sexta-feira, 29 de julho de 2022

DOR - SOFRIMENTO - EVOLUÇÃO


Entre a dor física e a dor moral, qual das duas faz vibrar mais profundamente o espírito humano?

Podemos classificar o sofrimento do espírito como a dor-realidade e o tormento físico, de qualquer natureza, como a dor-ilusão.

Em verdade, toda dor física colima o despertar da alma para os seus grandiosos deveres, seja como expressão expiatória, como consequência dos abusos humanos, ou como advertência da natureza material ao dono de um organismo.

Mas, toda dor física é um fenômeno, enquanto que a dor moral é uma essência.

Daí a razão porque a primeira vem e passa, ainda que se faça acompanhar das transições de morte dos órgãos materiais, e só a dor espiritual é bastante grande e profunda para promover o luminoso trabalho do aperfeiçoamento e da redenção.


De algum modo, pode-se conceber a felicidade na Terra?

Se todo Espírito tem consigo uma noção da felicidade, é sinal que ela existe e espera as almas em alguma parte.

Tal como sonhada pelo homem do mundo, não pode existir, por enquanto, na face do orbe, porque, em sua generalidade, as criaturas humanas se encontram intoxicadas e não sabem contemplar a grandeza das paisagens exteriores que as cercam no planeta. Contudo, importa observar que é no globo terrestre que a criatura edifica as bases da sua ventura real, pelo trabalho e pelo sacrifício, a caminho das mais sublimes aquisições para o mundo divino de sua consciência.


Onde o maior auxílio para nossa redenção espiritual?

No trabalho de nossa redenção individual ou coletiva, a dor é sempre o elemento amigo e indispensável. E a redenção de um espírito encarnado, na Terra, consiste no resgate de todas as suas dívidas, com a consequente aquisição de valores morais passíveis de serem conquistados nas lutas planetárias, situação essa que eleva a personalidade espiritual a novos e mais sublimes horizontes na vida do infinito.


Por que o Evangelho não nos fala das alegrias da vida humana?

O Evangelho não podia trazer os cenários do riso mascarado do mundo, mas a verdade é que todas as lições do Mestre Divino foram efetuadas nas paisagens da mais perfeita alegria espiritual.

Sua primeira revelação foi nas bodas de Caná, entre os júbilos sagrados da família. Seus ensinamentos, à margem das águas do Tiberíades, desdobraram-se entre criaturas simples e alegres, fortalecidas na fé e no trabalho sadio.

Em Jerusalém, contudo, junto das hipocrisias do Templo, ou em face dos seus algozes empedernidos, o Mestre Divino não poderia sorrir, alentando a mentira ou desenvolvendo os métodos da ingratidão e da violência.

Eis por que, em seu ambiente natural, toda a história evangélica é sempre um poema de luz, de amor, de encantamento e de alegria.


Existem lugares de penitência no plano espiritual? E acaso poderá haver sofrimento eterno para os espíritos inveterados no erro e na rebeldia?

Considerando a penitência em sua feição expiatória, existem numerosos lugares de provações na Esfera para vós invisível, destinados à regeneração e preparo de entidades perversas ou renitentes no crime, a fim de conhecerem as primeiras manifestações do remorso e do arrependimento, etapas iniciais da obra de redenção.

Quanto à ideia do sofrimento eterno, se houvesse espíritos eternamente inveterados no crime, haveria para eles um sofrimento continuado, como o seu próprio erro; o Pastor, porém, não quer se perca uma só de suas ovelhas e, dia virá em que a consciência mais denegrida experimentará, no íntimo, a luz radiosa da alvorada de seu amor.


Se é justo esperarmos no decurso do nosso roteiro de provações na Terra, por determinadas dores, devemos sempre cultivar a prece?

A lei das provas é uma das maiores instituições universais para a distribuição dos benefícios divinos. Precisais compreender isso, aceitando todas as dores com nobreza de sentimento.

A prece não poderá afastar os dissabores e as lições proveitosas da amargura, constantes do mapa de serviços que cada espírito deve prestar na sua tarefa terrena, mas deve ser cultivada no íntimo, como a luz que se acende para o caminho tenebroso, ou mantida no coração como o alimento indispensável que se prepara de modo a satisfazer à necessidade própria, na jornada longa e difícil, porquanto, a oração sincera estabelece a vigilância e constitui o maior fator de resistência moral, no centro das provações mais escabrosas e mais rudes.



Francisco Cândido Xavier / Emmanuel




Fonte: "O Consolador"
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DORES-ESTÍMULOS


Não digas que toda a problemática do sofrimento se vincula exclusivamente ao resgate correspondente a erros cometidos.

Onde colocaríamos o amor e o trabalho no dogmatismo de semelhante afirmação?

A própria Natureza nos ensina, em silêncio, ofertando-nos soluções claras e simples ao desafio.

A pedra burilada interpretaria o martelo como sendo um perseguidor, entretanto, o martelo nada mais faz que alçá-la ao apreço das multidões.

A árvore nobre identificaria o machado que a derrubou por instrumento de tortura, no entanto, o machado apenas requisitou-a para serviço respeitável na residência do homem.

Observa o aluno, muitas vezes, em ásperas regras de estudo, sem o que não conseguiria o título profissional que demanda.

Reflete no bisturi manejado por mãos hábeis, ao rasgar os tecidos do paciente para restituir-lhe a saúde.

Ponderemos tudo isso, acolhendo as disciplinas da estrada com serenidade e proveito.

Sem dor não teríamos avisos edificantes, e sem obstáculos ninguém adquire experiência.

Indiscutivelmente, existem os quadros de expiação que nós mesmos criamos e que nos cabe aceitar com gratidão e respeito em nosso próprio auxílio.

Importa considerar, porém, que a vida está matizada de dores-estímulos sem o concurso das quais não entenderíamos a própria vida.

À vista disso, na maioria das circunstâncias, a provação é exercício de resistência, tanto quanto a dificuldade é medida de fé.

Perante o sofrimento, não te abatas nem esmoreças, e sim procura a mensagem construtiva de que todo sofrimento é portador.

Nas horas de aguaceiro, mentaliza os frutos que virão.

Quando a noite envolva a paisagem, pensa nas maravilhas do alvorecer.




Francisco Cândido Xavier / Emmanuel




Fonte: "Encontro de paz", Autores diversos
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PERANTE A DOR


A dor é uma bênção que Deus nos envia, diz-nos o verbo iluminado da Codificação Kardequiana, e ousaríamos acrescentar que é também o remédio que solicitamos no limiar da existência terrestre.

Espíritos enfermos e endividados, rogamos, antes do berço, os problemas e as provações suscetíveis de propiciar-nos a alegria da cura e a benção do resgate.

Entre votos de esperança e lágrimas de angústia, pedimos em prece o reencontro com antigos desafetos de nossa estrada, pedimos as deformidades orgânicas, as moléstias ocultas, as mutilações dolorosas, o pauperismo inquietante, os golpes da calúnia, as desilusões afetivas, a incompreensão dos mais amados e os enigmas do sofrimento junto daqueles que se erigem à posição de nossos credores na Contabilidade Divina.

Entretanto, em plenitude das energias físicas, quase sempre recuamos ante os cálices de amargura, exigindo conforto imediatista e vantagens materiais, à feição de doentes enceguecidos recusando o medicamento que lhes prodigalizará a recuperação, ou à maneira de alunos preguiçosos e imprudentes fugindo sistematicamente à lição…

Lembremo-nos, pois, de que a luta é concessão celeste e de que a dificuldade é benfeitora do coração.

Aceitamo-las no caminho, não apenas com a noção da justiça que, por vezes, exageramos até a flagelação da secura, nem somente com o bordão da coragem que, em muitas ocasiões, transformamos em perigosa temeridade mas, acima de tudo, com a humildade da paciência, que tudo compreende para tudo ajudar e purificar, na jornada de nossa cruz redentora, pela qual, entre a serenidade e o amor, encontraremos por fim a imortalidade vitoriosa.



Francisco Cândido Xavier / Emmanuel



Fonte: "Através do Tempo", Autores diversos
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O SOFRIMENTO É UMA DÁDIVA, NÃO UM TESOURO


Pudemos descobrir que o nosso sofrimento, unido ao de Cristo, não só tem sentido, mas também valor e fecundidade. O exemplo dos santos nos impele a abraçar o sofrimento e transformá-lo, graças à oferta de Cristo, em ocasião de amor e dedicação. Mas devemos ter cuidado para não sairmos da dinâmica do amor e da pobreza, transformando o sofrimento em nosso tesouro, em um mérito, com o qual pretendemos comprar o amor ou a salvação própria ou alheia. Claro que o sofrimento pode e deve ser oferecido, mas como um dom que nasce do amor agradecido, não com a mentalidade farisaica que pensa no sofrimento como mais um mérito que pode ser usado diante de Deus para obter seu favor. [1]

Quem salva almas é quem "canta", e não é o sofrimento que dá valor ao seu canto, é o fato de cantar por amor que dá valor aos seus sofrimentos, porque permite que se tornem, na escola de Cristo, um eco do louvor da Trindade.

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Vemos o erro em que correm o risco de cair as almas de bem, que não pretendo condenar; mas cujos sofrimentos correm o risco de se tornarem estéreis porque, ao oferecê-los, dão mais importância a eles do que à gratuidade inútil de seu canto de amor. «Mesmo que Jesus não soubesse que sofro por ele, disse Teresa, ficaria feliz em dar-lhe…», simplesmente porque, nos seus dons, só tinha em conta a alegria de dar, e não o valor do que ele deu.

É preciso muito amor para entender essa atitude no próprio sofrimento: o sofrimento é muito importante para nós, e não seria sofrimento se não parecesse supremamente importante, visceralmente importante, não sofrer ou sofrer menos. Não é este o momento de esmiuçar este grande mistério da condição humana: digo apenas que uma coisa é legitimamente dar a máxima importância, com toda a força do nosso pobre corpo, ao desaparecimento ou mesmo ao alívio de todo o sofrimento, e outra coisa é dar importância ao sofrimento como dom, como dom oferecido a Deus. Certamente há um sofrimento indizível estabelecido pelo próprio Deus, que quer que o sofrimento tenha valor em união com o de Cristo...; mas, para sermos puros, a oferta da nossa cruz exige que renunciemos absolutamente a calcular o valor daquilo que damos e, sobretudo, a avaliá-lo segundo a intensidade do sofrimento: "hilarem datosrem diligit Deus" (Deus ama aquele que dá com alegria), e se fingirmos que é impossível fazê-lo no sofrimento, isso vem dizer que é impossível dar realmente...; o que, com efeito, é um verdadeiro milagre... ("o que é impossível para os homens é possível para Deus"). Quero apenas sublinhar a relação absoluta que deve ser estabelecida entre dom, alegria, superabundância, gratuidade, inutilidade: todas essas noções são uma só, e a exigência prática de que assim sejam para nós é grande. (M.-D. Molinié , A visão face a face, segunda parte, capítulo I, seção Os dons do Espírito Santo e a «psicologia do Céu») [2]

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Mas Teresa nos liberta da armadilha que nos assombra a todos: pensar que fizemos algo grande ou importante por causa do sofrimento. Não se trata disso, e enquanto não entendermos, é melhor não cobiçar o sofrimento. Devemos consolar a Deus oferecendo-nos ao seu amor para que derrame doçura, consolação, perdão, sobre os grandes pecadores, sem perspectiva de penitência anterior ao sofrimento, por menor que seja. Antes de mais nada, esta atitude deve ser enraizada: «Falando, um dia, da oração da festa de Santa Teresa do Menino Jesus, ela (Madre Inês), disse com convicção: “Olha, a Igreja não nos faz pedir segui-la no caminho de um amor ardente, mas de humildade e simplicidade de coração”».

A Igreja sempre professou a doutrina de Teresa, mas não com essa força, porque essa linguagem é inacessível aos corações grosseiros: para compreendê-la é preciso ser pouco ou muito oprimido: «Um coração quebrantado e humilhado, Deus não despreza!" (Salmo 50)

Assim, quem compreendeu que Deus tudo perdoa e tudo dá sem pedir nada..., quem entende isso não corre o risco de se entusiasmar com a ideia do sofrimento: acolhe o sofrimento ou o desejo de sofrer acolhendo o Amor de Deus... e de nenhuma outra forma. Ele recebe o desejo de sofrer ou sofrer como dom de Deus, não como dom que dá a Deus, a não ser para se deixar preencher. (Molinié, escolho tudo, 8, parágrafo catecismo de Celina) [3]

O desejo de sofrer não é nada se não foi desenvolvido na alegria de ser pobre e impotente: esse desejo pode até se tornar um erro monstruoso se nos fizer sair da pequenez para entregar-se ao heroísmo. (Molinié, eu escolho tudo, 8, seção Como epílogo, Conclusão) [4]

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A alma que sofre por outra acredita implicitamente que esse sofrimento tem um significado e um valor, sem o qual Deus não o infligiria a ela. De fato, Deus é o único responsável por todos os sofrimentos que não são consequência imediata das nossas negligências; a doença é um exemplo diário desses sofrimentos. Isso significa que esse sofrimento é uma obra de justiça. Rigorosa justiça da qual a Igreja nos diz que punirá as faltas dos eleitos no purgatório se não souberem expiá-las na Terra... Deixemos, portanto, de discutir, aceitemos que todo sofrimento é expiatório quando não vem do próprio pecado, sem entendê-lo bem. De qualquer forma, não entendo; mas Deus me pede para acreditar nisso e, pobremente, ofereço-lhe este dom.

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Santa Teresa do Menino Jesus nos ajuda a compreender o verdadeiro significado do sofrimento como mérito e reparação, que tem mais a ver com aceitar a misericórdia que Deus não pode derramar sobre aqueles que lhe estão fechados, do que sofrer o castigo que os outros merecem. Mais uma vez, o sofrimento torna-se um dom que faz sentido na dinâmica do amor gratuito de Deus.

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Toda esta lógica do Amor é sustentada, sem dúvida, pela premonição da Misericórdia que nos propõe: Misericórdia que Jesus Cristo nos deu, depois de oferecer o sofrimento, depois de se oferecer como vítima etc. Mas, para se oferecer como vítima, era preciso purificar-se até a igualdade de amor: uma alma não purificada que se oferece como vítima comete um ato de presunção. (Molinié, escolho tudo, 5, seção Vítima do holocausto a Amor Misericordioso) [5]

Como já descrevemos em outro lugar, é necessário distinguir a oferenda como vítima do holocausto ao Amor misericordioso, ao qual todas as pequenas almas são chamadas, dos terríveis sofrimentos de Teresa do Menino Jesus, tanto físicos durante sua longa doença quanto espirituais em a escuridão mais terrível em relação ao céu. [6] Este sofrimento não deve ser pedido e só pode ser explicado por um desejo especial de salvar almas e sustentado por uma confiança heródica.

Se eu perguntasse a Santa Teresa sobre seus sentimentos em relação a sua grande provação e seu intolerável sofrimento físico, sinto que ela foi tentada a ponto de se perguntar com angústia se a Vítima do Amor não estava entregue ao sofrimento exatamente como a Vítima da Justiça. Mas imediatamente eu a ouço, após este relâmpago sombrio, responder com certeza: “Eu nunca teria acreditado que fosse possível sofrer tanto! Nunca! Nunca! Não posso explicar a mim mesma, a não ser os desejos ardentes que tive de salvar almas." [7]

O sofrimento físico e moral é, pois, na nossa santa, fruto da sua cooperação voluntária com a Paixão de Cristo, cooperação implícita, muito evidentemente, no seu Ato de Oferecimento, segundo a própria medida da vontade do Senhor.

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A alma que se oferece ao Amor não pede sofrimento, mas, entregando-se inteiramente aos desígnios do amor, aceita todas as alegrias, o trabalho e as provações que a Providência lhe permite, e conta com a infinita Misericórdia para suportar com alegria o fardo e santificá-lo. (Molinié, escolho tudo, 8, seção Como epílogo. Um texto de Celina) [8]

Mas o sofrimento oferecido como dom não serve apenas como oferta gratuita ao amor misericordioso, mas também nos introduz a um conhecimento novo e mais profundo do amor de Deus.

Aqui a mensagem de Teresa sugere claramente o que a unanimidade dos místicos sempre previu, a saber: que o sofrimento de alguma forma tem uma resposta de Deus. Uma resposta que não é a do sofrimento (de forma alguma a do sofrimento, nem mesmo a superação), mas é uma resposta, isto é, algo em que o sofrimento vai iniciar os santos de maneira insubstituível: há algo de Deus que só o sofrimento oferecido como dom de amor nos permite conhecer experiencialmente.

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Notas:

[1] «Resta especificar de que maneira e em que medida Deus oferece aos seres que assim o seduzem a participar de seu sofrimento diante do inferno. É o maior dom que ele lhes dá, assim como eles dão a Deus o dom mais belo que ele deseja, dando-lhe o que são: culpados de tudo por todos, comendo à mesa dos pecadores etc.» (Molinié, Culpado de tudo para todos, 4, A luz do purgatório: M.-D. Molinié, Coupable de tout pour tous, 152-153).

[2] M.-D. Molinié, Un feu sur la terre. Réflexions sur la théologie des saints, IV, La Vision face à face et le régime du Ciel, Paris 2001 (Téqui), 109-110. Cf. Molinié, El coraje de tener miedo, 73-75.

