quinta-feira, 29 de maio de 2025

ENCONTRO COM DEUS (Temas de Cabala)


Para incitar ao homem a buscar o conhecimento de Deus, a Torá formula um mandamento: conhece a Deus. Mas, para que o homem sinta que é capaz de empreender tal esforço, é necessário que o despertar de seu desejo de empreender a busca venha do Alto. A iniciativa, pois, vem do céu (do Alto): va-yeda Elohim..., "o Senhor conheceu aos filhos de Israel", e teve piedade de seu miserável estado no Egito; lhes enviou a Moisés para dizer-lhes que "Ele é o Eterno", que se interessa pelos assuntos humanos, "que os quer retirar de suas tribulações no Egito, que os adota como seu povo, a fim de que o conheçam". (1)

Em seu amor ao homem, Deus lhe faz saber que o conhece e que o homem pode também conhecê-lo. Uma voz celeste lhe murmura ao ouvido: levanta-te! Pois "não há homem que não tenha sua hora": a hora em que essa chamada se faça perceptível.

O que deve fazer o homem quando é solicitado por Deus? Como pode chegar até seu interlocutor? Acabará por reconhecê-lo se o "busca com todas as suas forças e com toda a sua alma". (2) Mas, acaso haverá algum caminho que conduza até Ele para chegar a conhecê-lo? O profeta o indica assim: "Eleva o olhar e observa: Quem criou estas coisas? Ele é quem fez sair seu exército em ordem e quem chama por seu nome a todas as coisas; é tal a grandeza de seu poder e sua força poderosa que nenhuma delas deixa de obedecer-lhe". (3) Este versículo do profeta que se tornou, por assim dizer, clássico, foi utilizado sobretudo pelos racionalistas judeus da Idade Média, que queriam estabelecer a demonstração naturalista, 'a posteriori', da existência de Deus. A natureza, criada e ordenada, despertou sua intuição de um Deus criador e ordenador. Em sua opinião, esta passagem de Isaías traduz, em linguagem bíblica, o conceito aristotélico do princípio das coisas ou primeiro impulso do cosmos. Os racionalistas judeus reelaboraram e ampliaram esta intuição na ideia de um Deus pessoal que mantém e cultiva sua obra e que se interessa pelas suas criaturas, sobretudo pelo homem. Também a cabala fez uso desse versículo, não para demonstrar a existência de Deus, senão que para indicar ao homem como pode encontrá-lo e vivê-lo. Não deduz a ideia de Deus a partir da obra da natureza, senão que, pelo contrário, deduz a ideia da natureza da obra de Deus. Tal é a interpretação do Zohar: "Está escrito: 'no principio'. Rabi Eleazar abriu uma de suas conferências com o seguinte prólogo: 'Eleva teu olhar e considera quem criou todas as essas coisas'. 'Eleva teu olhar' para o local em que estão fixos todos os olhares... E então compreenderás que o misterioso Ancião, eterno objeto das investigações, 'criou essas coisas'. 'E quem é Ele'. MI? (Quem?), Aquele que foi chamado 'a Eternidade do céu' (4), nas alturas; porque tudo está em seu poder. Acaso se chama MI porque é o objeto eterno de busca e porque está em um caminho misterioso e porque não se deixa ver?... Esta extremidade superior do céu é chamada MI (Quem?). Mas existe também uma extremidade inferior chamada MA? (que?). A primeira, misteriosa, chamada MI, é o eterno objeto de busca. Quando o homem empreende esta busca e quando se esforça por meditar e subir degrau por degrau até o final, acaba por chegar ao MA? O que aprende? O que compreende? O que buscou? De fato: tudo permaneceu tão misterioso como antes."

"E Rabi Shimon, dirigindo-se a seu filho, fala como segue: 'Eleazar, meu filho, continua explicando o versículo para que seja revelado o mistério que os filhos deste mundo ainda não conhecem'. E como Rabi Eleazar guardasse silêncio, Rabi Shimon disse: 'Eleazar, o que significa a palavra ELEH (aquilo, essas coisas)?...' Esse mistério não me foi revelado até o dia em que o profeta Elias me apareceu enquanto eu estava na margem do mar. Disse-me: 'Rabi, tu sabes o que significam as palavras MI BARA ELEH? (Quem criou as essas coisas?)' E eu lhe respondi: ELEH significa os céus e os corpos celestes; a Escritura recomenda ao homem contemplar as obras do Santo, bendito seja, como está escrito: 'Quando considero os céus, obra de tuas mãos...'; e um pouco mais adiante: 'Deus, nosso Senhor, quão admirável é teu Nome em toda a Terra'. (5) Elias me replicou: 'Rabi, essa palavra encerra um segredo; foi pronunciada diante do Santo, bendito seja, e seu sentido foi ocultado na escola celestial; é este o sentido: quando o Mistério de todos os mistérios quiz manifestar-se..., revestiu-se com uma túnica preciosa e resplandecente e criou ELEH (aquilo, todas as coisas), que se agregaram a seu Nome. ELEH somado a MI (invertido = IM) formou ELOHIM'." (6)

A interpretação desse importante versículo de Isaías, tal como nos oferece o Zohar, corresponde ao conceito original que a Bíblia nos dá de Deus. Quando o livro do Gênesis relata a criação do mundo, insiste o mesmo na obra realizada por Deus que nas ordens e exigências formuladas por Ele durante a realização de sua obra criadora. E o relato do Gênesis nem sequer se refere a seu modo de consumação. Desde o princípio nos põe diante do Criador, que não é um poder impessoal: nos incita a estabelecer relações com Ele, relações que Ele já iniciou com nossos pais e nas quais já fomos comprometidos.

Esta individualidade que é Deus leva um nome, ELOHIM, que indica sua qualidade de Criador. Como interlocutor do homem, levará um segundo nome, inefável, que simboliza o Tetragrama YHVH (YUD, HEI, VAV, HEI). Este Deus age. Cria, BARA, o universo em um momento determinado, que fixou como ponto de partida do tempo: BERESHIT. (7) E neste universo criado atualmente existimos. Encontramo-nos diante do mesmo Deus, com o qual estamos atualmente relacionados.

O acontecimento único da criação "dos céus e da Terra" é designado BARA, "criou", pretérito indefinido. Seguem duas formas verbais cujo alcance é reduzido e cujo significado é secundário: praticamente desaparecem diante do vigor e a grandiosidade do primeiro. ("Então a Terra era informe e vazia... e o espírito de Deus se movia sobre as águas.") Deus trabalha para dar forma a sua criação e proporcionar um objetivo a sua obra produzida no "começo" por uma ação repentina: "Fala", "considera", "distingue" e "chama". A Bíblia nos relata assim todas as sucessivas etapas que, encadeadas, permitiram a este universo apenas "começado" a converter-se em uma obra completa, mas não acabada: Deus "produziu esta obra para ser feita". (8) As ações divinas que nos relata a Bíblia não estão ditas com um pretérito indefinido, senão com um passado orientado ao futuro: VA-YOMER, VA-YAR, VA-YAVDEL, VA-VIKRA... Deus ordenou e continua ordenando; e ordenará sempre que determinadas coisas se façam, com o fim de indicar ao homem o uso que deve fazer delas. (9)


Rabi Alexandre Safran


Notas:

1 - Ex 6, 6-7; cf. Zohar II, 25a-b.

2 - Dt 4, 29; cf. Jr 29, 13; ICr 28, 9; IICr 15, 2.

3 - Is 40, 26.

4 - Dt 4, 32.

5 - Sl 8, 4, 10.

6 - Zohar I, 1a-2, a; cf. Zohar II, 138, a; 197, b; 231, a; Tikunei Zohar, Tikune 49.

7 - Gn 1, 1; cf. Rabi Eliahu de Vilna, Aderet Eliahu, Gn I, 1, p. 9; Maimônides, More Nevuhim II, 30.

8 - Gn 2,3.

9 - Cf. Zohar I, 47, a; Sefer haBahir 57.


Fonte: LA CÁBALA

Ediciones Martínez Roca, S.A., 1976

Barcelona, España

Original: LA CABALE

1972, Payot, Paris, France

Traducción (español): Carlos Ayala

Tradução (português): deste blog

Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/livro-tora-cabala-selo-de-salom%C3%A3o-7283777/

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