Precisamos desta sabedoria e absolutamente precisamos dela se quisermos viver nossas vidas de forma plena, sincera, séria e com amor. Acima de tudo, para viver nossas vidas com amor devemos estar em contato com o amor como o centro do nosso ser.

A tradição a que me refiro é a que nos convida a entrar nesta sabedoria e que nos ensina que para entrar nela devemos aprender a ser recolhidos. Devemos nos recolher, devemos estar atentos, lembrar quem somos, onde estamos e porque estamos. Devemos encontrar a paz interior, a paz em nossas vidas. Essa paz é consciente, é saber o que é que nos permitirá começar a focar no centro divino, o centro por onde tudo flui. Meditar é nos colocar em harmonia com o que flui da vida por Ele, com Ele e nEle.



Fr. John Main, OSB




Fonte: do livro "O Coração da Criação", Canterbury Press, 2007
Traduzido para o espanhol por Lucía Gayón, e para o português por este blog.
PERMANECER EN SU AMOR - Coordenadora: Lucía Gayón - Ixtapa, México
www.permanecerensuamor.com - permanecerensuamor@gmail.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

ANIMAIS NAS OBRAS DE ANDRÉ LUIZ


André Luiz é explícito, no seu livro “Nosso Lar” no que diz respeito à presença naquela colônia espiritual de animais desencarnados.

Não iremos pensar, portanto, que esses seres não são utilizados para atividades no umbral, uma vez que aquela colônia está localizada nessa região.

O emprego de animais desencarnados em atividades socorristas no umbral faz parte da rotina das equipes de resgate.

Não será qualquer família animal que se prestará a esse tipo de trabalho, mas sim aquelas adequadas, como os grandes felinos, os cães de porte avantajado etc.

André Luiz evitou estender-se em detalhes, esclarecemos aqui aos prezados leitores, porque, mesmo restringindo-se ao mínimo, Chico Xavier foi taxado por muitos confrades como obsidiado, tão logo surgiram os livros da série “Nosso Lar”, segundo afirmou Yvonne do Amaral Pereira.

Imagine-se se relatasse aspectos reais do que viu e viveu na sua passagem pelo umbral e nos trabalhos socorristas de que participou posteriormente, sendo certo que muitos recusariam sumariamente seus livros e nenhum resultado se obteria com seus relatos.

Mas é necessário que as revelações continuem, pois a progressividade da Verdade obriga sempre a alguém se expor publicamente para identificá-la aos olhos atônitos da maioria, que vive a rotina do ganha-pão e da religiosidade primária.

André Luiz descreve uma cidade localizada nas trevas. Atentemos para alguns aspectos, principalmente a referência a animais. A narrativa, neste ponto, refere-se aos arrabaldes da mencionada urbe:

“Que empório extravagante era aquele? Algum país onde vicejassem tipos sub-humanos? Eu sabia que semelhantes criaturas não envergavam corpos carnais e que se congregavam num reino purgatorial, em beneficio próprio; entretanto, vestiam-se de roupagens de matéria francamente imunda. Lombroso e Freud encontrariam aí extenso material de observação. Incontáveis tipos que interessariam, de perto, à criminologia e à psicanálise.

Vagueavam absortos, sem rumo. Exemplares inúmeros de pigmeus, cuja natureza em si ainda não posso precisar, passavam por nós, aos magotes (bandos). Plantas exóticas, desagradáveis ao nosso olhar, ali proliferam, e animais em cópia abundante, embora monstruosos, se movimentavam a esmo, dando-me a ideia de seres acabrunhados que pesada mão transformara em duendes.

Becos e despenhadeiros escuros se multiplicavam em derredor, acentuando-nos o angustioso assombro.”

Mais adiante, identificando a região central da metrópole, diz (atentemos para a menção a animais):

“Subimos, dificilmente, a rua íngreme e, em pequeno planalto, que se nos descortinou aos olhos espantadiços, a paisagem alterou-se.

Palácios estranhos surgiam imponentes, revestidos de claridade abraseada, semelhante à auréola do aço incandescente. Praças bem cuidadas, cheias de povo, ostentavam carros soberbos, puxados por escravos e animais.”

No episódio do maravilhoso reencontro entre Matilde e Gregório, André Luiz relata a chegada do terrível obsessor (atentemos para a utilização de animais):

“Alguns minutos se desdobraram apressados e Gregório, com algumas dezenas de assalariados, surgiu em campo, investindo-nos com palavrões que se caracterizavam pela dureza e violência. Os recém chegados apareceram acompanhados de grande cópia de animais, em maioria monstruosos.”

Agora, os leitores podem formar uma ideia clara sobre a utilização de animais desencarnados para o bem e para o mal.

