sábado, 9 de maio de 2020

A ORAÇÃO DO CORAÇÃO


A oração hesicástica, que leva ao descanso em que a alma habita com Deus, é a oração do coração. Para nós que damos tanta importância à mente, aprender a rezar com o coração e a partir dele tem importância especial.

Os monges do deserto nos mostram o caminho. Embora não exponham nenhuma teoria sobre a oração, suas narrativas e seus conselhos concretos apresentam as pedras com as quais os autores espirituais ortodoxos mais tardios construíram uma espiritualidade magnífica. Os autores espirituais do monte Sinai, do monte Atos e os startsi da Rússia oitocentista apoiam-se todos na tradição do deserto.

Encontramos a melhor formulação da oração do coração nas palavras do místico russo Teófano, o Recluso: "Rezar é descer com a mente ao coração e ali ficar diante da face do Senhor, onipresente, onividente dentro de nós". No decorrer dos séculos, essa perspectiva da oração tem sido central no hesicasmo*. Rezar é ficar na presença de Deus com a mente no coração, isto é, naquele ponto de nossa existência em que não há divisões nem distinções e onde somos totalmente um. Ali habita o Espírito de Deus e ali acontece o grande encontro. Ali, coração fala a coração, porque ali ficamos diante da face do Senhor, onividente, dentro de nós. É bom saber que aqui a palavra "coração" é usada em seu sentido bíblico pleno; em nosso meio, ela se tornou lugar-comum. Refere-se à sede da vida sentimental. Expressões como "coração partido" e "sentido no coração" mostram ser comum pensarmos no coração como o lugar quente onde se localizam as emoções, em contraste com o frio intelecto onde têm lugar nossos pensamentos. Mas, na tradição judeu-cristã, a palavra "coração" refere-se à fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

No coração, originam-se impulsos impenetráveis, além de sentimentos, disposições e desejos conscientes. O coração também tem suas razões e é o centro da percepção e do entendimento. Finalmente, ele é a sede da vontade: faz planos e chega a uma boa decisão. Assim, é o órgão central e unificador de nossa vida pessoal. Nosso coração determina nossa personalidade e é, portanto, não só o lugar onde Deus habita mas também o lugar ao qual Satanás** dirige seus ataques mais ferozes. Esse coração é o lugar da oração. A oração do coração dirige-se a Deus a partir do centro da pessoa e, assim, afeta toda a nossa compaixão.

Um dos monges do deserto, Macário, o Grande, diz: "A tarefa principal do atleta (isto é, do monge) é entrar em seu coração". Isso não significa que o monge deva procura encher sua oração de sentimento; significa que deve esforçar-se para deixar que ela remodele toda a sua pessoa. O discernimento mais profundo dos monges do deserto é que entrar no coração é entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, o caminho para Deus é pelo coração.

Isaac, o Sírio, escreve:

"Procure entrar na câmara do tesouro... que está dentro de você e então descobrirá a câmara do tesouro do céu. Pois ambas são a mesma coisa. Se conseguir entrar em uma, você verá ambas. A escada para este Reino está escondida dentro de você, em sua alma. Se você purificar a alma, ali verá os degraus da escada que deve subir."

E João de Cárpato diz:

"É preciso grande esforço e luta na oração para alcançar aquele estado da mente que é livre de toda perturbação; é um céu dentro do coração (literalmente 'intracardíaco'), o lugar onde, como o apóstolo Paulo assegura, "Cristo está em vós." (2Cor13,5)

Em suas falas, os monges do deserto nos indicam uma visão bastante holística de oração. Eles nos afastam de nossas práticas intelectuais, nas quais Deus se transforma em um dos muitos problemas com os quais temos de lidar. Mostram-nos que a verdadeira oração penetra no âmago de nossa alma e não deixa nada sem tocar. A oração do coração não nos permite limitar nosso relacionamento com Deus a palavras interessantes ou emoções piedosas. Por sua própria natureza, essa oração transforma todo o nosso ser em Cristo, precisamente porque abre os olhos de nossa alma à verdade de nós mesmos e também à verdade de Deus. Em nosso coração passamos a nos ver como pecadores abraçados pela misericórdia de Deus. É essa visão que nos faz clamar: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim, pecador". A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.

Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso. Essa verdade é o que nos dá o "descanso" do hesicasta. Quando ela se abriga em nosso coração, somos menos distraídos por pensamentos mundanos e nos voltamos mais sinceramente para o Senhor de nossos corações e do universo. Assim, as palavras de Jesus: "Felizes os corações puros: eles verão a Deus" (Mt 5,8) tornam-se reais em nossa oração. As tentações e as lutas continuam até o fim de nossas vidas, mas com um coração puro ficamos tranquilos, mesmo em meio a uma existência agitada.

Isso levanta o problema de como praticar a oração do coração em um ministério bastante agitado. É a essa questão de disciplina para a qual precisamos agora voltar a atenção.


Oração e ministério

Como nós, que não somos monges nem vivemos no deserto, praticamos a oração do coração? Como ela influencia nosso ministério cotidiano?

A resposta a essa pergunta está na formulação de uma disciplina definitiva, uma regra de oração. As características da oração do coração que nos ajudam a formular essa disciplina:

— A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples;

— A oração do coração é incessante;

— A oração do coração inclui tudo;

— Alimenta-se de Orações Breves.

No contexto de nossa cultura verbosa, é significativo ouvir os monges do deserto nos aconselhando a não usar palavras em excesso:

"Perguntaram ao aba Macário: 'Como se deve rezar?' O ancião respondeu: 'Não há, em absoluto, necessidade de fazer longos discursos; basta estender a mão e dizer: Senhor, como queres e como sabes, tem misericórdia. E se o conflito ficar mais ameaçador, dizer: Senhor, ajuda. Ele sabe muito bem do que precisamos e nos mostra sua misericórdia'."

João Clímaco é ainda mais explícito:

"Quando rezar, não procure se expressar em palavras extravagantes pois, quase sempre, são as frases simples e repetitivas de uma criancinha que nosso Pai do céu acha mais irresistíveis. Não se esforce em muito falar, para que a busca de palavras não lhe distraia a mente da oração. Uma única frase nos lábios do coletor de impostos foi suficiente para lhe alcançar a misericórdia divina; um pedido humilde feito com fé foi suficiente para salvar o bom ladrão. A tagarelice na oração sujeita a mente à fantasia e à dissipação; por sua natureza, as palavras simples tendem a concentrar a atenção. Quando encontrar satisfação ou contrição em determinada palavra de sua oração, pare nesse ponto."

Essa é uma sugestão muito útil para nós que tanto dependemos da capacidade verbal. A tranquila repetição de uma única palavra ajuda-nos a descer com a mente ao coração. (Também a base da Oração Cristã)***. Essa repetição nada tem a ver com mágica. Não tem o propósito de enfeitiçar Deus, nem de forçá-lo a nos ouvir. Pelo contrário, uma palavra ou sentença repetida com frequência ajuda-nos a nos concentrar, a nos mover para o centro, a criar uma tranquilidade interior e, assim, a ouvir a voz de Deus. Quando simplesmente tentamos ficar sentados em silêncio e esperar que Deus nos fale, nos vemos bombardeados por intermináveis pensamentos e ideias conflitantes. Mas quando usamos uma sentença bastante simples como: "Ó Deus, vem em meus auxílio", ou "Jesus, mestre, tem piedade de mim", ou uma palavra como "Senhor" ou "Jesus", é mais fácil deixar as muitas distrações passarem sem nos deixarmos iludir por elas. Essa oração simples, repetida com facilidade, esvazia aos poucos nossa vida interior apinhada e cria o espaço sossegado onde habitamos com Deus. É como uma escada pela qual descemos ao coração e subimos a Deus. Nossa escolha de palavras depende de nossas necessidades e das circunstâncias do momento, mas é melhor usar palavras da Escritura.

Quando somos fieis a essa oração simples e a praticamos com regularidade, ela nos conduz devagar a uma experiência de descanso e nos abre à presença ativa de Deus. Além disso, em um dia muito atarefado, podemos levar essa oração conosco. Quando, por exemplo, passamos, no início da manhã, 20 minutos sentados na presença de Deus com as palavras: "O Senhor é meu pastor", elas lentamente constroem em nosso coração um pequeno ninho para si mesmas e ali ficam o restante de nosso dia atarefado. Até enquanto falamos, estudamos, cuidamos do jardim ou construímos alguma coisa, a oração continua em nosso coração e nos mantém conscientes da orientação onipresente de Deus. A disciplina não é agora dirigida para um discernimento mais profundo do que significa chamar Deus de nosso Pastor, mas para a íntima experiência da ação pastoral de Deus em tudo que pensamos, dizemos ou fazemos.


Incessante

A segunda característica da oração do coração é ser incessante. A pergunta de como seguir a ordem de Paulo: "Orai incessantemente" foi fundamental no hesicasmo desde a época dos monges do deserto até a Rússia oitocentista. Há muitos exemplos desse interesse nos dois extremos da tradição hesicástica. (Vejamos um dos principais:)

Na famosa história do Peregrino Russo lemos:

"Pela graça de Deus sou cristão, mas pelas minhas ações sou um grande pecador... No vigésimo quarto domingo depois de Pentecostes, fui à igreja para ali fazer minhas orações durante a liturgia. Estava sendo lida a primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses e, entre outras palavras, ouvi estas: 'Orai incessantemente' (1Ts 5,17). Foi esse texto, mais que qualquer outro, que se inculcou em minha mente, e comecei a pensar como seria possível rezar incessantemente, já que um homem tem de se preocupar também com outras coisas a fim de ganhar a vida."

O camponês foi de igreja em igreja, para ouvir sermões, mas não encontrou a resposta que queria. Finalmente, encontrou um santo staretz que lhe disse:

"A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus. Para sermos bem-sucedidos nesse exercício consolador, precisamos suplicar com mais frequência a Deus que nos ensine a rezar sem cessar. Rezar mais e rezar com mais fervor. É a própria oração que lhe revela como rezá-la sem cessar; mas leva algum tempo."

Então, o santo staretz ensinou ao camponês a Oração de Jesus: "Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim". Enquanto viajava como peregrino pela Rússia, o camponês passou a repetir essa oração com os lábios. Até considerava a oração de Jesus sua companheira verdadeira. E, então, um dia, teve a sensação de que a oração passou sozinha de seus lábios para seu coração. Ele diz:

"... parecia que, pulsando normalmente, meu coração começava a dizer as palavras da oração a cada batida... Desisti de dizer a oração com os lábios. Passei simplesmente a ouvir o que meu coração dizia."

Aqui aprendemos outro jeito de chegar à oração incessante. A oração continua a rezar dentro de mim, até enquanto falo com os outros ou me concentro no trabalho manual. Ela se torna a presença ativa do Espírito de Deus que me guia pela vida.

Desse modo vemos como, pela caridade e pela atividade da oração de Jesus em nosso coração, nosso dia todo se transforma em oração contínua. Não sugiro que imitemos o peregrino russo, mas que, também nós, em nosso ministério atarefado, nos preocupemos em rezar sem cessar, para que, seja o que for que comamos ou bebamos, seja o que for que façamos o façamos pela glória de Deus. (Veja 1Cor 10,31). Amar e trabalhar pela glória de Deus não pode permanecer uma ideia sobre a qual pensamos de vez em quando. Deve se tornar uma incessante doxologia**** interior.


Inclui tudo

Uma última característica da oração do coração é que ela inclui todos os nossos interesses. Quando entramos com a mente no coração e ali ficamos na presença de Deus, então todas as nossa preocupações mentais se transformam em oração. O poder da oração do coração é precisamente que, por meio dela, tudo que está em nossa mente se transforma em oração.

Quando dizemos a alguém: "Vou rezar por você", assumimos um compromisso muito importante. É uma pena que esse comentário muitas vezes não passe de uma expressão de interesse. Mas, quando aprendemos a descer com nossa mente em nosso coração, todos os que fazem parte de nossa vida são guiados à presença curativa de Deus e tocados por ele no centro de nosso ser. Falamos aqui de um mistério para o qual palavras são inadequadas. É o mistério em que o coração, centro de nosso ser, é transformado por Deus em seu coração, um coração grande o bastante para abraçar todo o universo. pela oração, carregamos em nosso coração toda a dor e tristeza humanas, todos os conflitos agonias, toda a tortura e a guerra, toda a fome, solidão e miséria, não por causa de alguma grande capacidade psicológica ou emocional, mas porque o coração de Deus uniu-se ao nosso.

Aqui vislumbramos o sentidos das palavras de Jesus:

"Tomais sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque eu sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. Sim, o meu jugo é fácil de carregar, e o meu fardo é leve." (Mt 11,29-30)

Jesus nos convida a aceitar seu fardo, que é o do mundo todo, um fardo que inclui o sofrimento humano em todos os tempos e lugares. Mas esse fardo divino é leve e podemos carregá-lo quando nosso coração se transforma no coração manso e humilde de nosso Senhor.

Vemos aqui o íntimo relacionamento entre oração e ministério. A disciplina de conduzir todo o nosso povo com suas lutas ao coração manso e humilde de Deus é a disciplina de oração e também do ministério. Enquanto o ministério significar apenas que nos preocupamos muito com as pessoas e seus problemas; enquanto significar um número interminável de atividades que dificilmente conseguimos coordenar, ainda dependeremos muito de nosso coração tacanho e ansioso. Mas quando nossas preocupações são elevadas ao coração de Deus e ali se transformam em oração, ministério e oração se tornam duas manifestações do mesmo amor universal de Deus.

Vimos como a oração do coração se nutre de orações breves, é incessante e inclui tudo. Essas três características mostram como a oração do coração é o alento da vida espiritual e de todo o ministério. Na verdade, essa oração não é apenas uma atividade importante, mas o próprio centro da nova vida que queremos representar e na qual queremos iniciar nosso povo. As características da oração do coração deixam claro que ela exige uma disciplina pessoal. Para levar uma vida de oração não podemos passar sem orações específicas. Precisamos dizê-las de uma forma que nos ajude a ouvir melhor o Espírito que reza em nós. Precisamos continuar a incluir em nossa oração todas as pessoas com as quais e para as quais vivemos e trabalhamos. Essa disciplina vai nos ajudar a passar de um ministério entontecedor, fragmentário e muitas vezes frustrante para um ministério integrador, holístico e muito gratificante. Ela não vai facilitar o ministério, mas simplificá-lo; não vai torná-lo doce e piedoso, mas sim espiritual; não vai fazê-lo indolor e sem lutas, mas tranquilo no verdadeiro sentido hesicástico.


Henri Nouwen


Notas deste blog:

*Hesicasmo:  Prática espiritual mística de algumas igrejas cristãs, sobretudo ortodoxas. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/hesicasmo.

**Satanás: Do hebraico "satan" שטן - Significa "questionador", "opositor", "oponente". Não é um ser existente. É mitológico. Apenas uma figura de linguagem, um símbolo, um arquétipo.

***Nota do autor do site: ecclesia.org

****Doxologia: Manifestação gloriosa de Cristo; louvor ou prece à glória de Deus. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/doxologia.




Fonte: NOUWEN, Henri J. M. A Espiritualidade do Deserto e o Ministério Contemporâneo - O Caminho do Coração. São Paulo: Ed. Loyola, 2000.
Via http://www.ecclesia.org.br/biblioteca/espiritualidade/a_oracao_do_coracao.html
Fonte da Gravura: Tumblr

A CIÊNCIA DE ENTRAR NO SILÊNCIO


O objetivo da meditação é a experimentação do Divino.

"Antes que os olhos possam ver, não deverão mais poder chorar. Antes que o ouvido possa escutar, deverá ter perdido sua sensibilidade. E antes que a Voz possa falar em presença dos Mestres, deverá ter perdido o poder de ferir". É o que podemos ler no Lumiére sur le Chemin (Luz do caminho). Poderíamos acrescentar, é claro: "Antes que a voz do Mestre possa ser ouvida, o aspirante deverá ter calado as vozes do medo, da cólera, da avidez, da inveja, da luxúria e todas as outras vozes pelas quais a Sombra confunde o espírito do buscador".

Mas, em nossa época de recompensas imediatas e de compensações rápidas, é difícil suprimir a necessidade inconsciente de iluminação instantânea. Consequentemente, muitos estudantes bem intencionados pensam que aplicando com fé as técnicas antigas, serão recompensados com o presente último, o presente da iluminação espiritual, como prometido pelos sábios que desenvolvem e praticam essas técnicas desde muito tempo. Então, se escutarmos atentamente, poderemos ouvir a queixa, velada mas clara, da maioria dos estudantes que não fizeram progresso ao menos como desejavam.

Infelizmente, esse fenômeno está mais fortemente ligado ao fenômeno moderno de ruptura com o passado do que à incapacidade do estudante sincero em se aplicar a sua tarefa. Pois, da mesma forma que a ciência, uma vez liberada do elemento filosófico, que a ancora ao conjunto da vida e dos Valores humanos, deixa de ser a "ciência" em seu sentido tradicional, e é transformada em escravo servil à tecnologia, assim também às técnicas esotéricas antigas, privadas dos elementos fisiológicos aos quais estavam ligadas para a eficácia, tornam-se simples robô nas mãos daqueles que estão desconectados de suas raízes psíquicas e espirituais.

Já é bem sabido que, para os pitagóricos, o problema da espiritualidade não era, na verdade, tornar-se divino mas, antes, tomar consciência do divino nos princípios universais. O processo pitagórico concentrava-se essencialmente sobre isto, pois eles sabiam que exatamente o que detém o aspirante em seu desenvolvimento da consciência divina, nos princípios universais, tanto quanto hoje como ontem, é um estado interior de cegueira relacionado com a psicologia de cada um.

Não nos esqueçamos de que, naquela época, não havia realmente uma classe média, mas sim unta classe superior e uma classe inferior. E embora houvesse certamente traumas psicológicos entre as pessoas da alta sociedade, estes não eram tão numerosos quanto os que podiam ser encontrados na classe inferior, Além do mais, entre os pitagóricos, os aspirantes provinham em grande parte das classes abastadas; e apesar disto, antes de serem aceitos na escola, eles eram severamente testados no que tocava a sua predisposição psicológica. E uma vez aceitos, não havia garantia de progresso, pois isto deveria ser conquistado, e não concedido. A preparação psicológica era, e continua a sê-lo, um imperativo vital para o trabalho espiritual.

Após ter sido aceito entre os pitagóricos, o aspirante era primeiramente submetido a um período de silêncio que durava cinco anos. Durante esse "período de silêncio", o aspirante deveria aprender a guardar para si mesmo as suas próprias opiniões, a reconhecer e suspender suas próprias tendências em tecer considerações sobre cada assunto. Em outras palavras, o aspirante deveria aprender a ser silencioso interiormente, para ser capaz de escutar. De tal maneira que, quando viesse a falar, estivesse extremamente consciente de suas motivações e do significado de suas palavras. O medo havia sido vencido, os traumas psicológicos regulados e, enfim, a vontade teria se tornado verdadeiramente livre.

No mundo de hoje, embora os testes para o aspirante sejam muito mais sutis, a maior parte dos estudantes trabalha com a concepção errônea de ter investido determinado numero de anos no estudo dos ensinamentos de tal filosofia ou escola de mistério ou de que "o tempo de serviço" deve ser uma garantia de seu progresso. Nada pode estar mais longe da verdade! Pois antes e a menos que se tenha obtido êxito em comer porções substanciais de nossa própria sombra, permaneceremos privados desses elementos psicológicos que são indispensáveis ao avanço espiritual.

Saiba que o segredo de desenvolver a ciência de penetrar no silêncio deve ser encontrado na consciência de si, na interrogação de si, e na honestidade frente a frente a si mesmo. Primeiramente, deve-se estar consciente de suas reações interiores às circunstâncias e acontecimentos exteriores. Depois, deve-se ser capaz de se perguntar por que as reações em questão são experimentadas. E, enfim, deve-se ser suficientemente honesto consigo mesmo e aceitar examinar em detalhes todas as respostas que podem surgir para este auto-interrogatório. Esta abordagem demonstrou ser muito eficaz para integrar as energias discordantes que rivalizam para manter nossa atenção na cena de nossa consciência.

(Autor não especificado)



Fonte: HERMANUBIS MARTINISTA
http://www.hermanubis.com.br/artigos/artigos.htm
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O MEDO DA MORTE (MEDITAÇÃO E MANTRA)


Ao meditar […] estamos a encarar a morte todos os dias. E, se encararmos a morte todos os dias, se nos permitirmos morrer um pouquinho mais todos os dias, então, a experiência da morte irá permitir-nos viver cada dia de forma mais plena. A morte encarada com fé leva-nos além do medo e faz-nos viver cada dia com esperança certa da vida eterna. A morte cancela o nosso sentido de futuro e, assim, força-nos a concentrar totalmente no momento presente. Para onde mais podemos ir? Quando realmente encaramos a morte, estamos totalmente no momento presente. Entramos na eternidade antes de morrermos, se conseguirmos enfrentar a morte com esta atenção isenta de fuga. Mas nós tentamos sempre fugir do momento presente.

Habitualmente, fugimos do presente, quer vivendo no passado, quer criando um mundo de fantasia. Mas, quando estamos a meditar, a recitação do mantra fecha-nos a porta a essas duas opções ou caminhos de fuga. Não há sítio algum para onde ir, a não ser estar aqui. O mantra aponta numa direção, para o centro. É um caminho estreito, mas é o caminho da verdade. Ao seguirmos o caminho do mantra, ao aprendermos a dizê-lo com coragem e humildade, ele conduz-nos por um caminho em que tudo o que, em nós, nos poderia impedir de alcançar a plenitude da vida morre. A cada dia, morremos na fé e essa é a suprema preparação para a hora da nossa morte. Mas, enquanto forma de morrer na fé, ela inevitavelmente leva-nos a confrontar duas forças muito poderosas que também devemos estar preparados para enfrentar. São as forças do medo e da raiva. […]

[Mas] a raiva, e o medo que dela nasce, é tudo o que a meditação não é. A raiva mais profunda vem do nosso medo mais profundo – o da morte. Mas vem também das mais diversas causas secundárias, de tudo o que constitui a nossa história psicológica. Precisamos de estar conscientes, quando meditamos, e à medida que nos vamos limpando a nós mesmos dessa raiva, de que não é a nossa preocupação imediata descobrir de onde é que ela vem. Tudo o que é realmente importante é estarmos a deitá-la fora. […] O que é importante é que o amor, que está ativo na recitação com fé do mantra, expulsa o temor e a raiva do nosso coração. […]. Nas palavras da 1ª Epístola de S. João (4:16-18): “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele. É nisto que em nós o amor se mostra perfeito: em estarmos cheios de confiança no dia do juízo, pelo fato de sermos neste mundo como Ele foi. No amor não há temor; pelo contrário, o perfeito amor lança fora o temor.”


Laurence Freeman, OSB



Fonte: “O Medo da Morte” – Laurence Freeman OSB, in “O Ser Altruísta” (excerto)
(no original: “THE SELFLESS SELF” - London: Darton, Longman, Todd, 1989 -  pp. 129-131.)
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - Portugal
http://www.meditacaocrista.com/
Fonte da Gravura: Grev Kafi (the pseudonym of two symbolist painters, Evdokia Fidel'skaya and Grigoriy Kabachnyi, a married couple, that work in co-authorship)
http://www.grevkafi.org