sábado, 15 de agosto de 2020

ACALMA-TE


Acalma-te.

O teu sofrimento será do tamanho da tua aflição.

Todo desespero é fator agravante das provações.

Não te revoltes.

A dor sempre encerra preciosa lição.

Quantos, em silêncio, estarão chorando neste exato momento?

E quantos haveriam de sorrir, se se encontrassem na situação que consideras de extrema dificuldade?

Porventura, não estarias te queixando além da justa medida?

Pacifica-te interiormente e, por mais complexos, terás os teus problemas reduzidos à metade.

De um minuto para outro, o que se alterou para pior pode vir a se alterar para melhor.

Sintoniza-te com as forças que, incessantemente, conspiram em teu favor, em todo o Universo.

Abandona a tendência de ver sombra onde existe luz.


Carlos A. Baccelli / Irmão José



Fonte: do livro "Dias Melhores"
Livraria Espírita Edições "Pedro e Paulo", Uberaba, MG, 4ª Ed., Dez./2006
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O GRANDE RISCO QUE ASSUMIMOS NA MEDITAÇÃO


A meditação não permite que nos enganemos. Nos vemos como somos. Nos é impossível deixar de enxergar as maneiras pelas quais somos falsos ou hipócritas; nossas ilusões, auto-enganos, inseguranças medrosas e compulsões se mostram claramente; e a maneira como julgamos e rejeitamos outras pessoas, de maneira tão arrogante, atingirá como uma adaga nossa consciência quando a enxergarmos. Porém, ao encararmos esse lado sombrio de nós mesmos, o iluminamos. O vemos, com uma luz que brilha, a partir de algum local mais profundo em nós mesmos. E essa luz de nosso espírito calcina essa nossa auto-aversão com a revolucionária e finalmente inevitável verdade de que somos bons e dignos de amor.

Quanto mais conscientes estivermos do verdadeiro ser, mais veremos nossa atitude se modificar em relação aos outros, na maneira como mantemos nossas relações com eles. O medo diminui, o amor generoso aumenta; as reações iradas cedem lugar à sabedoria do perdão; o julgamento é absorvido pela paciência. Em lugar do controle e da manipulação, que aos olhos do ego é o que faz o mundo girar, vislumbra-se uma surpreendente liberdade, como real possibilidade nos negócios humanos: a liberdade que surge quando as pessoas permitem, umas às outras, que elas sejam quem realmente são. O mundo não seria perfeito, mesmo se fizéssemos isso desde a infância, mas certamente necessitaríamos menos prisões e aqueles que nelas estivessem, poderiam ser aqueles que efetivamente se beneficiariam por ali estar.

Mas, que grande risco. O grande risco que assumimos na meditação é, antes de mais nada, o de sermos nós mesmos. Este é o primeiro passo. Se não déssemos o correspondente próximo passo, jamais nos moveríamos de onde estamos; estaríamos saltando em uma só perna toda a nossa vida. O próximo passo é o de assumirmos o risco de deixar que os outros sejam eles mesmos. A maneira de fazermos isso é percebermos que a realidade deles é distinta da nossa. E percebê-los como reais é amá-los. Iris Murdoch escreveu certa vez que “o amor é a percepção do indivíduo”. Ela seguiu dizendo, "o amor é essa extremamente difícil compreensão de que algo além de nós mesmos é real." O amor e, assim também, a arte e a moralidade, é a descoberta da realidade. O que nos choca, nessa compreensão de nosso destino supersensitivo é uma indizível particularidade.

A grande ação da contemplação é a de voltarmos a atenção para fora de nós mesmos, na direção da realidade maior “fora de nós” que nos contém. É a mesma ação da contemplação, qualquer que seja a maneira como a consigamos fazer: nos relacionamentos, na arte, no serviço e na prece. Certamente, uma maneira fundamental de fazê-lo, é a de aprendermos a meditar, uma arte de aprendizado vitalícia. Meditar é aprender a viver contemplativamente em tudo o que fazemos, [para] tal como Santo Antão do deserto certa vez exortou seus discípulos a: “sempre respirar Cristo”.


Dom Laurence Freeman, OSB



Fonte: "Carta Nove" - Leitura de 27/07/2008 - Common Ground: Letters to a World Community of Meditators (New York: Continuum, 1999) pp. 103-104. Tradução de Roldano Giuntoli.
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/tail%C3%A2ndia-budistas-monges-meditar-453393/

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ESFERAS ESPIRITUAIS


A obra de André Luiz, através de Chico Xavier, em complemento à Codificação Kardeciana, em vários aspectos, gradativamente, vem mostrando quanto se antecipa às modernas conquistas da Ciência, mormente no campo da Física Quântica.

A partir de “Nosso Lar”, em 1943, a nossa concepção de Mundo Espiritual se amplia, consideravelmente, com a revelação da existência de diversas “Esferas Espirituais” que o constituem. Há, inclusive, um estudo muito interessante a respeito, num dos livros editados pela Fed. Espírita Bras. (FEB), intitulado “As Sete Esferas da Terra”, de Mário Frigéri, todo ele calcado em André Luiz. Aliás, a referida publicação, em grande parte, se baseia ainda em “Cidade no Além”, publicado pelo Inst. Divulg. Esp. (IDE), de Araras, através dos médiuns Chico Xavier e Heigorina Cunha, pelos espíritos André Luiz e Lucius, este último, segundo informação de Chico Xavier, pseudônimo de Camille Flammarion.

O que Allan Kardec, genericamente, denomina de Mundo Espiritual, e André Luiz de “Esferas Espirituais”, a Física Quântica vem chamando de “Hiperespaço”. Em “Os Mensageiros”, cap. 15, encontramos nas palavras de Aniceto:

“Há, porém, André, outros mundos sutis, dentro dos mundos grosseiros, maravilhosas esferas que se interpenetram. O olho humano sofre variadas limitações e todas as lentes físicas reunidas não conseguiriam surpreender o campo da alma, que exige o desenvolvimento das faculdades espirituais para tornar-se perceptível. A eletricidade e o magnetismo são duas correntes poderosas que começam a descortinar aos nossos irmãos encarnados alguma coisa dos infinitos potenciais do invisível, mas ainda é cedo para cogitarmos do êxito completo.”

Nas considerações constantes do livro “Cidade no Além”, no cap. IV, “Localização de ‘Nosso Lar’ – Esferas Espirituais”, nos deparamos com preciosa elucidação:

“O trânsito entre as esferas se faz por maneiras diversas. Por 'estradas de luz', referidas pelos espíritos como caminhos especiais, destinados a transporte mais importante. Através dos chamados 'campos de saída' que são pontos nos quais as duas esferas próximas se tocam. Pelas águas, de se supor as que circundam os continentes." (oceanos)

Vejamos agora o que transcrevemos da obra intitulada “Hiperespaço”, de Michio Kaku, professor de Física Teórica no City College da Universidade de Nova York. Graduou-se em Harvard e recebeu o título de doutor em Berkeley:

"Nosso universo, portanto, não estaria sozinho, mas seria um de muitos mundos paralelos possíveis. Seres inteligentes poderiam habitar alguns desses planetas, ignorando por completo a existência de outros". "(...) normalmente, a vida em cada um desses planos paralelos prossegue independentemente do que se passa nos outros. Em raras ocasiões, no entanto, os planos podem se cruzar e, por um breve momento, rasgar o próprio tecido do espaço, o que abre um buraco - ou passagem - entre esses dois universos. (...) essas passagens tornam possível a viagem entre esses mundos, como uma ponte cósmica que ligasse dois universos diferentes ou dois pontos do mesmo universo".

No livro “Voltei”, de Irmão Jacob, igualmente psicografado por Chico Xavier (obra de leitura obrigatória para os espíritas!), no capítulo “Incidente em Viagem”, há interessante narrativa que Mário Frigéri sintetiza em “As Sete Esferas da Terra”:

“Havia uma ponte luminosa assinalando a passagem das regiões de treva para as de luz. Um desencarnado do grupo que volitava sob a supervisão e sustentação fluídica de Bezerra de Menezes e do Irmão Andrade, se desequilibrou ante a visão magnífica da nova região e, recordando seus antigos deslizes na carne, passou a gritar:

- Não! não! não posso! eu matei na Terra! Não mereço a luz divina! sou um assassino, um assassino!

Quando seus brados ressoaram lúgubres pelas quebradas sombrias abaixo, outras vozes, parecendo provir de maltas de feras ao pé da ponte, esbravejaram, horríveis:

- Vigiemos a ponte! Assassinos não passam, não passam!”

Corroborando este rápido estudo, atentemos para a palavra lúcida de Emmanuel, em carta dirigida a César Burnier, em 2 de abril de 1938, recentemente inserida na obra “Um Amor – Muitas Vidas”, de Jorge Damas Martins, da Editora “Lachâtre”:

“Não podereis compreender, de pronto, o nosso esforço. Tendes de reconhecer, primeiramente, que o além não é uma região, e sim um estado imperceptível para a vossa potencialidade sensorial. E entendereis que igualmente nós somos ainda relativos, sem nenhum característico absoluto, irmãos de vossa posição espiritual, em caminho para as outras realizações e conquistas, como vós outros”.

Em suma, a vasta obra que Emmanuel e André Luiz realizaram através de Chico Xavier, em complemento ao Pentateuco, estão a requisitar de nós, espíritas, uma releitura, à luz das modernas conquistas da Ciência, para que possamos mais bem assimilar as inúmeras informações que contêm, muitas vezes em textos que necessitam ser cotejados entre si, à espera de que disponhamos de maturidade espiritual a fim de compreendê-los em sua profundidade reveladora.

Porque permanecem na superfície da palavra, sem visão mais ampla desta ou daquela abordagem, muitos não conseguem atinar com o caráter progressivo da Doutrina, opondo-se, de maneira sistemática, ao que, por outros autores, encarnados ou desencarnados, lhes soa como novidade ou mesmo contrário aos princípios básicos da Terceira Revelação.


Carlos A. Baccelli



Fonte: "A Obra de André Luiz e a Física Quântica"
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O TAO ESTÁ ACIMA E ALÉM DA COMPREENSÃO


O verso 1 do Tao-Te-Ching diz: "Aquilo que pode ser definido, não é o Tao".

O que isto significa?

Significa que o Tao está acima e além da compreensão humana comum. A linguagem não possui palavras nem símbolos que o definam. É mais ou menos como acontece com Deus. Podemos por acaso, responder a pergunta - O que é Deus? - Não obstante, há muitas respostas que tentamos e que fazem sentido para nós. Isto não significa entretanto que a resposta esteja correta. Dizer que Deus é uma certa entidade que criou o Universo, é muito vago. O que é uma - certa entidade -, o que é - Universo ?

No Antigo Testamento, está escrito: "Deus é Aquele que é".

É o que?

Talvez, quem sabe, não seja para saber mesmo... As eternas especulações só têm uma certeza: que nos levarão ao infinito, ou seja, a lugar algum. A mesma linha de pensamento se dá em relação ao micro e ao macro. Qual a menor partícula? Onde fica o fim do mundo? Cada vez que se encontra a menor partícula que existe, logo adiante encontra-se outra menor ainda. O mesmo se dá no macro: uma galáxia, depois outra mais longínqua... E isto não terminou. E parece que nunca vai terminar.

Com o Tao ocorre o mesmo. Não há como definir, porque sua definição, por mais elaborada que seja, será sempre incompleta e em consequência incorreta. Será que o que deixou de ser definido, não é fundamental para sua compreensão? Provavelmente é.


P. G. Romano


Fonte: "O Tao do Ocidente"
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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

CONTEMPLATIVOS EM MEIO DAS MUDANÇAS


A mudança é um dos grandes fatores da vida. Se não somos capazes de ser contemplativos em meio das mudanças, se insistimos em ser contemplativos em alguma situação completamente estável que imaginamos construir no futuro, então nunca vamos ser contemplativos. Assim, que possamos nos mover de maneira tranquila, confiante e contente. Não tentemos estar demasiado dependentes de nosso próprio movimento e não peçamos que tudo seja seguro. Primeiro, vivamos em Cristo, totalmente abertos a seu Espírito, sem nos preocuparmos da segurança institucional, livres de toda preocupação por estruturas ideais que nunca serão construídas, e nos conformemos com a Noite Escura da fé, a única na qual realmente estamos seguros, porque somos verdadeiramente livres.


