sexta-feira, 26 de abril de 2013

A NOBREZA DAS VERDADES


A formulação dos ensinamentos do Buda mais comum e a mais conhecida é aquela que ele mesmo anunciou no Primeiro Discurso em Benares, a fórmula das Quatro Nobres Verdades. O Buda declarou que essas verdades transmitem em poucas palavras toda a informação básica que necessitamos para iniciar o caminho da libertação. Ele diz que tal como a pegada do elefante, por causa do seu grande tamanho, contém as pegadas de todos os demais animais, da mesma forma as Quatro Nobres Verdades, por causa da sua abrangência, contêm dentro de si todos os ensinamentos benéficos e saudáveis. No entanto, enquanto que muitos expositores do Budismo devotaram atenção à explicação do conteúdo das quatro verdades, somente raramente se dá alguma consideração à razão porque elas são denominadas nobres verdades. No entanto é justamente esse termo descritivo "nobre" que nos revela porque o Buda escolheu colocar o seu ensinamento nesse formato específico, e é o mesmo termo que nos permite experimentar, mesmo à distância, o sabor único que permeia toda a doutrina e disciplina do Iluminado.

A palavra "nobre" ou "ariya", é usada pelo Buda para designar um tipo particular de pessoa, o tipo de pessoa que os seus ensinamentos têm como objetivo criar. Nos discursos o Buda classifica os seres humanos em duas categorias amplas. De um lado estão os puthujjanas, os mundanos, aqueles que pertencem à massa, cujos olhos ainda estão cobertos pela poeira das contaminações e delusão. Do outro lado estão os ariyans, os nobres, a elite espiritual, que obtém esse status não pelo nascimento, situação social ou autoridade eclesiástica mas da sua nobreza interior de caráter.

Esses dois tipos gerais não estão separados um do outro por um abismo intransponível, cada um confinado a um compartimento hermeticamente fechado. Uma série de gradações pode ser distinguida ascendendo do nível mais sombrio do mundano cego preso no calabouço do egoísmo e afirmação pessoal, passando pelo estágio do mundano virtuoso em quem as sementes da sabedoria estão começando a brotar, e mais além através dos estágios intermediários dos nobres discípulos até o indivíduo aperfeiçoado no cume de toda a escala do desenvolvimento humano. Esse é o Arahant, o libertado, que absorveu a visão purificadora da verdade tão profundamente que todas suas contaminações foram eliminadas, e com elas, o sofrimento.

Apesar de que o caminho do cativeiro à libertação, do mundano à nobreza espiritual, é um caminho graduado envolvendo prática gradual e progresso gradual, não é um processo contínuo uniforme. O progresso ocorre a passos discretos, e num certo ponto – o ponto que separa o status de um mundano daquele de um nobre – uma abertura é encontrada que precisa ser atravessada, não simplesmente com mais um passo adiante, mas fazendo um salto deste lado para a outra margem. Esse evento decisivo no desenvolvimento interior do praticante, esse salto radical que impulsiona o discípulo do domínio e linhagem do mundano para o domínio e linhagem dos nobres, ocorre precisamente através da penetração das Quatro Nobres Verdades. Isso nos revela a importante razão pela qual as quatro verdades reveladas pelo Buda são denominadas nobres verdades. Elas são nobres verdades porque quando nós as penetramos até o seu cerne, quando compreendemos o seu real significado e implicações, deixamos de lado o status de mundano e adquirimos o status de um nobre, extraídos da massa anônima para a comunidade dos discípulos do Abençoado unidos por uma visão única e inabalável.

Antes da penetração das verdades, por mais que estejamos dotados de virtudes espirituais, ainda não estamos em território seguro. Não estamos imunes à regressão, ainda sem garantia de libertação, não somos invencíveis no nosso esforço no caminho. As virtudes de um mundano são virtudes tênues. Elas podem se desenvolver ou desaparecer, elas podem florescer ou declinar, e correspondendo ao seu grau de força nós podemos subir ou cair no nosso movimento através do ciclo de existências. Quando as nossas virtudes são plenas nós poderemos subir e permanecer na bem aventurança entre os devas; quando as nossas virtudes declinam ou nosso mérito se exauriu podemos novamente afundar nas profundidades miseráveis.

Porém, com a penetração das verdades nós saltamos através do golfo que nos separa do grupo dos nobres. O olho do Dhamma é aberto, a visão da verdade é revelada, e apesar de que a vitória decisiva ainda não foi obtida, o caminho para o objetivo final está aos nossos pés e a segurança suprema do cativeiro paira no horizonte. Aquele que compreendeu as verdades mudou de linhagem, cruzou do domínio do mundano para o domínio dos nobres. Tal discípulo é incapaz de regredir às fileiras dos mundanos, incapaz de perder a visão da verdade que brilhou ante o seu olho interior. O progresso em direção ao objetivo final, a erradicação completa da ignorância e do desejo, pode ser lenta ou rápida; pode ocorrer facilmente ou como resultado de intensa batalha. Porém, não importa quanto tempo leve, ou o grau de facilidade com que se avance, uma coisa é certa: tal discípulo que viu as Quatro Nobres Verdades com clareza imaculada não poderá jamais regredir, não perderá jamais o status de nobre, e está destinado a alcançar o fruto final do estado de arahant em no máximo sete vidas.

A razão porque a penetração das Quatro Nobres Verdades pode conferir essa imutável nobreza de espírito está implícita nas quatro tarefas que nos são impostas. Tomando essas tarefas como o desafio da nossa vida – o desafio como discípulos do Iluminado – sem importar o estágio de desenvolvimento a partir do qual iniciamos, podemos gradualmente avançar em direção à infalível compreensão dos nobres.

A primeira nobre verdade, a verdade do sofrimento, deve ser plenamente entendida: a tarefa que nos é dada é o completo entendimento. Uma marca característica dos nobres é que eles não seguem pelo curso da vida de modo impensado, mas se esforçam em compreender a existência à partir de dentro de si, da maneira mais honesta e completa possível. Para nós, também, é necessário refletir acerca da natureza da nossa vida. Nós precisamos examinar a fundo o profundo significado de uma existência atada por um lado pelo nascimento e do outro pela morte, e sujeita a todos os tipos de sofrimento detalhados pelo Buda nos seus discursos.

A segunda nobre verdade, a verdade da origem do sofrimento, significa a tarefa do abandono. Um nobre é um nobre porque ele iniciou o processo de eliminação das contaminações que estão na raiz do sofrimento, e nós também, se aspiramos alcançar o nível dos nobres, devemos estar preparados para resistir ao encanto sedutor das contaminações. Enquanto que a erradicação do desejo somente pode ser obtida com os caminhos supramundanos, mesmo no desenrolar diário de nossas vidas mundanas podemos aprender a moderar as manifestações mais grosseiras das contaminações, e através da apurada auto observação podemos gradualmente afrouxar o seu controle sobre os nossos corações.

A terceira nobre verdade, a verdade da cessação do sofrimento, significa a tarefa da realização. Apesar de que Nibbana, a extinção do sofrimento, pode ser somente realizado pessoalmente pelos nobres, a confiança que depositamos no Dhamma como nosso guia para a vida nos mostra o que deveríamos selecionar como aspiração final, como o que em última instância possui mais valor. Uma vez que tenhamos entendido o fato de que todas as coisas condicionadas no mundo, sendo impermanentes e sem substância, não podem jamais nos proporcionar plena satisfação, podemos então elevar nosso objetivo para o elemento incondicionado, Nibbana o Imortal, e fazer dessa aspiração o marco ao redor do qual organizamos nossas escolhas e preocupações do dia a dia.

Finalmente, a quarta nobre verdade, o Nobre Caminho Óctuplo, nos proporciona a tarefa do desenvolvimento. Os nobres alcançaram o seu status pelo desenvolvimento do caminho óctuplo, e enquanto que somente os nobres estão seguros de nunca desviar do caminho, os ensinamentos do Buda nos proporcionam as instruções meticulosas que necessitamos para trilhar o caminho culminando no plano dos nobres. Esse é o caminho que faz nascer a visão, que faz nascer o conhecimento, que conduz à compreensão mais elevada, iluminação e Nibbana (Nirvana), a realização máxima dos nobres.



Bhikkhu Bodhi



(desconheço a fonte do texto)
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

EVOLUÇÃO - VIDA - CONSCIÊNCIA

A vida evolui por etapas. Ela inicialmente constrói formas na matéria hiperfísica, e então a chamamos de vida elementar. Depois, utilizando a experiência construtora que assim adquiriu, ela "anima" os elementos químicos, transformando-se então na alma-grupo mineral. Em seguida ela forma o protoplasma, anima as formas vegetais, e mais tarde as formas animais. No estágio seguinte, nós a encontramos no homem, na atividade de edificar indivíduos capazes de pensar e de amar, de sacrificar-se e ter idealismo, pois "o humilde, ao se esforçar por tornar-se um homem, gravita por cada uma das espirais da forma". Mas o homem não é o último elo da cadeia.

Para bem compreendermos todo o processo cósmico que vai do átomo ao homem, há um elemento que devemos levar em consideração. Embora a matéria evolua do homogêneo para o heterogêneo, do indefinido para o definido, do simples para o complexo, a vida não evolui da mesma forma. A evolução da matéria é uma reorganização; a evolução da vida é uma libertação e um desabrochar. De um modo incompreensível para nós, na primeira célula de matéria viva encontravam-se Shakespeare e Beethoven. Possivelmente são necessários milhões de anos para que a natureza reorganize a substância, durante os quais a seleção continua, até que seja encontrada a agregação conveniente e que Shakespeare e Beethoven possam sair do seio da natureza para desempenhar seus papéis numa cena de seu drama. Entretanto, no decorrer desses milhões de anos, a vida guardou misteriosamente esses gênios em seu seio. Em sua evolução, a vida não recebe, ela dá; pois atrás dela, formando seu coração e sua alma, há alguma coisa ainda maior: uma Consciência. Na plenitude de seu Poder, de seu Amor e de sua Beleza, que são imensos, essa Consciência dotou a primeira parcela de vida de tudo que ela é. Assim como para um ponto invisível podem convergir todos os raios luminosos que emanam do panorama grandioso oferecido por uma cadeia de montanhas, assim cada germe de vida é o lar dessa existência sem limites.

Como já mencionamos, a vida humana, em seus estágios anteriores, foi vida animal, vida vegetal, vida mineral e vida elemental. Contudo, uma parte dessa mesma vida mineral é desviada para um outro canal, passa através de formas vegetais, animais, depois através de formas de "consciência da natureza" (as fadas da tradição) para chegar aos Anjos ou Devas. Existe uma outra corrente paralela, da qual pouco se sabe, a da vida das células, com as fases precedendo e seguindo esse estágio. Também existe, provavelmente, uma corrente de vida distinta que passa pelos elétrons, os íons e os elementos químicos. Ainda outros tipos de evolução existem em nosso planeta, mas a insuficiência de informações a seu respeito nos obriga a deixá-los de lado.



C. Jinarajadasa



Fonte: do livro "Evolução Oculta da Humanidade"
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal