quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

QUARTA-FEIRA DE CINZAS


Com o gesto da imposição das cinzas iniciamos a Quaresma, tempo forte que nos conduzirá à Páscoa.

Na 1ª leitura do profeta Joel nos convida a fazer penitência interior, a rasgar o coração, não a roupa. Esta conversão é possível porque Deus é rico em misericórdia e grande em amor. Somos convidados a experimentar o amor misericordioso de Deus e a deixar-nos converter por Ele.

Na 2ª leitura de 2 Coríntios, o apóstolo convida-nos a olhar para o Senhor e para o seu Santo Nome: "Em Nome de Cristo, pedimos-te que te reconcilies com Deus", isto é, que respondamos ao chamado do seu amor misericordioso e que como "Seus cooperadores, não recebamos a Graça de Deus em vão." Ou seja, que sejamos um evangelho vivo para os demais.

No Evangelho de Mateus, Jesus faz uma releitura das obras de misericórdia, previstas na Lei de Moisés e que aos poucos caíram num formalismo externo e até sinal de superioridade.

Jesus nos convida a sair de uma prática centrada em nós e vivê-la como meio de confiança em Deus.

É um triplo exercício de confiança em Deus: 

Através do jejum ultrapassamos a confiança em tudo o que nos alimenta (não só o alimento do corpo mas também tudo o que nos rodeia e serve de alimento: os meios de comunicação, as redes sociais...) e chegamos ao reconhecimento de que Deus é o nosso verdadeiro alimento.

O jejum está ligado à abstinência, que é a nossa forma de união com aqueles que não têm condições de viver e cuja alimentação é pobre e precária. E através deles, com todos aqueles que sofrem por qualquer causa.

Associada ao jejum e à abstinência está a "esmola". O nosso jejum também tem um sentido de solidariedade para ajudar os outros com a nossa "esmola".

E o que dá sentido a tudo isso é a oração, que nos permite jejuar de nós mesmos para nos abrirmos a Deus e aos outros. Jesus, tanto no deserto como no Getsêmani, vive intensamente a oração. Oração em diálogo com o Pai, a sós, face a face. Oração que desmascara os enganos do "tentador". Oração que atinge o seu ápice na cruz, na qual o coração de Deus se abre para nós. A oração abre-nos a Deus e aos outros e é o que move o mundo e nos introduz na realidade daquilo que o sustenta e governa.



Pe. José Antônio, OP




Fonte: Contemplar e Proclamar
Blog do Padre José Antonio OP
https://padrejosea.wordpress.com/2023/02/21/miercoles-de-ceniza/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/ilustra%c3%a7%c3%a3o-p%c3%a1scoa-ressurrei%c3%a7%c3%a3o-4779064/

A QUARESMA INTERIOR


De certo modo, a vida pode ser vista como uma Quaresma, como preparação para a etapa final, a Páscoa para a Ressurreição. Será bom interiorizar a Quaresma. Dar ao corpo algum jejum nunca é demais. Mostra-nos a dependência que temos da comida como meio de apaziguar as ansiedades, expõe a nossa escravidão a hábitos e costumes adquiridos. A principal purificação que o jejum ou alguma privação nos mostra resulta dessa consciência que nos remete um pouco à humildade. Situa-nos mais criteriosamente na realidade em que vivemos e não naquela em que acreditamos viver.

Que realidade vivemos? A dependência. Desejos infinitos que se tornaram necessidades. Não é mais de água potável que precisamos, mas desta ou daquela bebida com sabor. Não é mais comer o que precisamos, mas sim aquele prato específico que tanto queremos e que quanto mais saboreamos mais desejamos. E assim como fazer o exercício de privar o corpo de algo habitual nos coloca diante da submissão em que vivemos aos seus impulsos, dar um pouco de jejum à mente nos deixa surpresos; notamos o sono de bela adormecida em que costumamos permanecer.

O que seria jejuar mentalmente?

Pare de ruminar os mesmos velhos pensamentos. Pare de pensar sempre nas mesmas coisas como se naquela mastigação de tensões os problemas fossem se resolver. Reconheça que, da mesma forma que costumávamos comer um certo doce no café da manhã, os pensamentos costumam seguir o mesmo caminho já batido, mais ou menos nas mesmas horas. Tendemos a comer sempre a mesma coisa, dependentes que somos desses aromas e sabores. Da mesma forma, sempre tendemos a "pensar" a mesma coisa, dependentes como somos de certas sensações "preocupantes", que, se não existissem, exporiam o vazio de sentido em nossas vidas diárias.

Negligenciar os pensamentos que aparecem e direcionar a atenção para o propósito interior traçado é um formidável jejum mental. Por exemplo, direcionando a atenção para o caminho da oração ao qual nos consagramos ou para a percepção da presença do divino no que está acontecendo, ou simplesmente concentrando-nos em fazer o melhor possível no momento é uma conversão contínua. Retomar repetidamente a atenção que nos escapa e trazê-la de volta para casa, para o coração e levá-la para onde realmente queremos depositá-la, é jejum, esmola, purificação e Quaresma da alma.

Quem fica no presente, cônscio, naturalmente tende a comer menos, apenas o necessário. Desta consciência atenta escuta-se mais o outro e surge uma espécie de caridade espontânea adequada a cada situação. Esta mesma vigilância mostra-nos a mesquinhez constante que nos aprisiona e assim ficamos mais humildes, mas sem tristeza. É tirar a maquiagem e olhar-se de frente e encontrar aí mesmo o amor para si, sem condições. Este tempo litúrgico pretende ser uma oportunidade de conversão, de mudança profunda... penitência...



O Santo Nome




Fonte: Blog El Santo Nome
https://elsantonombre.org
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/quaresma-p%c3%a1scoa-cruz-calv%c3%a1rio-4893751/

4ª FEIRA DE CINZAS - REFLEXÃO SOBRE A QUARESMA


Portas e janelas sempre me pareceram maravilhosas. Muitas vezes não resisto a tirar uma foto delas, mesmo quando são realmente muito comuns. Mas qualquer coisa comum torna-se maravilhosa quando chama a sua atenção de uma forma repentina e inesperada e você olha duas vezes ou, até mesmo, olha fixamente para ela. Não pode ser explicado racionalmente, mas elas parecem retribuir a atenção que você dá a elas.

Então, pensei hoje em usar esta foto, de uma porta aberta o suficiente, para nos mostrar o que há do outro lado. Neste caso, um oceano calmo da mesma cor azul celeste do céu acima dele, ambos se fundindo no horizonte. Os horizontes, é claro, são meras ilusões na mente de quem vê, porque quando vemos com os olhos límpidos do coração não há horizonte, apenas unidade.

Com o início dos quarenta dias da Quaresma, podemos resolver, por tradição, desistir de algo, geralmente algo em que podemos estar inconscientemente viciados, mesmo que levemente, como o açúcar, e fazer algo extra, geralmente algo que achamos que deveríamos fazer mais, como a meditação. Isso é bom se o fizermos como uma prática infantil simples. Então lembraremos que somos pó e que ao pó voltaremos. As cinzas desenhadas em nossa testa como uma tatuagem temporária enfatizam que somos feitos de terra e que pertencemos ao reino animal. Mas eles também nos lembram que nossa curta jornada na vida vai além de qualquer horizonte. Somos seres luminosos e conscientes e capazes de alcançar patamares de amor cada vez maiores.

No evangelho de hoje, Jesus nos ensina a abrir mão de algo e a fazer algo. Precisamos abandonar a autoconsciência de ator (ou observador) ao nos preocuparmos com o que Deus ou outras pessoas pensam de nós. Essa preocupação típica do ego bloqueia nossa capacidade de admiração e fecha a porta da consciência. Então, nesta Quaresma, por que não nos surpreendemos cada vez que começamos a nos deixar dominar pelo desejo de sermos belos ou de sermos admirados? Jesus também nos diz para fazer algo, entrar em nosso quarto interior, fechar a porta e orar ali na clara luz de Deus. Então nos fundimos com ele.

Quando nos maravilhamos, o ordinário renasce. A Quaresma é a celebração do ordinário. Tudo o que temos a fazer é voltar ao presente. Se estamos tristes é sinal de que estamos vivendo no passado, consumidos por nossos pensamentos e lembranças. Se nos sentimos ansiosos é porque estamos vivendo no futuro. Mas se estivermos em paz conosco e com os outros, a tristeza e a ansiedade são superadas e permanecemos no momento presente. Não devemos olhar para trás, tentando recuperar experiências de paz já vividas. Tampouco devemos adiar a tarefa de voltar ao presente até que tenhamos resolvido nossos problemas e nos salvo do pior.

Quer desistamos de algo e façamos algo extra ou não, podemos fazer a coisa mais importante de todas, a coisa que leva à paz e beneficia aos outros: a prática da Presença de Deus.



Fr. Laurence Freeman, OSB




Fonte do texto e da gravura: WCCM Espanha
Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.