terça-feira, 12 de maio de 2020

SONO E SONHOS


Antes do adormecer e do acordar, existe um estado de pouca duração durante o qual o eu e o corpo astral estão separados do corpo físico, enquanto existe a ligação com o corpo etérico. O homem está, pois, em presença de sua memória (ligada ao corpo etérico) e pode exercer certas funções mentais (igualmente ligadas ao corpo etérico), mas faltam-lhe as percepções sensoriais claras, a plena consciência e o pensar racional, que não podem prescindir do instrumento do corpo físico. Certas experiências do eu durante esse estado, combinadas com reminiscências da memória, fazem surgir então os sonhos. O sonho constitui, pois, um estado intermediário entre o sono e a vigília. Ele é caracterizado por uma consciência reduzida, por imagens e formas do mundo exterior, sem, no entanto, lógica e clareza. O eu traduz suas vivências e recordações em imagens simbólicas.

Desde tempos imemoriais, o homem conhecia a natureza desse estado que possibilitava uma experiência velada de certas realidades espirituais. Daí a importância atribuída à arte de analisar os sonhos para se conhecer a realidade espiritual ou para se chegar à verdadeira personalidade do homem, revelada durante o sonho quando inexistem tabus sociais e barreiras fazendo com que o caráter se dissimule durante a vida normal.

Sem pretender ser completos, podemos indicar alguns tipos relevantes de sonhos:

1. Em muitos sonhos o homem é perseguido pelas reminiscências do dia. Preocupações e angústias o acompanham, problemas não resolvidos martelam seu espírito de maneira incoerente e certos impulsos (vingança, ódio, amor, cobiça) manifestam-se de modo irrefreado. Um sono repleto de sonhos dessa espécie não é regenerador, pois impede uma separação suficiente e benéfica entre o eu e a parte orgânica.

2. Muitos sonhos são determinados, em seu enredo, por influências do ambiente. Assim, podemos sonhar uma história que termina no tilintar agudo de uma flauta tocada por um dos personagens do drama onírico. Acordados, verificamos que o despertador provocou o tilintar no sono: eu recordo toda uma história que o precede e cujo final lógico é o tilintar. Isso prova que os sonhos não se desenrolam no tempo, mas são imagens instantâneas que somente ao recordar são mentalmente decompostas em várias fases sucessivas. Da mesma maneira, um incêndio no sonho pode ter por causa o calor excessivo provocado por um cobertor.

3. Há sonhos causados pelo próprio corpo. Uma refeição um pouco pesada, tomada antes de dormir, pode provocar pesadelos, e muitas vezes o próprio órgão pode aparecer sob uma forma simbólica (intestinos = serpente, dente = torre, sangue = água). Vemos mais uma vez que o sonho é simbolizador. A arte de interpretar os sonhos consiste, justamente, em descobrir a realidade que se traduz em símbolos.

4. Como já foi dito, os desejos mais íntimos do eu, reprimidos durante a vigília e sem possibilidade de subir à consciência, podem ter livre curso no sonho, embora sob forma simbólica. Esse fenômeno figura nos fundamentos de muitas análises psicoterapêuticas.

5. Um tipo de sonho ainda mais significativo é aquele em que o indivíduo encontra pessoas vivas ou mortas, recebendo delas uma mensagem que amiúde se confirma, mais tarde, na realidade: uma pessoa ausente pode dizer-nos, no sonho, que está doente ou morta; a notícia confirmatória chega poucos dias mais tarde. O que se torna patente aqui é uma experiência, feita pelo eu, de uma realidade no mundo espiritual. Com efeito, a morte de qualquer pessoa é um acontecimento que se reflete naquele domínio. Transcendendo os limites do espaço, o eu vivencia esse fato e o sonho o transforma em imagem.

6. Finalmente há pessoas que, ao despertar, sabem que no sonho lhes apareceu um ser espiritual superior com uma mensagem ou uma revelação, ou que elas assistiram a acontecimentos do futuro. São os chamados sonhos proféticos, que tamanho papel tiveram em tempos passados, desde os sonhos interpretados por José na corte do Faraó (as vacas gordas e as vacas magras) até visões dos profetas (aparições de Serafins, Querubins, Anjos, etc.). Esses sonhos também têm papel importante na psicologia moderna (especialmente em C. G. Jung).

Não há adormecer ou despertar sem sonho; na maioria dos casos, contudo, nós não nos lembramos dele. Muitas vezes, também, sem poder recordar um sonho concreto, acordamos com a certeza de ter passado um tempo num outro mundo.

Ao despertar, muitas vezes sonhamos com a volta ao corpo de forma simbólica. Por exemplo, sonhamos que estamos voando e nos aproximamos cada vez mais do chão, até bater nele. Nesse instante despertamos. Ou então queremos entrar num edifício ou, por exemplo, numa torre. Não conseguimos fazê-lo durante algum tempo, até que finalmente quase irrompemos nela à força e acordamos. Aqui o corpo é representado pelo símbolo da torre.

O sono, com a fase transitória do sonho, é, pois, um fenômeno que decorre de uma necessidade rítmica de todo o nosso ser. É fácil compreender que sonos ou sonhos provocados artificialmente (narcóticos, hipnose, anestesia) não são, nesse sentido, naturais, perturbando o equilíbrio das forças físicas e psicoespirituais.

Os três estados vigília, sonho e sono correspondem a três graus diferentes de consciência. Podemos dizer que o homem é homem somente quando, no estado de vigília, é plenamente consciente e lúcido.

A Antroposofia ensina que a consciência do animal é semelhante (embora não idêntica) à nossa consciência de sonho, enquanto a planta vive numa inconsciência total, correspondendo ao nosso estado de sono. A consciência dos minerais se é que podemos ainda falar em consciência seria ainda mais apagada do que a do nosso sono mais profundo.

No próprio homem também existem zonas ou sistemas diferenciados por vários graus de consciência. Rudolf Steiner expôs a genial ideia da trimembração do organismo humano, cuja essência pode ser resumida da seguinte forma:

O homem é plenamente consciente em seu pensar e em suas observações sensoriais. Rudolf Steiner chama esse sistema de neuro sensorial, ensinando que ele está centrado na cabeça, muito embora o corpo todo possua percepções sensoriais. O polo oposto é constituído pelas funções completamente inconscientes do metabolismo e da vontade traduzida em movimentos (o homem tem a representação clara dos motivos e do resultado almejado de um ato de vontade; mas o funcionamento e a realização do impulso volitivo lhe são completamente ocultos). Esse outro polo constitui o sistema do metabolismo e dos membros. Ele atua em todo o corpo, mas seu centro está no abdome e nos membros.

Entre esses dois polos, e com o grau de consciência intermediário entre a lucidez completa do sistema neuro sensorial e a inconsciência do sistema metabólico motor, acha-se o sistema circulatório (respiração, circulação) que tem por sede a parte torácica e liga, por assim dizer, os dois extremos. A esse sistema corresponde a vida sentimental e um grau de consciência equivalente ao estado de sonho.


Rudolf Lanz



Fonte: do livro “Noções Básicas de Antroposofia”, de Rudolf Lanz
Ed. Antroposófica, 7a. ed., 2005
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/narrativa-hist%C3%B3ria-sonho-dizer-794978/

PERISPÍRITO E ENFERMIDADE


[...] a gênese da maioria das enfermidades crônicas humanas se encontra na matriz perispiritual, que se utiliza da roupagem orgânica (física-vital) para drenar os desequilíbrios anímicos ali armazenados. Segundo a Doutrina Espírita, as enfermidades físicas e psíquicas de longa data têm as suas causas profundas nos recessos da alma endividada, que pode plasmar na mente, através do arrependimento mórbido, “zonas de remorso”, desequilibrando o perispírito e, consequentemente, o princípio vital, criando as predisposições mórbidas para as moléstias crônicas se manifestarem. Libertando-nos de uma visão fatalista e predestinada, frisemos que os débitos passados (dívidas cármicas) podem ser resgatados por uma infinidade de “acontecimentos reparadores”, exonerando as distonias mentais antes que os distúrbios físicos correspondentes sejam gerados; neste capítulo, encaixam-se todas as iniciativas dignificantes voltadas ao bem comum.

“De modo geral, porém, a etiologia das moléstias perduráveis que afligem o corpo físico e o dilaceram guardam no corpo espiritual as suas causas profundas. A recordação dessa ou daquela falta grave, mormente daquelas que jazem recalcadas no Espírito, sem que o desabafo e a corrigenda funcionem por válvulas de alívio às chagas ocultas do arrependimento, cria na mente um estado anômalo que podemos classificar de «zona de remorso», em torno da qual a onda viva e contínua do pensamento passa a enovelar-se em circuito fechado sobre si mesma, com reflexo permanente na parte do veículo fisio psicossomático ligada à lembrança das pessoas e circunstâncias associadas ao erro de nossa autoria. Estabelecida a ideia fixa sobre esse «nódulo de forças mentais desequilibradas», é indispensável que acontecimentos reparadores se nos contraponham ao modo enfermiço de ser, para que nos sintamos exonerados desse ou daquele fardo íntimo ou exatamente redimidos perante a Lei. Essas enquistações de energias profundas no imo de nossa alma, expressando as chamadas dívidas cármicas, por se filiarem a causas infelizes que nós mesmos plasmamos na senda do destino, são perfeitamente transferíveis de uma existência para outra. Isso porque, se nos comprometemos diante da Lei Divina em qualquer idade da nossa vida responsável, é lógico venhamos a resgatar as nossas obrigações em qualquer tempo, dentro das mesmas circunstâncias nas quais patrocinamos a ofensa em prejuízo dos outros. É assim que o remorso provoca distonias diversas em nossas forças recônditas, desarticulando as sinergias do corpo espiritual, criando predisposições mórbidas para essa ou aquela enfermidade [...]. Todavia, ainda mesmo quando sejamos perdoados pelas vítimas de nossa insânia, detemos conosco os resíduos mentais da culpa, qual depósito de lodo no fundo de calma piscina, e que, um dia, virão à tona de nossa existência para a necessária expunção, à medida que se nos acentue o devotamento à higiene moral.” (Evolução em Dois Mundos, André Luiz, cap. XIX, pp. 213-4)

Inferindo uma energia própria ao pensamento humano, Manoel Philomeno de Miranda associa a ação do mesmo nos “tecidos sutis do perispírito”, que plasmará o corpo físico do Espírito reencarnante. Caso tenhamos desequilibrado o psicossoma com uma força mental desagregadora empregada na prática dos atos infelizes da criatura humana, destruindo as matrizes perispirituais, esta distonia será transferida ao corpo físico em formação, criando suscetibilidades que poderão permitir o desenvolvimento de enfermidades futuras.

“- Os atos infelizes deliberadamente praticados, em razão da força mental de que necessitam, destroem os tecidos sutis do perispírito que, se ressentindo do desconcerto, deixarão matrizes na futura forma física, na qual se manifestarão as deficiências purificadoras, e a queda do tom vibratório específico permitirá que os envolvidos no fato, no tempo e no espaço, próximos ou não, se vinculem pelo processo de uma sintonia automática de que não se furtarão. Aí se estabelecem as enfermidades de qualquer porte. Os fatores imunológicos do organismo, padecendo a disritmia vibratória que os envolve, são vencidos por bactérias, vírus e toda a sorte de micróbios patológicos que logo se desenvolvem, dando gênese às doenças físicas. Por sua vez, na área mental, os conflitos e mágoas, os ódios acerbos, as ambições tresvariadas e os tormentosos delitos ocultos, quando da reencarnação, por estarem ínsitos no Espírito endividado, respondem pelas distonias psíquicas e alienações mais variadas. [...] Eis porque é rara a enfermidade que não conte com a presença de um componente espiritual, quando não seja diretamente esta o seu efeito. O corpo e a mente refletem a realidade espiritual de cada criatura [...]. (Painéis da Obsessão, Manoel Philomeno de Miranda, cap. VI, pp. 48-9)


Dr. Marcus Zulian Teixeira



Fonte: do livro "A Natureza Imaterial do Homem"
2a. Edição, São Paulo, Edição do Autor, 2015
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal