STOKER, ABRAHAM "BRAM" (1847 - 1912)
Abraham Stoker (Bram) foi membro da ORDEM HERMÉTICA DA AURORA DOURADA (GOLDEN DAWN) - observação deste blog.
Biografia
Escritor irlandês nascido em Dublin, no histórico subúrbio de Clontarf, em novembro de 1847 e morto em Londres a 20 de abril de 1912. Chamava-se Abraham como seu pai (um oficial público civil e protestante na secretaria do Castelo de Dublin), mas sempre preferiu ser chamado de Bram.
Bram Stoker passou os primeiros oito anos de sua vida confinado à cama por uma doença misteriosa que os médicos não puderam diagnosticar. A sua relação com a mãe, Charlotte Thornley, era excepcionalmente íntima e Sra. Stoker partilhou com o filho seu conhecimento e amor por contos de fadas, histórias de fantasmas e apavorantes narrativas da epidemia de cólera de 1832 que ela havia testemunhado.
Aos dezesseis anos, tendo superado a enfermidade, Bram ingressou no Trinity College de Dublin, onde realizou seus estudos, diplomando-se em Matemática (Bacharel em Ciências, com louvor, 1870). Em 1866, iniciou uma carreira de funcionário público que transcorreu toda na Irlanda. Como burocrata, a serviço da Justiça, escreveu um manual intitulado "Deveres dos amanuenses e escrivães nas audiências para julgamento de pequenas causas e delitos na Irlanda". Desempenhou também cargos universitários e pertenceu a sociedades científicas e literárias, colaborou em periódicos, foi cronista, jornalista, contador, diretor de um jornal vespertino, agente teatral, secretário particular e administrador do Royal Lyceum Theatre, de Londres, para o famoso ator shakespeariano Henry Irving.
Sir Henry Irving, ator shakespeariano que serviu de modelo para a descrição de Drácula
Foi, aliás, Sir Henry Irving - "de voz sibilante e terrível" - quem inspirou a Bram Stoker a figura do diabólico Conde-vampiro dos Székes Transilvanos (grupo étnico que se localizou na Transilvânia, "a terra situada além das densas florestas" romenas, a partir do século VII ou no fim do século IX, como querem alguns, oriundo de tribos húngaras ou búlgaras), "descendentes de Átila e Hunos", "altiva raça que cruzou o Danúbio para bater o turco em sua própria terra" e "rechaçou de volta a suas origens os magiares, os lombardos, os avares e os turcos". Irving recompensou o seu fiel discípulo e colaborador fazendo uma leitura dos diálogos de Drácula no palco do Lyceum Theatre. Um ano após a publiçação de Drácula (em maio de 1897), a carreira de Stoker entrou em declínio. Um incêndio no Lyceum destruiu a maior parte do guarda-roupa, adereços e equipamentos do teatro, que fechou em 1902. Irving morreu em 1905 e a saúde de Bram piorava sensivelmente. Naquele ano teve um derrame e, logo a seguir, contraiu a doença de Bright que afeta os rins. Foi com grande dificuldade que Stoker escreveu seus últimos livros. O homem que escreveu Drácula faleceu aos sessenta e quatro anos, esgotado e empobrecido por longos anos de luta contra a sífilis, sem ter podido gozar o notável sucesso de sua criação. Drácula continua sendo a obra literária mais frequentemente adaptada para o cinema e seus personagens as figuras mais retratadas na tela, além de Sherlock Holmes e do Dr. Watson. Em 1987, a Horror Writers of America instituiu um conjunto de prêmios anuais em seu campo de atuação que foi batizado com o nome de "Bram Stoker Award".
Publicações
- The Duties of Clerks of Petty Sessions in Ireland (1878);
- Under the Sunset (1881);
- A Glimpse of America: A Lecture Given at the London Institution at 28 December 1885 (1886);
- The Snake's Pass (1890);
- The Watter's Mou (1894);
- Croken Sands (1894);
- The Shoulder of Shasta (1895);
- Dracula (1897);
- Miss Betty (1898);
- The Mystery of the Sea (1901);
- The Jewel of Seven Stars (1903);
- The Man (1904);
- Personal Reminiscences of Henry Irving (1906);
- Lady Athlyne (1908);
- Snowbound: The Re-cord of a Theatrical Touring Party (1908);
- The Lady of the Shroud (1909);
- Famous Impostors (1910);
- The Lair of the White Worm (1911).
Publicações Post-Mortem
- Dracula's Guest and Other Weird Stories (1914);
- The Bram Stoker Bedtime Companion (1973);
- Midnight Tales (1990);
- Bram Stoker's Dracula Omnibus (1992);
- The Essential Dracula, ed. Leonard Wolf (1993).
(...)
Uma análise do panorama intelectual da época em que Stoker viveu revela a forte influência dos movimentos espiritualistas na Inglaterra Vitoriana de Fins-do-Século e inícios da Era Eduardiana: a "Belle-Époque".
Estranhas combinações de esotérico cientificismo e ritualístico misticismo eram dadas à luz, ganhavam notoriedade e esfumavam-se na pira da aclamação popular.
Racional e irracional achavam-se estreitamente ligados, as distinções eram muito artificiais. Neste sentido, a figura e a obra do escritor e médico inglês Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador de Sherlock Holmes e de seu fiel biógrafo o Dr. Watson, são emblemáticas: aos domínios de raciocínio lógico e agudeza intelectual de Holmes não era estranho, graças ao poder de observação muito sutil, o Reino das Fadas...
O pensamento e as doutrinas de Henri Bergson (1859-1941) exerciam considerável influência neste período de viragem histórica. O laureado Nobel de Literatura de 1927 postulava a "Ação" como ponto inicial de seu sistema filosófico que pretendia combater o Materialismo.
Para Bergson, além do conhecimento científico, existia o conhecimento filosófico, assim como além do conhecimento pela inteligência existe o que é fornecido pela intuição. Intuição dos dados da consciência separados da ideia de espaço e matéria. O pensamento científico, pela análise e abstração, mostra-se incapaz de compreender ou captar a vida e o espírito, os quais constituem o fundo da Realidade...
No que concerne a Bram Stoker, foi o convite feito por Henry Irving para assumir a direção do Lyceum em 1878 que o trouxe a Londres. Era o início de uma longa colaboração que perduraria até a morte de Irving.
O trabalho com Irving põe Stoker em contato com a sociedade inglesa ou certa sociedade londrina apaixonada pelo sobrenatural. Bram sempre guardou certo gosto pelo fantástico.
Stoker vai se filiar à sociedade secreta mágica-iniciadora da "Golden Dawn in the Outer" cuja história Pierre Victor escreveu com detalhes.
Ao lado de Stoker, encontravam-se outros escritores tais como o poeta William Butler Yeats (1865-1939), Arthur Machen, Algernon Blackwood e Sax Rohmer. A Golden Dawn, ordem iniciática embasada em conhecimentos ocultos e práticas de magia, deve ter influenciado os autores de Le Grand Dieu Pan, Fu-Manchu e Dracula (Machen, Rohmer e Stoker).
Samuel L. Mathers, um dos três fundadores da Golden Dawn , era o marido da irmã de Henri Bergson. É possível supor que venha daí a familiaridade de Stoker com as ideias bergsonianas.
Nesse fim de século, tudo é possível! Foi assim que ele pode encontrar em Londres "vampires personalities", "sugadores de sangue", cujas características permanecem contudo muito vagas.
A presença do "jornalista" Stoker em diligências da Yard londrina, possibilitaram ao futuro autor de Drácula um contato em primeira mão com os corpos exangues de vítimas de homicídios que, na época, ainda apresentavam mutilações e cortes característicos de vampirismo e profanação satânica.
Percorrendo as prisões britânicas, Stoker pode encontrar detentos obcecados pela compulsão de verter sangue, vê-lo fluir ou mesmo bebê-lo.
Mas o vampirismo já havia inspirado o gótico britânico dos séculos XVIII e XIX e nutrido a imaginação do criador de Drácula bem antes de Bram Stoker começar a procurar a ambientação e a legenda para o seu nosferatu carpatiano.
É interessante destacar o aparecimento de Carmilla (de Sheridan Le Fanu) em 1872 e d'O Estranho Caso do Doutor Jekyll e Mr. Hyde (de R.L. Stevenson) em 1886.
Nos trabalhos de Ann Radcliffe, Coleridge, Byron, Polidori, Rymer, Le Fanu e Collins estão as raízes ancestrais do Conde Wampyr de Estyria!
Ignora-se frequentemente que, embora Stoker tenha mudado o nome do seu Conde-vampiro ainda na fase inicial da elaboração do livro (por volta de 1890, quando leu os artigos de Emily Gerard e resolveu delinear o seu personagem como um nobre transilvano do século XV), ele só decidiu utilizar Drácula - como título - pouco tempo antes da sua publicação em maio de 1897.
É o ponto central da carreira literária de Abraham Stoker, os outros livros apresentam intuições brilhantes, ainda que não desenvolvidas plenamente. Como se a partir de Drácula, a inspiração de Bram se interiorizasse, manifestando-se apenas em jatos intermitentes. Infelizmente!
Foram muito poucos os que souberam reconhecer a sua importância e o compararam a Frankenstein. No dizer de J. Gordon Melton: "nenhum crítico percebeu que Stoker tinha chegado ao ápice da literatura, mas a verdade é que poucos autores chegaram ao cume que Stoker alcançou"...
A decisão de contar a história por meio do testemunho de múltiplos registros (diários, cartas, notas, recortes de jornais, gravações) partiu provavelmente da leitura dos livros de Wilkie Collins (The Moonstone, The Woman in White). Esta alternância de pontos de vista dos diferentes personagens tem a propriedade de conservar intacto o mistério de Drácula, dado que este é sempre indiretamente aproximado do leitor. Negando-se uma voz narrativa ao Conde também se reforça textualmente o seu papel como o Outro. O estrangeiro, a criatura das trevas...
Para localizar o cenário da sua lúgubre epopéia, Stoker valeu-se de um completo e pormenorizado guia de viagem, o Baedecker, bem como dos livros e mapas do British Museum, particularmente "The Land Beyond the Forest" de Emily Gerard. As longas conversações que manteve com um amigo húngaro também ajudaram...
Por que optou pela Europa Central e pelos Cárpatos como sítio do Castelo de Drácula? O próprio Stoker responde à questão no Diário de Jonathan Harker (...).
"Três de maio, Bistritz (...) Dispondo de algum tempo livre durante minha permanência em Londres, ali frequentei o Museu Britânico, consultando livros e mapas geográficos na biblioteca, a fim de recolher dados sobre a Transilvânia. (...) Verifiquei então que o distrito por ele citado se achava localizado no extremo oriental do território precisamente na faixa limítrofe de três Estados: Transilvânia, Moldávia e Bukovina, no centro da cadeia dos Cárpatos, um dos mais selvagens e desconhecidos sítios da Europa. Em nenhuma das muitas obras e mapas consultados me foi possível estabelecer a exata localização do Castelo de Drácula". [Drácula, 2ed, Porto Alegre: L&PM Editores, 1985, pp. 7 e 8]
Dessa forma referencia-se o itinerário do procurador Jonathan Harker, cuja viagem pela Alemanha, Áustria, Hungria e Romênia pode ser traçada nos mapas com precisão matemática. Harker viaja de Budapeste para o norte da Transilvânia, então parte do Império Austro-Húngaro. Seu destino final era uma localização não-assinalada em qualquer mapa: o Castelo de Drácula. O percurso, duração e impressões da viagem equivalem a uma experiência real. Stoker informou-se tão bem sobre a Transilvânia que parecia lá já ter estado!
A identificação do Castelo com o seu senhor é um tema que aproxima Drácula da primeira ficção gótica (O Castelo de Otranto publicado em 1764 por Sir Horace Walpole). Mas não podemos deixar de especular... Stoker leu algo a respeito de um antigo castelo no Borgo Pass? Sabia algo sobre o Castelo Bram? É claro que nada poderia saber sobre a fortaleza de Vlad Tepes nos Arges...
Vlad Tepes
Igualmente interessante é a questão do vampirismo em Drácula.
Além da significativa influência das fontes literárias (Lord Ruthwen, o vampiro de Polidori; Sir Francis Varney de Rymer e a Condessa Karnstein de Le Fanu são os ascendentes mais prováveis), o artigo de Gerard "Transylvanian Superstitions" pode ter fornecido a Stoker uma explicação para o "estigma de Caim" do seu protagonista: o detalhe do Scholomance, a escola do Demônio nas montanhas da Transilvânia, aonde os Dráculas iam buscar os seus segredos.
(...) Segundo Arminius, da Universidade de Budapeste, os Dráculas pertenciam a uma grande e nobre estirpe, embora vez por outra também apresentassem certas degenerescências que, na versão de seus contemporâneos, os levassem a manter estreitas ligações com o Maligno. Eles se apoderaram dos seus torvos segredos nos antros de necromancia, existentes às escarpadas margens do Lago de Hermanstadt, onde o Demônio ia recrutar o seu dízimo humano entre os indiciados para, a partir daí, submetê-los a seus serviços. Nos registros de então, as expressões mais encontradiças são stregoica, que significa bruxa; ordog e pokol que são o mesmo que Satanás e Inferno; e, num determinado manuscrito, este mesmo Drácula é descrito como um wampyr, cuja lexicologia conhecemos já perfeitamente. Houve neste clã muitas e sucessivas gerações de grandes homens e bondosas mulheres e até hoje seus túmulos santificam aquele chão onde somente o mal podia florescer. Pois não é certamente o menor dos seus terrores devermos admitir que este ser do mal ainda conserva suas raízes profundamente mergulhadas nas terras do Bem, visto como sobre os solos de sagradas memórias ele jamais poderia deter-se. [Drácula, L&PM, p. 301]
É este Drácula fictício e não o histórico que conquistou a imaginação do mundo ocidental. "O fascínio de Drácula reside em seu mito, não em sua realidade" (Florescu & McNally).
A ideia de um morto retornar para reivindicar o amor de um vivo era um tópico popular no folclore europeu. A mais famosa peça literária a abordar o tema foi a balada "Lenore" de Gottfried August Bürger, popularizada na língua inglesa graças a tradução de Sir Walter Scott.
Segundo Roger Vadim (cineasta francês de Rosas de Sangue/Carmilla) "de todas as manifestações poéticas do Ocultismo, o mito do vampiro é a mais atrativa, duradoura, resistente e satisfatória".
Uma justificativa para esse permanente poder de atração da legenda vampiresca pode ser encontrada na riqueza das tradições mitológicas (ainda que a geografia cultural da legenda seja eminentemente ocidental e européia, na forma sob a qual nos foi legada), no grande número de relatos e obras publicadas, na psicanálise freudiana e por extensão nas concepções sociológicas marxistas e marcusianas:
Eros e Thânatos (amor, sexo e morte) são elementos chaves para o entendimento de nossa civilização.
O vampirismo (enquanto relação sublima-da na arte, literatura, etc.) permite o pleno desfrute do binômio sangue-sexo.
Transferimos para o nosferatu - ser vivente que se recusa a acatar a implacável lei natural e perecer - toda a magia de nossa sede de imortalidade que e também uma vontade de liberdade, uma reação contra os mecanismos de coerção e correção social que nos limitam e aprisionam.
A busca de imortalidade é (pode ser), em última análise, a busca de liberdade e da felicidade.
Segundo Marcuse, liberdade e felicidade são termos intimamente relacionados: "A felicidade, como realização de todas as potencialidades do indivíduo, pressupõe liberdade (...), no fundo é liberdade."
(...)
As personagens de Stoker são positivas (em graus diversos) porque agem. A vida é continua modificação e diversificação em sucessivas criações [Byron e Bergson].
Vendo por este prisma, não se pode compreender o mundo, a não ser que seja ele impelido por uma ação, seja ela mágica, onírica ou artística.
Drácula, o príncipe negro da Transilvânia, ajusta-se a tais critérios mas é mais do que uma hipérbole da reprimida sexualidade vitoriana. (Reprimida e liberada pelas convenções, os vitorianos viviam intensamente uma vida dupla passada em clubes e casas noturnas...)
Sombra especular de nossos egos, oferece a oportunidade de maior liberdade na harmonização das polaridades de uma personalidade pluripotente, em um ser uno, não mais dividido e fragmentado.
Assim o mundo parte do sonho e ao sonho retorna tomando às vezes a forma de um pesadelo. Quando questionado, Abraham Stoker respondia que Drácula fora inspirado num pesadelo provocado por indigestão de frutos do mar...
"La fête du sang" (the feast of blood - subtítulo de um livro de James Malcolm Rymer) celebrada por Drácula, o "Príncipe nas Trevas", deve dar lugar a uma ressurreição e ascese mais espiritual?
Para Stoker, assemelham-se os dois caminhos; é preciso ir até o fim do terror e enfrentá-lo. O grão deve perecer para que frutifique (...).
Depois surge a luz: as páginas finais evocam uma aurora radiosa sem as nuvens portadoras da angústia (...).
Bram Stoker escreveu 17 livros, nenhum deles porém foi capaz de obliterar o fascínio crescente que ia se acumulando em torno da legenda do seu príncipe-vampiro transilvano.
Quando Stoker morreu em 1912, "Drácula" estava em nona edição e já havia ganhado os palcos londrinos.
O biógrafo de Stoker, Harry Ludlam escreveu: "Há um profundo mistério entre as linhas de sua obra... o mistério do espírito do homem que as redigiu...".
Se existem respostas para o mistério de Stoker é nas páginas de sua obra que devemos procurá-las.
(...)
Fábio Silveira Lazzari
Fonte do Texto e das Gravuras: http://www.carcasse.com/sepia/bram.htm
(Os grifos são deste blog.)
(Texto reduzido)
Fontes Consultadas:
ENCICLOPÉDIA VNIVERSAL ILVSTRADA EVROPEO-AMERICANA. Barcelona: Espasa-Calpe. 1930. v. 57. p.1024.
McNALLY, Raymond T. & FLORESCU, Radu R. Em Busca de Drácula e outros vampiros. São Paulo: Mercuryo, 1995. 304 p.
MELTON, J. Gordon. O Livro dos Vampiros. São Paulo: Makron Books, 1995. pp.731-32.
MACINTYRE, Alasdair. As ideias de Marcuse. São Paulo: Cultrix, 1993. pp. 15-18.
MILLER, Elisabeth. A Gênese do Conde Drácula in Megalon, São Paulo, 1997. v. 9. nº 43. pp. 22-25.