Concluiremos por informar que a responsabilidade perante a Justiça Divina pela utilização boa ou má desses nossos irmãos e irmãs ainda não adentrados na fase da racionalidade recai sobre quem lhes emprega a energia psíquica, pois eles próprios não podem responder pelos atos que são levados a praticar.

Assim como quem transforma um cão em verdadeira fera responde por isso, todo desvio que se imponha a outros seres fica por conta do indutor.

Se apresentou-se à nossa vidência um leão como nosso companheiro nos trabalhos de socorro espiritual é porque nossa afinidade com essa família animal vem da época em que vivenciamos essa realidade na trajetória evolutiva.

“Com a Supervisão Celeste, o princípio inteligente gastou, desde os vírus e as bactérias das primeiras horas do protoplasma na Terra, mais ou menos quinze milhões de séculos, a fim de que pudesse, como ser pensante, embora em fase embrionária da razão, lançar as suas primeiras emissões de pensamento contínuo para os Espaços Cósmicos.” (André Luiz)

“Cada espécie de seres, do cristal até o homem, e do homem até o anjo, abrange inumeráveis famílias de criaturas, operando em determinada frequência do universo. E o amor divino alcança-nos a todos, à maneira do sol que abraça os sábios e os vermes. Todavia, quem avança demora-se em ligação com quem se localiza na esfera próxima. O domínio vegetal vale-se do império mineral para sustentar-se e evoluir. Os animais aproveitam os vegetais na obra de aprimoramento. Os homens se socorrem de uns e outros para crescerem mentalmente e prosseguir adiante...” (André Luiz)

Alguém duvida de que tais animais estejam ligados, desde tempos imemoriais, a determinadas pessoas, tanto quanto Jesus mantém um elo afetivo em relação a cada um dos seres que habita a Terra? Sejamos razoáveis e de “mente aberta”. Tudo que é novidade para certas pessoas, apesar de conhecidas de outras, costuma assustá-las e descartam essas realidades, normalmente, pelo receio de “ficarem mal vistas”. Há, realmente, animais desencarnados ligados afetivamente a seres humanos reencarnados, tanto quanto esses animais estão ligados afetivamente aos animais afins reencarnados: o que isso tem de estranho? E esses espíritos sub-humanos podem ajudar seus “protetores” humanos reencarnados, pois sim! Assim é que há quem os invoque mentalmente e receba auxílio de várias maneiras construtivas, dentro das possibilidades desses espíritos em evolução, que também se tornarão “perfeitos, como vosso Pai, que está nos Céus, é Perfeito”.

Desde a mais remota Antiguidade isso é conhecido, daí surgindo a crença nos “deuses” e “deusas” representados por animais, como, por exemplo, no Egito Antigo.



Luiz Guilherme Marques



Fonte: do livro "Os Felinos sob a Ótica Espiritual"
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/olhos-de-gato-gato-preto-procurando-2944820/

NOSSO VERDADEIRO SER


“Os caracóis não sabem que são caracóis” - título de um romance de Nuria Roca - poderia servir para apontar uma diferença fundamental entre animais e seres humanos que sabem o que somos. Mas não é fácil chegar ao conhecimento do nosso verdadeiro ser e, menos ainda, percebê-lo em cada um de nós, apesar da sua importância para nos tornarmos plenamente humanos. Uma razão para se ter em mente é que os seres humanos se debatem entre dois extremos: agir a partir de nosso ego ou de nosso verdadeiro ser.

O ego, na verdade, não tem identidade ou vida própria, e tem muito a ver com a imagem que cada pessoa tem de si; um "fantasma" que se recusa a desaparecer e morrer, baseado na procura e acumulação: aceitação dos outros (aparência, fama); nível econômico (ter); e status social (poder), com a vã ilusão de que com isso poderia alcançar a imortalidade que inutilmente almeja.

Somos seres humanos ou, como dizia Theillard de Chardín, “seres espirituais com uma dimensão temporal humana”. Portanto, somos tanto mais humanos quanto mais conscientes nos tornamos de nossa dimensão espiritual. [...] a consciência é definida como "a capacidade do ser humano de perceber a realidade e se reconhecer nela". E, como essa é a nossa realidade, podemos nos reconhecer e agir nela e a partir dela. Qualquer um pode se considerar ateu, é uma opção tão aceitável quanto a do crente; mas quem nega sua dimensão espiritual comete um grave erro conceitual que lhe dificultará saber quem é.

