terça-feira, 14 de março de 2023

NOSSO VERDADEIRO SER


“Os caracóis não sabem que são caracóis” - título de um romance de Nuria Roca - poderia servir para apontar uma diferença fundamental entre animais e seres humanos que sabem o que somos. Mas não é fácil chegar ao conhecimento do nosso verdadeiro ser e, menos ainda, percebê-lo em cada um de nós, apesar da sua importância para nos tornarmos plenamente humanos. Uma razão para se ter em mente é que os seres humanos se debatem entre dois extremos: agir a partir de nosso ego ou de nosso verdadeiro ser.

O ego, na verdade, não tem identidade ou vida própria, e tem muito a ver com a imagem que cada pessoa tem de si; um "fantasma" que se recusa a desaparecer e morrer, baseado na procura e acumulação: aceitação dos outros (aparência, fama); nível econômico (ter); e status social (poder), com a vã ilusão de que com isso poderia alcançar a imortalidade que inutilmente almeja.

Somos seres humanos ou, como dizia Theillard de Chardín, “seres espirituais com uma dimensão temporal humana”. Portanto, somos tanto mais humanos quanto mais conscientes nos tornamos de nossa dimensão espiritual. [...] a consciência é definida como "a capacidade do ser humano de perceber a realidade e se reconhecer nela". E, como essa é a nossa realidade, podemos nos reconhecer e agir nela e a partir dela. Qualquer um pode se considerar ateu, é uma opção tão aceitável quanto a do crente; mas quem nega sua dimensão espiritual comete um grave erro conceitual que lhe dificultará saber quem é.

Mas como saber se agimos a partir do ego ou a partir do nosso verdadeiro ser? Se estamos tristes (o que não é o mesmo que sentir pena de algo específico que nos aconteceu), pode ser um sinal claro de que estamos agindo a partir do ego. Se alguém nos é insuportável a ponto de “revoltar nossas entranhas”, estamos agindo a partir do ego. A psicologia já nos adverte através da "identificação projetiva" que não há nada que nos cause mais rejeição do que observar em outra pessoa um defeito que não aceitamos em nós mesmos. Como consequência, projetaremos nossa fraqueza rejeitada no outro, tornando-o insuportável. "Tudo que é criticado cai por cima", diz o velho ditado; não como consequência da crítica em si, mas porque o que nos move a fazê-lo é o nosso ódio ao que estamos criticando no outro. Da mesma forma - independentemente de qualquer desordem - se nossa vida deixa de fazer sentido, se somos movidos pela inveja ou ressentimento ou ódio etc., ou se somos invadidos por um medo irracional, ou dominados pela obsessão de encontrar segurança, também estamos a serviço do nosso ego que não suporta a incerteza.

O ego quer: transformar pedras em pão (corrupção, ganância, ter); lançar-se do pináculo do templo e sentir o aplauso dos outros por sua coragem (aparência, fama); e possuir sem limite (ter).

Quando agimos a partir do nosso verdadeiro ser, as consequências são: paz, compaixão e compreensão dos outros; a ausência de julgamentos, inveja, ódio ou ressentimento; autoconfiança, desde que agimos de acordo com quem realmente somos; a ausência de medo da vida, com a qual fluiremos aceitando o que vier, simplesmente porque veio. A mãe de uma amiga minha costumava dizer: “o que vem depois é conveniente. E por que é conveniente? Porque vem." Até mesmo em um recente anúncio publicitário, uma canção italiana, diz: Non ti preoccupare, quello che arriva dovrebbe arrivare (Não se preocupe, o que chega é o que tinha que chegar).

Do nosso verdadeiro ser desaparece também o medo da morte, porque ele nunca morrerá. É a vida, a consciência, o mistério que nos habita que, assim como no caso do ego, o perceberemos por seus efeitos sobre nós quando agirmos a partir dele e quando entrarmos nas profundezas de nós mesmos, apaziguando a tagarelice de nossa mente e sua eventual aliança com o ego.


Ignacio Gallego Cubiles



Fonte: WCCM Espanha - Comunidad Mundial para la Meditación Cristiana
http://wccm.es/
Traduzido por WCCM España e para o português por este blog.
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

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