Thomas Merton, OSB, em "Acción y contemplación", 146)


Não podemos esperar alcançar condições ideais para adentrarmos na senda da interioridade e comunhão com Deus. São poucos os que vivem em um monastério e muitos os que se sentem chamados a uma experiência mais plena do Transcendente. Merton nos convida a crescer em meio a qualquer situação, por mais instável que possa ser.


Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
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UNIDADE ESPIRITUAL ENTRE SAINT-MARTIN E WILLERMOZ


A relação entre Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz é um assunto fascinante pela extraordinária riqueza de ambos os personagens.

Saint-Martin instala-se com Willermoz na casa que a família Bertrand ocupava em Brotteaux, ao chegar a Lyon em setembro de 1773. Lá ele viverá durante sua estada em Lyon, no período em que as aulas de Lyon acontecerão aos Élus Cohen (1774-1776). Saint-Martin relatará as condições de sua acomodação nesta casa, enquanto trabalhava em seu primeiro livro, “Dos erros e da verdade”: “ Escrevi as primeiras trinta páginas e as mostrei ao círculo que instruía para o Sr. Willermoz, e eu me comprometi continuar...”. (Retrato, 165)

Você pode imaginar a atmosfera que deve ter reinado em Lyon naquela época...

Além das diferenças entre as duas personalidades (não se deve esquecer que Saint-Martin é mais jovem que Willermoz, e o respeito pelos idosos fazia muito sentido no século 18), um forte vínculo será estabelecido entre Saint-Martin e a irmã de Willermoz, Madame Povensal, a quem Saint-Martin designou com o nome de “mãezinha”, o que é indicativo de seu compromisso com ela. Também houve uma estreita relação entre Saint-Martin e Antoine Willermoz, irmão de Jean-Baptiste, com quem visitou a Itália em julho de 1774, desde Gênova a Turim, encontrando-se com os irmãos italianos treinados nas práticas martinezistas.

As diferenças entre Saint-Martin e Willermoz referiam-se à questão de como enquadrar a via interna, e não quanto à substância (a via interna) da questão. Ambos se afastaram da teurgia, afastando-se de seus métodos, por diferentes razões à primeira vista - Saint-Martin parece ter se beneficiado mais com a gratificação da “Coisa” durante as operações. Eles pensavam de forma relativamente semelhante e idêntica no plano teórico que contém uma verdade central que lhes parecia muito evidente após o desaparecimento de Martínez:

O segredo do verdadeiro culto, passado de geração em geração - culto que foi objeto dos trabalhos dos Cohen -, desenvolve-se na prática da identidade que existe hoje, após a vinda de Cristo, entre a "verdade" e "revelação" do espírito, para que aos iniciados no mistério autêntico, a ciência divina nada mais seja do que o conhecimento íntimo e interior de Deus, conhecimento que é, ao mesmo tempo e no mesmo ato, a teoria da verdadeira adoração e a prática de sua celebração.

Essa é a chave explicativa da inutilidade, em última instância, das práticas externas, porque quando se aproxima autenticamente do conhecimento íntimo de Deus no coração humano, esse conhecimento se revela ao mesmo tempo uma revelação da ciência secreta e da celebração da adoração divina, pois, depois de Cristo, é "em espírito e em verdade" que Deus deve ser adorado (Jo 4: 24); e esta indicação do reparador divino no evangelho deve ser levada muito a sério no plano iniciático e espiritual.

Quanto ao resto, com efeito, Willermoz se assemelhava mais ao arcabouço maçônico para garantir a estabilidade e preservação do conteúdo doutrinário com vistas a dar às almas desejosas um caminho seguro para a verdade, dada a condição do mundo e dos próprios homens.

Portanto, é real para Willermoz declarar que uma "estrutura" (enquadramento) é necessária na situação atual. Saint-Martin, pelo contrário, considera que este "enquadramento" (estrutura) é, na melhor das hipóteses, uma concessão à fraqueza humana e, na pior, inútil, restritiva e um impedimento à realização do "grande tema". Em uma carta de 1783, Saint-Martin expõe sinceramente a natureza de suas queixas a Willermoz, declarando-lhe com uma franqueza incomum que  a origem do erro é tentar “...centrar o espírito em códigos e escolas. Tal foi o defeito de nosso falecido Mestre  [Martínez de Pasqually], assim como o resto de nós, seus discípulos. Afasto-me totalmente dele e até hoje abjuro todas aquelas ordenanças em que o homem se evidencia e Deus é distanciado.” (Saint-Martin, carta a Willermoz de 10 de fevereiro de 1783)

Certamente é coerente considerar que nenhuma contradição essencial se encontra entre as duas abordagens de Willermoz e Saint-Martin, ambas baseadas de forma idêntica no "culto em espírito".

Basta considerar que todas as almas não são chamadas a escalar a montanha sagrada da mesma maneira e, provavelmente, à mesma velocidade... sem nunca esquecer que todas, pela graça, já estão no seio da Verdade.


Publicado pelo Diretório Nacional Retificado da França



Fonte do Texto e Imagem: Blog Masonería Cristiana
https://www.masoneriacristiana.net/2016/01/unidad-espiritual-entre-willermoz-y.html
Originalmente publicado pelo: Directorio Nacional Rectificado de Francia en su perfil de Facebook

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

ALÉM DO BARULHO DAS PALAVRAS


O escutar é uma arte que não se obtém facilmente, mas no escutar há beleza e grande compreensão. Escutamos com distintas intensidades de nosso ser, mas nosso escutar é sempre com uma ideia preconcebida ou desde um ponto de vista particular. Não escutamos simplesmente; interpõe-se sempre a visão de nossos próprios pensamentos, de nossas conclusões, de nossos preconceitos... Para escutar deve haver quietude interna, uma atenção relaxada; há que se estar livre do esforço de adquirir. Este estado de alerta e, não obstante, passivo, pode escutar o que está mais além da conclusão verbal. As palavras confundem; são somente meios exteriores de comunicação; mas para nos comunicarmos além do ruído das palavras, no escutar deve haver uma passividade alerta. Os que amam podem escutar; mas é extremamente raro encontrar alguém que escute. Quase todos vamos atrás de resultados, querendo alcançar metas; estamos sempre vencendo e conquistando; em consequência, não escutamos. Somente quando alguém escuta, ouve a canção profunda das palavras.


J. Krishnamurti



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/escultura-bronze-a-escuta-ouvir-2209152/

UM BÁLSAMO NA QUEIMADURA DO DESEJO


O desejo é principalmente um impulso. Você pode desejar salvar o planeta ou libertar todos os seres sencientes do sofrimento. Mas quando os desejos se entrelaçam com anseio e apegos intensos, nossa experiência demonstra que eles conduzem ao sofrimento.

O desejo geralmente começa com uma imagem. Se a imagem é sedutora e promete prazer, ela dispara uma reação em cadeia. Há uma sede de atrair ou obter o objeto visto na imagem mental. A partir desse ponto, começamos a sobrepor a realidade, percebendo apenas as qualidades desejáveis do objeto. Rapidamente, todas as consequências e aspectos negativos ficam invisíveis.

Experiências prazerosas com frequência dão vazão a mais anseio, já que a pessoa quer sentir de novo a sensação de prazer. Isso gradualmente estabelece um padrão de desejo. Em algum ponto, o prazer pode minguar mas o desejo ainda persiste. Quando uma pessoa constrói um forte desejo por algo que já não é agradável, aí ela realmente está capturada.

Não podemos esperar alguma solução mágica que vá nos livrar subitamente de todos nossos anseios, já que eles foram construídos ao longo do tempo. Mas um treinamento da mente perseverante pode gradualmente erodir essas fortes tendências.

Uma maneira de fazer isso é interromper a identificação com nosso anseio. Geralmente nos identificamos completamente com nossas emoções. Quando somos dominados pelo desejo, somos unos com esse sentimento — ele fica onipresente em nossa mente. A mente, contudo, sempre é capaz de examinar o que está acontecendo com ela. Tudo que temos a fazer é observar nossas emoções do mesmo modo como observaríamos um evento à nossa frente.

A parte de nossa mente que está consciente do desejo está simplesmente consciente, não está ansiando. Podemos recuar um passo, compreender que esse anseio não tem solidez, e permitir um espaço suficiente para ele se dissolver nele mesmo. Deixemos que nossa mente relaxe na paz do estado consciente e desperto, livre da esperança e do medo, apreciando o frescor do momento presente, que age como um bálsamo na queimadura do desejo.


Matthieu Ricard



Fonte: https://www.matthieuricard.org/en/
Via https://darma.info/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/guarda-chuva-budismo-monge-mosteiro-1807513/

terça-feira, 11 de agosto de 2020

ESPAÇO PARA SER


Para nos conhecermos, para nos compreendermos e para... obtermos uma perspectiva correta de nós mesmos e de nossos problemas, precisamos simplesmente entrar em contato com nosso espírito. Toda auto-compreensão surge como resultado de nos entendermos como seres espirituais, e apenas o contato com o Espírito Santo pode nos conferir toda a amplitude da compreensão... Esse caminho não é difícil. É muito simples. Mas, realmente demanda um sério comprometimento...

A maravilhosa revelação que lá está para que a descubramos, desde que apenas nos coloquemos a caminho com disciplina, é que nosso espírito está enraizado em Deus... Esta é uma descoberta básica que cada um de nós precisa fazer: que a natureza que possuímos tem esse infinito potencial de desenvolvimento e que o desenvolvimento só se dá caso nos entreguemos a esta peregrinação a nosso próprio centro... A meditação é apenas essa maneira de entrarmos em contato com nosso próprio espírito e, nesse contato, encontrarmos o caminho da integração, de descobrirmos que tudo na nossa experiência se harmoniza, tudo na nossa experiência é alinhado em Deus.

O caminho da meditação é muito simples. Tudo o que cada um de nós precisa fazer é ficar tão imóvel quanto possível, física e espiritualmente... Aprender a meditar é aprender a abandonar seus pensamentos, ideias, imaginação e a descansar nas profundezas de seu próprio ser. Lembre-se sempre disso. Não pense, não utilize quaisquer palavras, a não ser sua própria palavra (mantra), não imagine nada. Apenas entoe, repita a palavra nas profundezas de seu espírito, ouça-a. Concentre-se nela com toda sua atenção. Por que isso é tão poderoso? Basicamente porque nos dá o espaço que nosso espírito precisa para poder respirar. Nos dá, a cada um de nós, o espaço para sermos nós mesmos.

Quando você medita, não precisa se desculpar e você não precisa se justificar. Tudo o que você precisa fazer é ser você mesmo, é aceitar, das mãos de Deus, a dádiva de seu próprio ser. E, nessa aceitação de si mesmo e de sua criação, você entra em harmonia com o Criador... o Espírito de Deus.


Dom John Main, OSB



Fonte: "Espaço para ser" - Leitura de 03/08/2008
Moment Of Christ (New York: Continuum, 1998) pp. 92-93.
Tradução de Roldano Giuntoli
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - http://www.wccm.com.br/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

HUA HU CHING - OS 81 ENSINAMENTOS ORAIS TAOISTAS


O "Tao Te King" não é o único livro de Lao Tzé. O "Hua Hu Ching" é a compilação de 81 ensinamentos orais taoistas. O conteúdo fala da aquisição da iluminação, maestria e paz de espírito, transmitindo em sua mensagem uma enorme autoridade que revela a mais pura origem taoista.

Ensinamento 4: "Qualquer saída do TAO contamina o espírito. A cólera é uma saída, a resistência é uma saída, o ensimesmamento em si mesmo é uma saída. Ao longo de muitas vidas o fardo das contaminações pode tornar-se grande. Só há uma maneira de purificar-se destas contaminações, e consiste em praticar a virtude. O que isso quer dizer? Praticar a virtude é oferecer desinteressadamente ajuda aos demais, dar sem limitação alguma o próprio tempo, capacidades e posses, em qualquer ocasião e lugar em que for necessário, sem preconceito algum em relação à necessidade da pessoa que o necessite. Se tua disponibilidade a dar felicidade é limitada, também o será tua disponibilidade a recebê-la. Este é o sutil proceder do Tao."


Lao Tzé



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/yin-yang-abstract-fundo-black-99824/

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A CRUZ COMO CAMINHO DE INDIVIDUAÇÃO


A Cruz como imagem do ser humano redimido

Em seus escritos, Carl Gustav Jung se voltou constantemente para o tema da cruz e vê na cruz um caminho da individuação, da autorrealização humana. Jung não escreve sobre a morte de Jesus na cruz, mas sobre a cruz como símbolo. O símbolo da cruz desempenha um papel importante no processo de individuação do ser humano. No curso de sua vida, cada ser humano precisa passar do Ego, que é o âmago consciente de sua pessoa, para o Self, o centro mais íntimo da pessoa, que inclui simultaneamente o consciente e o inconsciente. Nesse caminho da individuação, os símbolos têm uma tarefa especial. Jung refere-se aqui não apenas a símbolos, mas a imagens arquetípicas que são disponíveis na alma do ser humano e que desencadeiam e dirigem o processo da individuação.

Para Jung, Cristo e a cruz estão entre estes arquétipos que podem transformar o ser humano. Cristo é o símbolo mais desenvolvido do Self. É claro que Jung não dissolve o Jesus histórico numa imagem arquetípica. Também para Jung, Jesus foi uma figura histórica. Mas, ao mesmo tempo, ele apelou ao arquétipo do Self que está disponível na alma e o tornou ativo.

A cruz desempenhou um papel importante no caminho da transformação de Jesus. Também nosso caminho da individuação passa pela cruz. A cruz tem para Jung vários significados no processo de individuação. Em todos os distintos aspectos da cruz, trata-se para Jung sempre do efeito sanador e centrador sobre o Self do ser humano.

Por um lado, a cruz é um símbolo do sacrifício. Jung entende sob sacrifício o abandono do Ego em favor do Self e a renúncia à determinação pelos instintos, a transformação da libido. No sacrifício, o ser humano abandona-se a Deus. Para poder se entregar a Deus, o ser humano precisa primeiro conhecer-se a si mesmo. Por isso, o sacrifício é sempre antecedido por um ato de autoexame. A instância do ser humano que sacrifica algo do Ego é o Self. Ao sacrificar o Ego, o Self ganha a si mesmo. A cruz como sacrifício é, para Jung, ao mesmo tempo, uma imagem drástica da repreensão dos instintos. Aqui não se trata da superação dos instintos animais, mas de uma entrega do ser humano inteiro de “um disciplinamento de suas funções especialmente humanas e espirituais, em direção a uma meta espiritual supramundana”. O sacrifício na cruz não quer despedaçar o ser humano, mas promovê-lo em seu caminho interior. Na História, esse sacrifício, ao qual a cruz convidou os cristãos, “levou a um desenvolvimento da consciência que, sem esse treinamento, seria simplesmente impossível”. Sem o disciplinamento através da ascese cristã, manifestam-se novamente a rudeza e a falta de consciência da Antiguidade.

O segundo significado da cruz é para Jung que ela simboliza o sofrimento. Segundo Jung, cada passo no caminho da conscientização progressiva pode ser somente comprado com sofrimento. O sofrimento é o portão pelo qual o ser humano precisa passar quando quer se tornar consciente de si mesmo. O sofrimento tem sua causa principalmente no fato de que o ser humano tem de aceitar-se em suas contradições que às vezes ameaçam dilacerá-lo. Quem se põe a caminho para tornar-se íntegro experimenta como está cruzado e contrariado por contradições e opostos interiores, pelo oposto de luz e trevas, de bem e mal, de consciente e inconsciente, de masculino e feminino.

Diz Jung: Quem quer que se encontre no caminho para a integridade não pode escapar daquela estranha suspensão representada pela crucificação. Pois encontrará sem falta aquilo que o cruza e contraria, a saber, primeiro, aquilo que ele não quer ser (sombra); segundo, aquilo que ele não é, mas que o outro é (realidade individual do tu); e, terceiro, aquilo que é seu Não-Ego psíquico, a saber, o inconsciente coletivo.

Por estar empurrado para lá e para cá pelas contradições, o ser humano é para si mesmo uma cruz e não pode desviar-se da cruz como sofrimento.

Para Jung, o êxito de nos tornarmos humanos depende inteiramente da pergunta de como lidamos com o sofrimento. Quem se desvia do sofrimento que existe necessariamente junto a sua existência humana procura a neurose como sofrimento substituto. Por isso, a cruz como convite de aceitar e carregar o sofrimento que existe essencialmente devido à nossa contrariedade é para Jung favorável a nossa saúde e protege-nos da neurose na qual fugimos de nossa própria verdade.

Nesse sentido, carregar a cruz significa para Jung aceitar a própria cruz e não pensar que poderíamos carregar a cruz de Cristo.

A cruz de Cristo foi carregada por ele mesmo e foi a própria cruz que ele carregou. Certamente é mais fácil colocar-se sob uma cruz alheia e já carregada do que carregar a própria cruz, sob os insultos e o desprezo de seu mundo. Pois, ao fazer isso, fica-se belamente dentro da tradição e se ganha o elogio de ser piedoso. Isso é farisaísmo bem organizado e extremamente anticristão. Cristão é somente quem vive no sentido e no espírito de Cristo.

Sofrer significa a colisão de contradições e opostos, um conflito insolúvel. Exatamente nesse conflito, Deus é reconhecido como a união de todos os opostos: Todo contrário é Deus, por isso, o ser humano tem de assumir esse peso, e ao fazê-lo, ele, com sua contrariedade, tomou posse dele, isto é, se encarnou. O ser humano fica repleto do conflito divino.

A cruz é o símbolo dessa suprema contrariedade e oposição. Quando o ser humano está disposto a confrontar-se com esse conflito, então experimenta nisso Deus, então “realiza-se dentro dele a imago Dei, a encarnação de Deus”.

A cruz é para o ser humano o condutor no caminho para a individuação. Ela o promove no caminho da transformação. É a imagem da passagem dolorosa, sem a qual não há transformação. E ela se encontra também no fim do caminho como imagem do destino, da integridade e da completude que nos esperam no futuro. Pois a cruz mostra ao ser humano a possibilidade de unir dentro de si os opostos e contradições. É um símbolo ordenador.

A cruz significa ordem diante do desordenado ou caótico da multidão do povo informe. Ela é, de fato, um dos símbolos ordenadores mais antigos. Também no âmbito dos processos psíquicos, tem a função de um ponto central gerador de ordem.

Para Jung, a cruz é uma imagem da reconciliação de todos os opostos, portanto, não é uma imagem da propaganda militante e agressiva pelo cristianismo, mas um convite de reconciliar os opostos e as contradições em nosso mundo, os opostos entre as religiões e culturas, entre os povos e as camadas sociais, entre pobre e rico, entre religioso e não religioso, entre luz e trevas, entre céu e Terra. É uma imagem que leva ordem ao caos de nosso tempo, em que tudo fica difuso e diluído, que traz orientação quando tudo se torna confuso e sem sentido. A imagem da cruz tem para Jung um efeito sanador. Ela nos protege de divisões interiores que sempre causam doenças, e nos estabiliza em meio à instabilidade de nosso tempo. Não foi por acaso que o próprio Jung colocou uma cruz na parede de seu escritório para se lembrar constantemente de como o caminho da individuação humana pode dar certo.


Anselm Grün, OSB



Fonte: "A Cruz a imagem do ser humano redimido", 3ª ed., pp. 84-94, São Paulo: Paulus, 2010. 
Via http://sabedoriadodeserto.blogspot.com/
Fonte da Gravura: Instagram

TRIBULAÇÕES E AUTOCONTROLE


A vida, na Terra, é feita de experiências evolutivas, em que o processo de crescimento se faz através dos cursos educativos dos sofrimentos. Nem todas as tribulações, no entanto, são decorrência da imposição das divinas leis.

Quando o espírito se dá conta dos erros cometidos numa etapa, roga a bênção do recomeço sob o açodar dos sofrimentos que o aprimoram, ensinando-o a valorizar a oportunidade e a criar melhores condições para o equilíbrio futuro.

Entendendo a vida como um processo eterno de evolução, conquista, numa oportunidade, o que noutra não soube considerar e, quando tal ocorre, porque o amor foi desdenhado, é no sofrimento que se aprimora.

As tribulações solicitadas constituem bênção que deve ser vivida com alegria, mediante o aproveitamento de cada instante, mesmo que, aparentemente, sob a rudeza causticante da agonia. Noutras vezes, faz-se imperioso expungir (apagar*) os soberanos códigos, ensejando a libertação do calceta (empedernido) que, renitentemente, se entregou ao desvario, convidando-o à reparação expiatória com que conquista a paz, mediante os exercícios mais dolorosos da angústia ou da limitação, das mutilações ou da saudade...

Afirmou Jesus: “No mundo só tereis aflições” em face de ser a Terra, ainda, uma escola de crescimento, cujos métodos são defluentes das necessidades mais imediatas dos seus educandos. “Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” — disse Jesus, conforme anotou Mateus, no versículo trinta e nove, do capítulo cinco do seu Evangelho.

Não sintonizes, portanto, com os agressores que te espreitam e atingem, no caminho da tua redenção. Preserva a calma e desarticula as engrenagens da perversidade que te busca. Tem a coragem de não perder a paciência ante o agressor, evitando ficar igual a ele. Covarde é o ato de revidar o mal, golpe por golpe, sob a insopitável (desenfreada) ansiedade de liberar-se da ocorrência a qualquer preço. Não deixa de ser um imenso desafio moral, a coragem de apresentar a face esquerda ao violento que já golpeou a direita...

O homem, porém, é o seu valor espiritual e não apenas o feixe de músculo que reage com impulsos descontrolados aos estímulos externos. O animal escouceia (dá coice) ou morde, por instinto, quando atingido, porque não dispõe de outro recurso para a defesa.

Habitua-te ao autocontrole, canalizando, de forma edificante, as tuas forças mentais e físicas, mediante exercícios de vigilância contra a agressividade que permanece em ti como herança ancestral...

Se, todavia, alguma vez, sob o apodo (zombaria) ou o golpe violento que te fere, estiveres a ponto de revidar, por falta de forças morais, recorre à oração silenciosa e serás renovado, conseguindo vencer a injunção infeliz.


Divaldo Pereira Franco / Joanna de Ângelis



Fonte: do livro "Receitas de Paz"
Fonte da Gravura: Tumblr.com

TUDO ESTÁ BEM SE...


Tudo está bem se você se entrega ao Poder Superior.

Esse Poder cala profundamente em suas coisas.

Somente na medida em que você pensa que é quem efetua o trabalho está obrigado a colher os frutos de suas ações.

Por outro lado, se você se entrega e reconhece a seu eu individual somente como uma ferramenta do Poder Superior, esse Poder tomará cargo de suas coisas junto com os frutos das ações.

Estas coisas já não o efetam e o trabalho prossegue sem obstáculos.

O esquema das coisas não se altera, reconheça ou não o Poder.

Só há um caminho de atitude.

Por que você levaria sua bagagem sobre sua cabeça quando viaja de trem?

O trem a levaria, quer esteja sobre a sua cabeça quer esteja no bagageiro.

Levando sobre a cabeça não diminuiria a carga do trem, porém só você faria um esforço desnecessário.

Assim é o sentido das ações (as cargas) por parte dos indivíduos que estão no mundo.


Sri Ramana Maharshi



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

sábado, 8 de agosto de 2020

O LABIRINTO DO MINOTAURO


Embora o mito revele um acontecimento que historicamente não podemos conceber como realidade, evidencia, indiscutivelmente, uma realidade psicológica coberta de símbolos que cabe a nós desvelá-los.

Existem vários mitos que reportam ao labirinto. A mais conhecida tradição nos conta que Dédalo, construtor e arquiteto das Ilhas de Creta, construiu um labirinto para o Rei Minos, que havia se tornado rei, graças a ajuda do deus Posseidon.

Para assegurar o reinado de Minos, Posseidon criou um touro branco e lhe deu de presente. A esposa de Minos, Pasifae, enamorou-se perdidamente pelo touro branco e pediu a Dédalo que então fabricasse uma vaca de bronze, bela e atrativa o suficiente para se meter dentro e seduzir o touro branco para que ele se apaixonasse por ela.

A tragédia é enorme, pois desse relacionamento acabou nascendo uma besta, metade homem, o minotauro. Esse monstro passou a residir no interior do labirinto, causando verdadeiro terror aos cretenses. Vários homens tentaram matar o minotauro, mas acabavam se perdendo no caminho; amedrontados, não chegavam ao fim; ou os que mais se aproximaram acabaram vencidos pela besta.

Surgiu, então, um herói, Teseu, futuro Rei de Creta, que só aceitou assumir o reinado com a condição de matar o minotauro. Entrou no labirinto com um machado de duplo fio e um fuso de lã que Ariadne, filha do Rei Minos havia lhe dado, para desenrolá-lo, marcando o caminho. Teseu chega então no centro do labirinto e em luta contra o minotauro, acaba matando-o. Para sair do labirinto, percorreu de volta o caminho sinalizado com o fio que havia desenrolado, recolhendo-o e enrolando-o de volta ao fuso, até torná-lo um novelo esférico.

Podemos relacionar o sentido do labirinto com certos aspectos da psique humana, a seguir abordados:

O fuso simboliza a imperfeição interior do homem, que necessita passar por várias provas para se desenvolver, ou seja, enfrentar os problemas cotidianos que assolam dia a dia. A esfera que Teseu constrói ao recolher o fio, simboliza a perfeição conquistada por ter enfrentado o minotauro.

O minotauro representa a matéria cega, os nossos instintos, egoísmos, vícios e defeitos. Foi gerado como fruto da paixão cega, sem a diretriz de uma razão superior.

O machado de duplo fio utilizado por Teseu representa a vontade, pois somente conseguiremos abrir os nossos caminhos se tivermos uma força de vontade inquebrantável.

O fio, que sinalizou o caminho para Teseu não se perder no labirinto, simboliza a consciência do homem, a nossa memória, que possibilita recordarmos os caminhos já percorridos, os nossos percalços, como uma chance para não cometermos os mesmos erros. Reconhecemos dessa forma os lugares pelos quais já percorremos e os que ainda faltam percorrer.

Ariadne é nossa alma salvadora, pois justo quando Teseu encontrava-se num momento de angústia, ela lhe trouxe uma solução para poder destruir o minotauro e sair do labirinto.

Teseu somos nós, que decididos, com força de vontade e conscientes, enfrentamos o minotauro que nos assola, representado pelo excesso de materialismo, pela paixão desgovernada que gera sofrimento, carências afetivas, rejeições, falta de autoestima, medos, angústias, dúvidas, inseguranças, rancores, preguiças e preocupações.

Não podemos deixar que o minotauro nos vença, pois temos que lutar e chegar no nosso próprio centro, no olho do furacão, onde tudo é calmo e silencioso, onde estamos seguros, conscientes e verticalizados.

Lembrem-se que Teseu somente venceu o minotauro porque teve a coragem de enfrentá-lo. Coragem para vencermos a nós mesmos!


Grasiela Thomsen



Fonte: Boletim Informativo Orfeu, n° 27, p. 6, Jul-Ago 2001
Nova Acrópole Associação Cultural – Porto Alegre/RS
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/est%C3%A1tua-escultura-pierre-monumento-3867432/

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O DESTINO DO SER


[...]  Flammarion firmou o princípio de que não é somente a Terra que serve de habitação à espécie humana, mas, sim, todos os astros espalhados pelo espaço sem fim, e eles mesmos inúmeros, aos bilhões. A espécie humana não é, pois, exclusivamente terrestre, nem é na Terra que começou e acabará sua marcha, pelas vias do progresso, até à perfeição, que é seu destino.

[...] Deus não criou somente o nosso mundo e descansou, como se entende pela cosmogonia bíblica. A prótese divina nem teve princípio nem terá fim, porque o movimento e a ação caracterizam a vida, e o Criador cessaria de o ser, se, por um momento, fosse inerte, inativo, em repouso. Deus, pois, criou desde o princípio dos tempos, e criará, incessantemente, por toda a eternidade. Cria mundos e cria espíritos. A criação constante dos primeiros já é princípio corrente na ciência, que chegou a determinar como do fluido cósmico sai a nebulosa, e desta se destacam os núcleos de novos gigantes do espaço. A criação constante dos segundos é dedução forçada da pluralidade de mundos habitados, pois de outro modo não haveria onde se proverem de habitantes os milhares de milhões existentes e os que lhes aumentam o número, por sua constante criação.

[...] Tomemos, pois, os dois novos princípios: pluralidade de mundos e pluralidade de existências da alma, e vejamos o que de sua combinação resulta. Deus cria mundos, ou, antes, estabeleceu a lei da criação de mundos, em identidade de condições, pois não há razão para diferenças, nem as leis do mundo material, como quaisquer outras, são variáveis; e, pelo contrário, mostra-nos a observação que tudo no Universo obedece a normas fixas.

[...] Deus cria espíritos em identidade de condições, pois não há razão para exceções, preferências e exclusões, que não se conformam com os infinitamente perfeitos atributos do Criador... Somos todos criados em estado de inocência, isto é, sem consciência do bem e do mal, faculdade que se vai desenvolvendo, à medida que vamos usando do nosso livre arbítrio. Somos todos criados em estado de ignorância, mas dotados de inteligência, pela qual devemos conquistar o conhecimento universal, como pelo desenvolvimento do senso moral devemos conquistar a virtude universal.

Os espíritos criados, assim, em identidade de condições intelectuais e morais, trazem consigo, latentes, todas as faculdades de que necessitarão para realizar sua transformação da ignorância nativa à mais alta sabedoria, e da inocência inconsciente à mais sublimada virtude. Com estas armas, de que todos são dotados para subirem ao destino a todos marcado, Deus deu sempre sem exceção, a liberdade ou o poder de cada um empregá-los, como quiser, para alcançar aquele destino.

O que se empenhar, 'totis viribus'*, no aperfeiçoamento intelectual e moral de seu ser, fará carreira mais rápida e, conseguintemente, menos dolorosa. Aquele, porém, que desprezar os recursos que lhe foram dados, e entregar-se aos gozos materiais... ou que dormir, preguiçoso, nos pousos da longa viagem, fará carreira mais lenta, e, conseguintemente, mais tormentosa.

E, pois, dando aos espíritos as mesmas condições originais, as mesmas armas para seguirem o seu destino, e idêntico, tanto como excelso destino, o Criador completou sua obra dotando-os da mais plena liberdade no emprego daquelas armas. É do bom ou mau uso que fazem desse sublime dom, que resultam as variedades de todo o gênero, que se observam no seio da humanidade, e o que faz que os ignorantes atribuam a Deus tais variedades. Não; o homem é senhor de seu destino, pela liberdade, mas, por isso mesmo que é livre, é responsável.

Nasce daí uma nova ordem de cogitações. O homem (espírito) que faz bom uso de sua liberdade, no desenvolvimento de sua perfectibilidade, adquire méritos; o que procede de modo aposto, sobrecarrega-se de deméritos. Méritos e deméritos provocam, por lei fatal, recompensas e castigos, e, no mundo moral, as leis de Deus têm a mesma inexorabilidade que as do mundo físico. “Cada um segundo suas obras” é a grande lei da evolução espiritual, da qual resulta que assim como somos livres de praticar o bem ou o mal, somos, por isso mesmo, os que nos julgamos incursos, merecedores de penas ou recompensas, segundo a lei na justiça eterna. Essa justiça não cogita de personalidades: é indefectível...

[...] Como um corpo posto em movimento adquire progressivamente maior velocidade, assim os espíritos, começando o exercício de suas faculdades intelectuais e afetivas, vão progressivamente adquirindo conhecimentos e sentimentos mais apurados, até chegarem ao termo de sua perfectibilidade... A perfectibilidade humana, sendo indefinida, é óbvio que, na vida da Terra, o homem não alcança o destino para que foi criado; apenas conseguirá, se conseguir, os primeiros degraus da longa escada. Outras existências e maiores esforços são indispensáveis para a consecução do altíssima fim.

Terminando a primeira existência corpórea, o espírito que empregou esforços, para progredir, recebe o prêmio de animação; aquele, porém, que dormiu ou só fez mal, recebe a consequência de suas faltas. Tanto o prêmio como o castigo não podem ter duração eterna, porque não foi completado o ciclo do progresso, cuja realização é lei do ser racional.

Deus não seria Pai, se condenasse seus filhos a penas eternas por faltas de um momento; assim como não seria juiz reto, se, por limitado mérito, desse o inestimável prêmio da glória devida a todo o mérito. E ao que ficaria reduzida a perfectibilidade humana, se não passasse do que sabemos e praticamos nesta vida? Os que fossem para o céu, no dizer dos católicos, não precisariam mais progredir, e os que fossem para o inferno, não poderiam fazê-lo.

[...] Assim, se nas coisas humanas não se admitem julgamentos definitivos, mediante provas incompletas, como admitir-se em Deus tais leviandades e precipitações, que redundariam em injustiça e crueldade? Além disto, se o homem é essencialmente perfectível, e se numa existência não pode chegar ao último grau de sua perfectibilidade, como admitir penas e prêmios eternos, depois dessa existência? No céu, é estulto pensar que ainda se tenha de progredir, e, no inferno, para quê?

Por último, se depois de ligeira prova os espíritos têm seu destino irrevogável, e se no fim do mundo, segundo a Igreja Romana, tem de haver completa separação dos glorificados e dos condenados, teremos a eternização do mal, ou antes, a vitória do mal, porque "satanás" ficará sendo por toda a eternidade, o deus do inferno, o senhor dos condenados, por igual a Jeová, Deus do céu e senhor dos bem-aventurados!

Isto não pode calar no pensamento de quem reconhece em Deus os altos atributos de justiça, misericórdia e amor infinitos. O céu torna impossível o inferno. Deus não seria Deus, se "satanás" a ele fosse igual em poder.

Vimos que uma vida única é insuficiente para o amplo desenvolvimento da perfectibilidade humana. Vimos que os espíritos não são criados para o corpo, mas, sim, que este lhes é dado como instrumento de progresso. Destes dois postulados, que só podem ser impugnados, ou pela ignorância invencível, ou pela incredulidade sistemática, resultam as seguintes consequências lógicas: Não há uma única vida, nem um único mundo. Não há penas eternas, pois os espíritos têm mais de uma vida corpórea. Não há inferno, pois não há penas eternas e materiais. Não há demônios pessoais, pois não há inferno, nem penas eternas... Não houve, finalmente, criação de um só par humano, visto que a própria Bíblia atesta a existência de outros seres humanos na Terra, ao tempo de Adão, e sem que dele procedessem.

[...] A medida, porém, que vai evoluindo, o espírito vai ganhando luz, e, à medida que vai tendo luz, vai reconhecendo e repelindo certos preconceitos mais grosseiros e divisando horizontes menos escuros.


Dr. Bezerra de Menezes (Max)


* Trabalhar muito, trabalhar duro, esforçar-se muito... (Expressão latina)



Fonte: "A LOUCURA SOB NOVO PRISMA"
Editora FEB – Federação Espírita Brasileira - www.febnet.org.br - 2012 – Brasil
Fonte da Gravura: Tumblr.com

QUE A LEI DE CAUSA E EFEITO SEJA NOSSA TESTEMUNHA


Se realmente pararmos para pensar sobre elogios e críticas, veremos que isso não tem a menor importância. Se recebemos elogios ou críticas isso não acrescenta nada. A única coisa importante é termos uma motivação pura, e que a lei de causa e efeito seja nossa testemunha.

Se formos realmente honestos, podemos ver que não faz diferença nenhuma receber elogios e aplausos. O mundo todo pode nos cantar louvores, mas se tivermos feito algo errado, então nós mesmos ainda teremos que sofrer as consequências; não há como escapar delas.

Se agimos só com base na motivação pura, todos os seres dos três reinos podem nos criticar e censurar, mas nenhum será capaz de nos causar sofrimento. Conforme a lei do karma, cada um de nós deve responder individualmente por nossas ações.

É assim que podemos colocar fim de uma vez a esse tipo de preocupação, vendo como isso é completamente sem substância, como sonhos ou ilusões mágicas. Quando as pessoas nos elogiam e brilhamos de deleite, isso é porque achamos que receber elogios é benéfico. Mas isso é como pensar que há alguma solidez no arco-íris ou em um sonho. Embora pareça que há muitos benefícios em receber aplausos e elogios, na verdade não há absolutamente nenhum.


Dalai Lama



Fonte: “Bad Reputation”, Tricycle (2007) - (Tricycle’s Daily Dharma, 18/09/2009)
Via https://darma.info/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/coment%C3%A1rios-satisfa%C3%A7%C3%A3o-cliente-3239758/