Antes do adormecer e do acordar, existe um estado de pouca duração durante o qual o eu e o corpo astral estão separados do corpo físico, enquanto existe a ligação com o corpo etérico. O homem está, pois, em presença de sua memória (ligada ao corpo etérico) e pode exercer certas funções mentais (igualmente ligadas ao corpo etérico), mas faltam-lhe as percepções sensoriais claras, a plena consciência e o pensar racional, que não podem prescindir do instrumento do corpo físico. Certas experiências do eu durante esse estado, combinadas com reminiscências da memória, fazem surgir então os sonhos. O sonho constitui, pois, um estado intermediário entre o sono e a vigília. Ele é caracterizado por uma consciência reduzida, por imagens e formas do mundo exterior, sem, no entanto, lógica e clareza. O eu traduz suas vivências e recordações em imagens simbólicas.
Desde tempos imemoriais, o homem conhecia a natureza desse estado que possibilitava uma experiência velada de certas realidades espirituais. Daí a importância atribuída à arte de analisar os sonhos para se conhecer a realidade espiritual ou para se chegar à verdadeira personalidade do homem, revelada durante o sonho quando inexistem tabus sociais e barreiras fazendo com que o caráter se dissimule durante a vida normal.
Sem pretender ser completos, podemos indicar alguns tipos relevantes de sonhos:
1. Em muitos sonhos o homem é perseguido pelas reminiscências do dia. Preocupações e angústias o acompanham, problemas não resolvidos martelam seu espírito de maneira incoerente e certos impulsos (vingança, ódio, amor, cobiça) manifestam-se de modo irrefreado. Um sono repleto de sonhos dessa espécie não é regenerador, pois impede uma separação suficiente e benéfica entre o eu e a parte orgânica.
2. Muitos sonhos são determinados, em seu enredo, por influências do ambiente. Assim, podemos sonhar uma história que termina no tilintar agudo de uma flauta tocada por um dos personagens do drama onírico. Acordados, verificamos que o despertador provocou o tilintar no sono: eu recordo toda uma história que o precede e cujo final lógico é o tilintar. Isso prova que os sonhos não se desenrolam no tempo, mas são imagens instantâneas que somente ao recordar são mentalmente decompostas em várias fases sucessivas. Da mesma maneira, um incêndio no sonho pode ter por causa o calor excessivo provocado por um cobertor.
3. Há sonhos causados pelo próprio corpo. Uma refeição um pouco pesada, tomada antes de dormir, pode provocar pesadelos, e muitas vezes o próprio órgão pode aparecer sob uma forma simbólica (intestinos = serpente, dente = torre, sangue = água). Vemos mais uma vez que o sonho é simbolizador. A arte de interpretar os sonhos consiste, justamente, em descobrir a realidade que se traduz em símbolos.
4. Como já foi dito, os desejos mais íntimos do eu, reprimidos durante a vigília e sem possibilidade de subir à consciência, podem ter livre curso no sonho, embora sob forma simbólica. Esse fenômeno figura nos fundamentos de muitas análises psicoterapêuticas.
5. Um tipo de sonho ainda mais significativo é aquele em que o indivíduo encontra pessoas vivas ou mortas, recebendo delas uma mensagem que amiúde se confirma, mais tarde, na realidade: uma pessoa ausente pode dizer-nos, no sonho, que está doente ou morta; a notícia confirmatória chega poucos dias mais tarde. O que se torna patente aqui é uma experiência, feita pelo eu, de uma realidade no mundo espiritual. Com efeito, a morte de qualquer pessoa é um acontecimento que se reflete naquele domínio. Transcendendo os limites do espaço, o eu vivencia esse fato e o sonho o transforma em imagem.
6. Finalmente há pessoas que, ao despertar, sabem que no sonho lhes apareceu um ser espiritual superior com uma mensagem ou uma revelação, ou que elas assistiram a acontecimentos do futuro. São os chamados sonhos proféticos, que tamanho papel tiveram em tempos passados, desde os sonhos interpretados por José na corte do Faraó (as vacas gordas e as vacas magras) até visões dos profetas (aparições de Serafins, Querubins, Anjos, etc.). Esses sonhos também têm papel importante na psicologia moderna (especialmente em C. G. Jung).
Não há adormecer ou despertar sem sonho; na maioria dos casos, contudo, nós não nos lembramos dele. Muitas vezes, também, sem poder recordar um sonho concreto, acordamos com a certeza de ter passado um tempo num outro mundo.
Ao despertar, muitas vezes sonhamos com a volta ao corpo de forma simbólica. Por exemplo, sonhamos que estamos voando e nos aproximamos cada vez mais do chão, até bater nele. Nesse instante despertamos. Ou então queremos entrar num edifício ou, por exemplo, numa torre. Não conseguimos fazê-lo durante algum tempo, até que finalmente quase irrompemos nela à força e acordamos. Aqui o corpo é representado pelo símbolo da torre.
O sono, com a fase transitória do sonho, é, pois, um fenômeno que decorre de uma necessidade rítmica de todo o nosso ser. É fácil compreender que sonos ou sonhos provocados artificialmente (narcóticos, hipnose, anestesia) não são, nesse sentido, naturais, perturbando o equilíbrio das forças físicas e psicoespirituais.
Os três estados vigília, sonho e sono correspondem a três graus diferentes de consciência. Podemos dizer que o homem é homem somente quando, no estado de vigília, é plenamente consciente e lúcido.
A Antroposofia ensina que a consciência do animal é semelhante (embora não idêntica) à nossa consciência de sonho, enquanto a planta vive numa inconsciência total, correspondendo ao nosso estado de sono. A consciência dos minerais se é que podemos ainda falar em consciência seria ainda mais apagada do que a do nosso sono mais profundo.
No próprio homem também existem zonas ou sistemas diferenciados por vários graus de consciência. Rudolf Steiner expôs a genial ideia da trimembração do organismo humano, cuja essência pode ser resumida da seguinte forma:
O homem é plenamente consciente em seu pensar e em suas observações sensoriais. Rudolf Steiner chama esse sistema de neuro sensorial, ensinando que ele está centrado na cabeça, muito embora o corpo todo possua percepções sensoriais. O polo oposto é constituído pelas funções completamente inconscientes do metabolismo e da vontade traduzida em movimentos (o homem tem a representação clara dos motivos e do resultado almejado de um ato de vontade; mas o funcionamento e a realização do impulso volitivo lhe são completamente ocultos). Esse outro polo constitui o sistema do metabolismo e dos membros. Ele atua em todo o corpo, mas seu centro está no abdome e nos membros.
Entre esses dois polos, e com o grau de consciência intermediário entre a lucidez completa do sistema neuro sensorial e a inconsciência do sistema metabólico motor, acha-se o sistema circulatório (respiração, circulação) que tem por sede a parte torácica e liga, por assim dizer, os dois extremos. A esse sistema corresponde a vida sentimental e um grau de consciência equivalente ao estado de sonho.
Rudolf Lanz
Fonte: do livro “Noções Básicas de Antroposofia”, de Rudolf Lanz
Ed. Antroposófica, 7a. ed., 2005
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/narrativa-hist%C3%B3ria-sonho-dizer-794978/