[3] M.-D. Molinié, Je choisis tout, 206.

[4] M.-D. Molinié, Je choisis tout, 225. Más adelante (p. 226) añade: «El deseo de sufrir es el don que Dios hace a los que le complacen: es la correspondencia de la locura que empuja a Dios a salir de él».


[5] M.-D. Molinié, Je choisis tout, 131-132.

[6] Veja a seção O martírio do amor em nosso tema «Martírio, Eucaristia e contemplação». Por exemplo: «Teresa era possuída por estes dois desejos, fala de acordo com um ou outro ao mesmo tempo sem se preocupar sempre em distingui-los, mas não os confundia. Uma carta ao abade Bellière atesta isso: “Você me diz, meu irmão, para pedir para si a graça do martírio. Já pedi esta graça muitas vezes para mim, mas não sou digno dela, e pode-se dizer verdadeiramente com São Paulo: Não se trata de quem quer ou de quem corre, mas de Deus que é misericordioso. E como o Senhor parece não querer conceder-me outro martírio que não o do amor, espero que me permitas recolher, graças a ti, essa outra palma” [Carta 224]. Da mesma forma, convidou as almas ao martírio do Amor, mas diante do terror da Irmã María del Sagrado Corazón, instintivamente retifica o erro que Celina combateu aqui, dizendo que seus próprios desejos de martírio fazem parte das “riquezas que fazem nós injustos”. Celina tem toda a razão ao dizer que a consagração ao Amor Misericordioso, sem excluir formalmente esses desejos, não os encoraja. Além disso, em seu catecismo do Ato de Oferenda, ele diz que o desejo de sofrer foi superado na própria Teresa, no final de sua vida, pelo desejo de abandonar-se à vontade de Deus. Mas é verdade que Teresa se surpreendeu por ter que sofrer tanto, que teve dúvidas sobre sua promessa de que o ato de consagração não a exporia a um sofrimento excepcional. Com efeito, entre estes dois martírios há um vínculo orgânico: mas só a vontade de Deus governa esse vínculo, e não se entregando ao Amor se dá ao sofrimento, ou a mais sofrimento. Pensar isso seria quebrar a própria confiança que Teresa quer provocar com essa insistência, seria jogar o jogo do diabo e não do Espírito Santo: por isso madre Inês e Celina lutaram tanto contra essa interpretação” (Molinié , Lo elijo todo, 8, par. Como epílogo Comentário: M.-D. Molinié, Je choisis tout, 221).

[7] Santa Teresa del Niño Jesús, Cuaderno amarillo, 30.9.

[8] M.-D. Molinié, Je choisis tout, 203.




Fonte: Hermandad de Contemplativos en el Mundo
https://contemplativos.com/el_coraje_de_tener_miedo/el-sufrimiento/
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A FECUNDIDADE DO SOFRIMENTO


Sem cair no erro de canonizar o sofrimento por si mesmo ou de esquecer o mistério que ele encerra e do qual devemos abordar com muita delicadeza, não podemos deixar de falar da fecundidade do sofrimento que podemos - e, como cristãos, devemos - descobrir através da luz da fé.

Se a doença iluminou minha fé, devo acrescentar que a fé iluminou muito mais minha doença. Creio já ter dito que o importante na doença é descobrir seu "significado". Bem, descobrir que desde a minha doença participo mais viva e verdadeiramente da paixão de Jesus foi para mim a fonte primária da minha esperança e da minha alegria. Quero proclamar que essa ideia de que a doença é realmente "redentora" não é um clichê teológico, mas algo radicalmente verdadeiro. Vou esclarecer, para não cair em um masoquismo equivocado, que o que Deus espera de nós não é nossa dor, mas nosso amor; mas é bem verdade que uma das principais maneiras pelas quais podemos mostrar nosso amor por Ele é nos unirmos apaixonadamente à sua cruz e à sua obra redentora. Em última análise, que outras coisas, nós homens, temos para contribuir para sua tarefa? [1]

As palavras do Senhor, no Evangelho, nos colocam no caminho da fecundidade do sofrimento. O que Cristo manifesta antes de sua paixão, para anunciar a fecundidade de sua morte, vale também para o sofrimento do cristão.

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica infértil; mas se morrer, dará muito fruto. Quem se ama perece, e quem se odeia neste mundo se salvará para a vida eterna. Quem quiser me servir deve seguir-me, e onde eu estiver, ali estará também o meu servo." (Jo 12,24-26)

Num mundo que foge de todo sofrimento porque não descobre o seu sentido, e numa Igreja tentada a buscar a eficiência com os meios do mundo, é necessário proclamar novamente a fecundidade do sofrimento cristão, naturalmente vivendo unida a Cristo como expressão de compromisso e amor: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos." (Jo 15,13) Sem este sofrimento aceito e oferecido, a caridade e o apostolado não têm valor. O apóstolo Paulo associou claramente o sofrimento e o apostolado: "Filhos meus, por quem de novo trabalho, até que Cristo seja formado em vós." (Gl 4,19)

Permanece uma questão que dificilmente abordamos: Por que Deus pediu a Cristo que sofresse tanto? Por que também esse instinto e esse desejo de sofrer (mais tarde oferecido a cristãos como Teresa), quando a Justiça não parece suficiente para explicá-lo? O Cordeiro sem mancha poderia aplacá-la com um sorriso, e ainda assim Teresa escreve: «Só o sofrimento é capaz de engendrar almas.» (Molinié, tudo escolho, 4, seção La irmã Febronia, citando Manuscrito A, 81). [2]
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A fecundidade apostólica é precisamente a decomposição da cruz aceita sem resistência ("Se o grão não morrer"...). A doçura de Deus é redentora e nada mais: primeiro em Cristo e depois naqueles que completam o que falta na Paixão de Cristo. O resto não é fecundidade: é obra do servo, cujas obras são ou não abençoadas, dependendo se vêm ou não da doçura de Deus. Nesta doçura nos tornamos verdadeiramente pai e mãe no sentido espiritual.

Resumindo, pode-se distinguir:

1. A atividade desenvolvida ao serviço de Deus para o bem dos homens: é o apostolado em sentido amplo.

2. O carisma concedido a alguns para exprimir o que contemplam e fazer com que a sua contemplação seja abundante em fecundidade gratuita. Cantam livremente, pela alegria de cantar... e o seu louvor é assumido pela graça de Deus que o torna fecundo e o utiliza como instrumento de conversão ou edificação dos homens.

3. Sofrimento redentor: é também outro canto, o mais divino e o mais fecundo de todos... (Molinié, A coragem de ter medo, 234).
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Embora possa parecer paradoxal, a fecundidade da Igreja continua lá hoje, na Cruz, como estava no cume do Calvário há dois mil anos.

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica infértil; mas se morrer, dará muito fruto." (Jo 12,24)

"Predicamos a Cristo crucificado: escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os chamados - sejam judeus ou gregos -, é Cristo, a força e a sabedoria de Deus. Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens." (1Co 1,23-25)

E por isso mesmo, a Igreja precisa de membros que sejam capazes de reviver, na própria carne, o mistério da dor da humanidade crucificada e o mistério do amor redentor do Salvador crucificado [...]

Descobrimos aqui um dom e uma vocação peculiares, que não se orientam fundamentalmente para uma tarefa específica, mas vão além, criando um "ser" que fundamenta qualquer missão ou vocação na Igreja, e sem o qual a Igreja não poderia realizar adequadamente a missão salvífica e projeção eterna, que dá sentido e eficácia à sua missão, ou seja, um ser que contém todos os ecos de todas as vocações e missões que Cristo confia à sua Igreja, e que encontra a sua expressão mais exata na feliz descoberta de Santa Teresa do Menino Jesus, que afirmou: "No coração da Igreja, minha mãe, serei amor." [3]

Isso explica porque o contemplativo tem uma vocação única e extraordinária que o leva à união de amor com o Amado, ao mesmo tempo que lhe oferece a maior projeção apostólica de sua vida, através da experiência íntima do mistério escandaloso da cruz. É uma vocação pessoal que sustenta qualquer outra vocação particular, seja monástica, apostólica, missionária, matrimonial etc. De modo que no mosteiro - e, mais ainda, no mundo -, o contemplativo é fundamentalmente chamado a viver conscientemente esse ser e missão únicos que o definem. [4]


Notas:

[1] Martín Descalzo, Reflexiones de un enfermo en torno al dolor y la enfermedad.

[2] M.-D. Molinié, Je choisis tout, 102.

[3] Santa Teresa del Niño Jesús, Manuscrito B, 3vº.

[4] Contemplativos en el Mundo, Fundamentos, 137-138.




Fonte: Hermandad de Contemplativos en el Mundo
https://contemplativos.com/el_coraje_de_tener_miedo/el-sufrimiento/
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O SOFRIMENTO É UM MISTÉRIO


Nunca devemos perder de vista que o sofrimento é um mistério e, como tal, devemos abordá-lo com todo o respeito e delicadeza, pois ele é, geralmente, incontrolável e nos oprime. Não podemos falar de sofrimento como se ele só afetasse aos outros, como se não o fosse igualmente incontrolável e devastador para quem ainda tenta falar sobre ele, como se tivéssemos uma resposta definitiva a respeito do sofrimento e o sofredor o ignorasse.

Há não muitos anos, Laín Entralgo publicou um livrinho com um título magnífico: «Mysterium Doloris» (O Mistério da Dor). Só com estas duas palavras já se debruçou sobre o tema que hoje nos reúne aqui: A dor é um mistério e devemos abordá-la como se nos aproximássemos da Sarça Ardente: com os pés descalços, com respeito e modéstia. Nada realmente mais injusto do que abordar a dor com sentimentalismo e muito menos com frivolidade. Não vamos resolver um problema, fazer um jogo literário, não estamos tentando elaborar algumas belas teorias que acreditamos esclarecer o que é, por sua própria natureza, inexplicável. Devemos abordar a dor como abordaríamos o mistério das duas naturezas em Cristo ou os mistérios da vida e da morte: ou seja, sabendo que, depois de muitas palavras, o mistério continuará lá até o fim do mundo. Teremos que abordar delicadamente, como um cirurgião aborda uma ferida. E também com realismo, sem aceitar que belas considerações poéticas nos impeçam de ver sua tremenda realidade. [1]

Todo sofrimento é um mistério, mas o sofrimento do Cristo é especialmente insondável porque nos introduz no mistério maior do sofrimento de Deus e da solidariedade de Jesus Cristo para com o sofrimento de Deus e dos homens, que se manifesta na Cruz. [2]

Aproximemo-nos com temor ao mistério do sofrimento de Cristo. E enfatizo o mistério do sofrimento, e não apenas o sofrimento em si. (Molinié, A coragem de ter medo, 227) [3]

No entanto, apesar de tudo, devemos falar da dor, do sofrimento de Cristo e dos homens, iluminando-o com a luz que a fé nos dá.

O sofrimento humano desperta compaixão, desperta também respeito e, à sua maneira, assusta. Com efeito, nele está contida a grandeza de um mistério específico. Este respeito particular por todo o sofrimento humano deve ser a base daquilo que será dito ao coração necessitado, e também do profundo imperativo da fé. No que diz respeito ao sofrimento, dois motivos parecem particularmente próximos e unidos entre si: a necessidade do coração que nos ordena a superar a timidez e o imperativo da fé - formulado, por exemplo, nas palavras de São Paulo [4] - que fornece o conteúdo, em nome e em virtude do qual ousamos tocar no que parece, em todo homem, algo tão intangível. Porque o homem, no seu sofrimento, é um mistério intangível (São João Paulo II, Salvifici Doloris, 4).
· · ·
Acredito que nós, cristãos, devemos ser extremamente cautelosos ao tentar responder a essas perguntas que, de fato, hoje estão destruindo a alma de quase metade da humanidade. Quem pode ignorar que uma porcentagem muito alta de crises de fé ocorre precisamente quando se depara com o choque da dor ou da morte? Quantos milhares de pessoas - sinceras, honestas - se voltam para Deus hoje, para gritar com Ele por que Ele tolerou a dor ou a morte de um ente querido, se Ele é, como sempre disseram, um Pai bom e amoroso? Dar meias explicações é quase sempre contraproducente e seria preferível que, diante desses porquês, nós cristãos comecemos por confessar simples e humildemente o que João Paulo II disse em sua encíclica sobre a dor: Confessar que o significado do sofrimento é um mistério, estamos cientes da insuficiência e inadequação de nossas explicações. Existem algumas respostas que podem esclarecer algumas partes de um problema e que devemos usá-las, pois essa é a única coisa que nós humanos temos, mas sempre sabendo que no final nunca explicaremos a dor do inocente ou o porquê triunfam os maus tantas vezes no mundo. [5]



Notas:

[1] J. L. Martín Descalzo, Reflexões de um paciente sobre a dor e a doença, palestra de José Luis Martín Descalzo lida no Congresso de Hospitalidade Espanhola Nossa Senhora de Lourdes, El Escorial, novembro de 1990.

[2] Para contemplar o sofrimento de Cristo, é essencial também mergulhar na Verbum Crucis, a palavra da Cruz, que nos introduz no mistério da Cruz, que a seção «Compreender» o mistério da cruz pode nos ajudar a falar sobre Deus do nosso tema «Ouvir a Deus, falar sobre Deus».

[3] M.-D. Moliné, A coragem de ter medo. Variações sobre espiritualidade, Madrid 1979 (Paulinas, 2ª ed.).

[4] Ele se refere a Colossenses 1:24: "Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês: assim completo em minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor de seu corpo que é a Igreja", palavras que para o papa parecem encontrar-se no fim do longo caminho por onde corre o sofrimento presente na história do homem e iluminado pela palavra de Deus. Têm o valor quase de uma descoberta definitiva acompanhada de alegria; É por isso que o Apóstolo escreve: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês”. A alegria deriva da descoberta do sentido do sofrimento» (São João Paulo II, Salvifici Doloris, 1). Mas para chegar a esse "tipo" de sofrimento, temos que partir do mistério do sofrimento e distinguir esse significado último de outros "tipos" de sofrimento.

[5] Martín Descalzo, Reflexões de um paciente sobre dor e doença.




Fonte: Hermandad de Contemplativos en el Mundo
https://contemplativos.com/el_coraje_de_tener_miedo/el-sufrimiento/
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O INSTRUMENTO DA PURIFICAÇÃO


Onde estiveres agradece ao Senhor o instrumento da purificação. Ninguém vive sem ele.

Aqui, é o esposo de trato difícil.

Além, é a companheira de presença desagradável.

Acolá, é o filho rebelde.

Mais além, é a filha inconsequente.

Hoje, é o amigo que se confiou à incompreensão.

Amanhã, será o chefe áspero.

Depois, será o subalterno distraído.

Agora, é o companheiro que desertou.

Mais tarde, será o adversário, compelindo-te à aflição.

Silencia, aproveita e segue adiante.

A pedra recebe do martelo que a estilhaça, a dignidade com que se faz útil à construção.

O metal deve a pureza que lhe é própria ao cadinho esfogueante que o martiriza.

Não olvides que o corpo é o santuário de possibilidades divinas em que temporariamente te refugias para recolher a lição do progresso.

Cada caminho cede lugar a outro caminho. Cada experiência conduz a experiência maior.

Toda luta é pão espiritual e toda dor é impulso a sublime ascensão.

Aprendamos, pois, a entesourar os dons da vida, respeitando os ensinamentos que o mundo nos impõe, na certeza de que, entre a humildade e o trabalho, alcançaremos, um dia, os cimos da glória eterna.



Francisco C. Xavier / Waldo Vieira / Scheilla




Fonte: "Ideal Espírita" — Autores diversos — F. C. Xavier / Waldo Vieira
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A DOR É CONDIÇÃO DE APOIO


Aceitemos realmente a dor na condição de apoio celeste com que a Divina Providência nos enriquece o caminho.

Toda a natureza para ajudar a experiência do homem, alimentando-o e amparando-o, padece constantes dilacerações.

Para transformar se em sementeira proveitosa, morre o grão esquecido no solo.

Para converter-se a espiga em farinha, humilha-se, asfixiada, sob a mó que a tritura.

Para dar-se em pão abençoado à mesa, submete-se a farinha à elevada tensão do forno.

Para servir no levantamento do edifício, sofre a pedra a pressão do martelo.

Para oferecer se em beleza e brilho, obedece o seixo bruto ao buril que o aprimora.

Para responder às necessidades do conforto, desce o tronco aos insultos da lâmina.

Para contribuir no progresso, encontra o metal as injúrias do fogo.

A responsabilidade na oficina do caráter, é luz que engrandece todo espírito que lhe atende as obrigações.

Não lamentes a dificuldade e nem amaldiçoes o sofrimento que porventura te busquem.

Não temas a dor, na escola da vida, e recolhe, em silêncio, as bênçãos de que se faz emissária.

Não te enganes com as aparências.

Quando te vejas no usufruto dessa ou daquela promoção, atento às circunstâncias do mundo, às imposições dos que te cercam ou às convenções em que a existência se te condiciona, escolhe a senda da abnegação, em auxílio aos outros, porque o Senhor nos ensinou, em espírito e verdade, que somente a preço do esforço máximo pela vitória do bem com o esquecimento de todo egoísmo, é que escalaremos o monte da paz com a nossa própria renovação.



Francisco Cândido Xavier / Emmanuel




Fonte: do livro "Nascer e Renascer"
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