sexta-feira, 26 de junho de 2020

DESAPRENDER PARA ADQUIRIR O MODO CORRETO


O primeiro passo na vida interior, hoje em dia, não é, como imaginam alguns, aprender a não ver, a não provar, não ouvir, nem sentir as coisas.

Muito ao contrário, o que devemos fazer é começar a desaprender os nossos modos errados de ver, de provar, de sentir para adquirir uns tantos modos corretos.

(...) A minha alma não se descobre senão quando age.

Ela deve, pois, agir.

A estagnação e a inatividade trazem a morte espiritual.

Mas a minha alma não deve projetar-se inteiramente nos efeitos externos da sua atividade.

Não preciso ver-me a mim mesmo, eu só preciso ser quem sou.


Thomas Merton, OSB


Fonte: do livro "Homem algum é uma ilha"
Via Comunidade Monástica Anglicana - Igreja Anglicana Tradicional do Brasil
https://www.mongesanglicanos.org/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

EGOÍSMO - O INIMIGO PARTICULAR E PÚBLICO


Considerando o alerta deixado pelos Espíritos amigos da codificação kardequiana, temos bem definido o nosso maior inimigo e maior entrave para nossa evolução — o egoísmo.

O egoísmo — chaga da Humanidade — tem que desaparecer da Terra, pois afasta o progresso moral. Ao Espiritismo está reservada a tarefa de fazê-la subir na hierarquia dos mundos. Com efeito, o egoísmo é o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, dirigir suas forças e sua coragem. Digo coragem porque cada um necessita muito mais dela para vencer-se a si mesmo, do que para vencer os outros. Desse modo, que cada um empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é o causador de todas as misérias do mundo terreno. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, A. Kardec, cap. XI, item 11)

O egoísmo é a ideia e atitude de colocar os próprios interesses acima de tudo o mais, acima dos direitos dos demais e das leis universais, justificando a si mesmo essa prerrogativa pela falsa razão de que na ordem natural das coisas seja cada um por si.

Os psicólogos em geral acreditam que esse sentimento seja natural e — num estágio temporário — até necessário para a formação da personalidade. Para o homem primitivo (na infância da trajetória espiritual), a descoberta intelectiva de si e das próprias necessidades (sobrevivência, proteção, saúde, bem-estar etc.) estimula o egocentrismo no sentido de que este acaba maturando a consciência do instinto bruto para o sentimento, começando pelo amor-próprio para então ser estendido ao amor fraternal a todos os semelhantes.

O biólogo britânico Richard Dawkinks defende a tese da naturalidade do egoísmo dentro do campo físico, no que sintetiza a evolução (processo de transformação genética) pela ação do que ele chama de "gene egoísta". Segundo o cientista, é justamente por ser essa ação egoística — buscando sempre o melhor para si — que o organismo humano se desenvolve.

O instinto egoísta é característico na criança que, naturalmente por não estar empossada das capacidades racionais suficientes para um julgamento, age assim muito por autodefesa ou interesse em si mesmo. E não fossem as necessidades e os riscos da vida, como se desenvolveriam o amor por si mesmo e o interesse em cuidar-se individualmente? Até aí, tudo bem.

Pode ocorrer, porém, de a pessoa — mesmo tendo já adquirido as capacidades racionais — recusar largar o egocentrismo, fantasiando uma vida infantil na tentativa de preservar aquelas regalias próprias das crianças.

O amor resume toda a doutrina de Jesus, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito. Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, A. Kardec, cap. XI, item 8)

O conhecimento da verdade nos abre a porta para a libertação, porém, não necessariamente de pronto, porque, ao lado de reconhecer o bem e o mal, é preciso ter a decisão de conduzir-se para o autodescobrimento, quer dizer, para a perfeição espiritual. Eis por que não podemos associar inequivocamente o ser inteligente a um ser bom; sabedoria e caridade são duas potências distintas, quer dizer, como diria Emmanuel — mentor espiritual de Chico Xavier —, são duas asas, com as quais nos lançamos ao voo da evolução e da felicidade; esteja qualquer delas com o menor sinal de imperfeição, o voo fica defeituoso e a altura máxima inalcançável.

Portanto, é preciso uma combinação de razão e sentimento. A razão isoladamente é fria e carece do direcionamento das nossas emoções. Entretanto, se estas forem mais fortes e tendenciosas ao egocentrismo, podemos então negar verdades — mesmo as mais plausíveis — ou, por fraqueza moral, nos subjugarmos aos vícios carnais, ainda que muito cientes das consequências. Um exemplo clássico é o drama das dependências ao tabagismo, à bebida alcoólica e às drogas: quem hoje ousa negar os malefícios físicos e psíquicos dessas pragas? Ninguém, certo? Porém, não é sabido que dentre os seus dependentes haja homens dos mais letrados? Há surpresa se eu disser que haja médicos e biólogos (supostamente, os profissionais que melhor compreendem a gravidade desses vícios) decaídos nessas terríveis manias?

O que faz uma pessoa consciente (capaz de usar seus atributos intelectuais para julgar e tomar decisões) optar por uma trilha que ela já sabe ser errada, ou, melhor dizendo, deixar de seguir um caminho melhor para trilhar uma opção menos perfeita? — A resposta é simples: egoísmo, ou o desejo imediatista de satisfazer a um prazer carnal ou psicopatológico (inclusive pelo automatismo fisiológico).

A verdade é que, pelo estágio de progressão a que a nossa Humanidade terrena já alcançou, todos nós já temos ciência suficiente para discernir entre o bem e o mal, o que implica dizer que o egoísmo ainda tem sido conservado, fazendo vigorar a ilusão pelos bens temporários e ofuscando o tesouro espiritual.

A primeira grande consequência do egoísmo para o egoísta é a decepção. Por presumir ser sempre mais importante do que os demais e merecer sempre o melhor, o egoísta está a todo instante suscetível de se decepcionar e o tamanho da decepção é proporcional ao grau de egoísmo. No exagerado amor-próprio, dito orgulho, está o sentido dos correntes golpes de ser traído pelas superestimadas expectativas.

A presunção é menos fé do que orgulho, e o orgulho sempre é castigado, cedo ou tarde, pela decepção e pelos fracassos que lhe são infligidos. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, A. Kardec, cap. XIX, item 4)

No ato de se projetar sempre para os melhores postos o indivíduo priva a si mesmo de receber algo superior ao que ele próprio já espera. A surpresa que tiver será sempre negativa, de rebaixamento — e as surpresas acontecem. Do contrário, ao se projetar num patamar mais baixo, ele deixa um enorme
campo para ser bem surpreendido.

O pior de tudo é que a decepção dói demais porque ela nunca vem de fora, mas sim da comparação íntima, de onde os fatos põem o indivíduo e a distância do posto esperado. Como nem sempre é possível impor suas próprias vontades sobre os demais, vem a inevitável dor de verificar-se incapaz de sustentar seu egocentrismo. Quando o egoísta tem força física, financeira ou persuasão para fazer valer suas vontades e o faz, ele sofre duplamente, pois nessas condições, ainda que chegue ao topo e mostre para os demais que conseguiu o que queria, intimamente ele é sempre advertido pela sua consciência de que, além de tudo, ele está usurpando algo, ocupando um direito que não lhe pertence e infantilmente tenta ostentar. E poderá até convencer aos que estão ao redor de que é detentor do que usurpou, mas não tem como enganar a si mesmo. E o egoísmo faz sangrar por dentro, porque também isola o pseudo vencedor à cruciante desgraça da solidão.

Eis o grande confronto de todos os andarilhos nessa estrada evolutiva: superar a si mesmo vencendo o egoísmo.


Louis Neilmoris



Fonte: do livro "O Grande Encontro Filosófico - Autodescobrimento Aplicado"
Ed. Luz Espírita, abril de 2014, digital - www.luzespirita.org.br
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal