A meditação não permite que nos enganemos. Nos vemos como somos. Nos é impossível deixar de enxergar as maneiras pelas quais somos falsos ou hipócritas; nossas ilusões, auto-enganos, inseguranças medrosas e compulsões se mostram claramente; e a maneira como julgamos e rejeitamos outras pessoas, de maneira tão arrogante, atingirá como uma adaga nossa consciência quando a enxergarmos. Porém, ao encararmos esse lado sombrio de nós mesmos, o iluminamos. O vemos, com uma luz que brilha, a partir de algum local mais profundo em nós mesmos. E essa luz de nosso espírito calcina essa nossa auto-aversão com a revolucionária e finalmente inevitável verdade de que somos bons e dignos de amor.
Quanto mais conscientes estivermos do verdadeiro ser, mais veremos nossa atitude se modificar em relação aos outros, na maneira como mantemos nossas relações com eles. O medo diminui, o amor generoso aumenta; as reações iradas cedem lugar à sabedoria do perdão; o julgamento é absorvido pela paciência. Em lugar do controle e da manipulação, que aos olhos do ego é o que faz o mundo girar, vislumbra-se uma surpreendente liberdade, como real possibilidade nos negócios humanos: a liberdade que surge quando as pessoas permitem, umas às outras, que elas sejam quem realmente são. O mundo não seria perfeito, mesmo se fizéssemos isso desde a infância, mas certamente necessitaríamos menos prisões e aqueles que nelas estivessem, poderiam ser aqueles que efetivamente se beneficiariam por ali estar.
Mas, que grande risco. O grande risco que assumimos na meditação é, antes de mais nada, o de sermos nós mesmos. Este é o primeiro passo. Se não déssemos o correspondente próximo passo, jamais nos moveríamos de onde estamos; estaríamos saltando em uma só perna toda a nossa vida. O próximo passo é o de assumirmos o risco de deixar que os outros sejam eles mesmos. A maneira de fazermos isso é percebermos que a realidade deles é distinta da nossa. E percebê-los como reais é amá-los. Iris Murdoch escreveu certa vez que “o amor é a percepção do indivíduo”. Ela seguiu dizendo, "o amor é essa extremamente difícil compreensão de que algo além de nós mesmos é real." O amor e, assim também, a arte e a moralidade, é a descoberta da realidade. O que nos choca, nessa compreensão de nosso destino supersensitivo é uma indizível particularidade.
A grande ação da contemplação é a de voltarmos a atenção para fora de nós mesmos, na direção da realidade maior “fora de nós” que nos contém. É a mesma ação da contemplação, qualquer que seja a maneira como a consigamos fazer: nos relacionamentos, na arte, no serviço e na prece. Certamente, uma maneira fundamental de fazê-lo, é a de aprendermos a meditar, uma arte de aprendizado vitalícia. Meditar é aprender a viver contemplativamente em tudo o que fazemos, [para] tal como Santo Antão do deserto certa vez exortou seus discípulos a: “sempre respirar Cristo”.
Dom Laurence Freeman, OSB
Fonte: "Carta Nove" - Leitura de 27/07/2008 - Common Ground: Letters to a World Community of Meditators (New York: Continuum, 1999) pp. 103-104. Tradução de Roldano Giuntoli.
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/tail%C3%A2ndia-budistas-monges-meditar-453393/
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