Mas como saber se agimos a partir do ego ou a partir do nosso verdadeiro ser? Se estamos tristes (o que não é o mesmo que sentir pena de algo específico que nos aconteceu), pode ser um sinal claro de que estamos agindo a partir do ego. Se alguém nos é insuportável a ponto de “revoltar nossas entranhas”, estamos agindo a partir do ego. A psicologia já nos adverte através da "identificação projetiva" que não há nada que nos cause mais rejeição do que observar em outra pessoa um defeito que não aceitamos em nós mesmos. Como consequência, projetaremos nossa fraqueza rejeitada no outro, tornando-o insuportável. "Tudo que é criticado cai por cima", diz o velho ditado; não como consequência da crítica em si, mas porque o que nos move a fazê-lo é o nosso ódio ao que estamos criticando no outro. Da mesma forma - independentemente de qualquer desordem - se nossa vida deixa de fazer sentido, se somos movidos pela inveja ou ressentimento ou ódio etc., ou se somos invadidos por um medo irracional, ou dominados pela obsessão de encontrar segurança, também estamos a serviço do nosso ego que não suporta a incerteza.

O ego quer: transformar pedras em pão (corrupção, ganância, ter); lançar-se do pináculo do templo e sentir o aplauso dos outros por sua coragem (aparência, fama); e possuir sem limite (ter).

Quando agimos a partir do nosso verdadeiro ser, as consequências são: paz, compaixão e compreensão dos outros; a ausência de julgamentos, inveja, ódio ou ressentimento; autoconfiança, desde que agimos de acordo com quem realmente somos; a ausência de medo da vida, com a qual fluiremos aceitando o que vier, simplesmente porque veio. A mãe de uma amiga minha costumava dizer: “o que vem depois é conveniente. E por que é conveniente? Porque vem." Até mesmo em um recente anúncio publicitário, uma canção italiana, diz: Non ti preoccupare, quello che arriva dovrebbe arrivare (Não se preocupe, o que chega é o que tinha que chegar).

Do nosso verdadeiro ser desaparece também o medo da morte, porque ele nunca morrerá. É a vida, a consciência, o mistério que nos habita que, assim como no caso do ego, o perceberemos por seus efeitos sobre nós quando agirmos a partir dele e quando entrarmos nas profundezas de nós mesmos, apaziguando a tagarelice de nossa mente e sua eventual aliança com o ego.


Ignacio Gallego Cubiles



Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O PRINCÍPIO DA EVOLUÇÃO ESTÁ NA VONTADE


É pela vontade que dirigimos nossos pensamentos para um objetivo preciso. Na maioria dos homens, os pensamentos flutuam sem parar. Sua mobilidade constante, sua variedade infinita oferecem pequeno acesso às influências superiores. É preciso saber se concentrar, colocar seu eu em sintonia com o pensamento divino. Então se produz a fecundação da alma humana pelo Espírito Divino que a envolve e penetra, a torna apta a realizar nobres tarefas, prepara-a para a vida no além, cujos esplendores entrevê enfraquecidamente desde este mundo. Os Espíritos elevados vêem e ouvem entre si os pensamentos que são harmonias penetrantes, enquanto os nossos são, na maioria das vezes, apenas discordância e confusão. Aprendamos a nos servir de nossa vontade e, por ela, a unir nossos pensamentos a tudo o que é grande, à harmonia universal, cujas vibrações enchem o espaço e embalam os mundos.

A vontade é o maior de todos os poderes. Em sua ação, ela é comparável a um ímã. A vontade de viver, de desenvolver em si a vida, atrai para nós novos recursos vitais. Está aí o segredo da lei de evolução. A vontade pode agir com intensidade sobre o corpo fluídico, ativar suas vibrações e, dessa forma, apropriá-lo a um modo sempre mais elevado de sensações, prepará-lo para um estágio mais alto de existência.

O princípio de evolução não está na matéria; está na vontade, cuja ação se estende tanto à ordem invisível das coisas quanto à ordem visível e material. Essa é simplesmente uma consequência daquela. O princípio superior, o motor da existência, é a vontade. A Vontade Divina é o grande motor da vida universal.

O que importa acima de tudo é compreender que podemos realizar tudo no domínio psíquico. Nenhuma força permanece estéril quando se exerce de um modo constante, visando a um objetivo coerente com o direito e a justiça.

É o que se dá com a vontade; ela pode agir igualmente no sono e na vigília, porque a alma corajosa, que estabeleceu para si mesma um objetivo, procura-o com tenacidade em ambas as fases de sua vida e determina assim uma corrente poderosa que mina lenta e silenciosamente todos os obstáculos.

Com a preservação dá-se o mesmo que com a ação. A vontade, a confiança, o otimismo são outras tantas forças preservadoras, outras tantas muralhas opostas em nós a toda causa de problema, de perturbação interior e exterior. Bastam, às vezes, por si sós, para desviar o mal, enquanto o desânimo, o temor, o mau humor nos desarmam, nos expõem a ele sem defesa. O simples fato de olhar de frente o mal, o perigo e a dor, e a resolução de afrontá-los, de vencê-los, diminuem-lhes a importância e o efeito.


Léon Denis



Fonte: do livro "O problema da Dor"
Tradução de Renata Barboza da Silva & Simone T. Nakamura Bele da Silva
Ed. Petit, São Paulo, 2000
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal