sábado, 9 de abril de 2022

A ORAÇÃO DO CORAÇÃO: ESPIRITUALIDADE DO DESERTO


A oração hesicástica (1), que leva ao descanso em que a alma habita com Deus, é a oração do coração. Para nós que damos tanta importância à mente, aprender a rezar com o coração e a partir dele, tem importância especial. Os monges do deserto nos mostram o caminho. Embora não exponham nenhuma teoria sobre a oração, suas narrativas e seus conselhos concretos apresentam as pedras com as quais os autores espirituais ortodoxos mais tardios construíram uma espiritualidade magnífica. Os autores espirituais do monte Sinai, do monte Atos e os startsi (2) da Rússia oitocentista (3) apoiam-se todos na tradição do deserto. Encontramos a melhor formulação da oração do coração nas palavras do místico russo Teófano, o Recluso: "Rezar é descer com a mente ao coração e ali ficar diante da face do Senhor, onipresente, onividente dentro de nós". No decorrer dos séculos, essa perspectiva da oração tem sido central no hesicasmo. Rezar é ficar na presença de Deus com a mente no coração, isto é, naquele ponto de nossa existência em que não há divisões nem distinções e onde somos totalmente um. Ali habita o Espírito de Deus e ali acontece o grande encontro. Ali, coração fala a coração, porque ali ficamos diante da face do Senhor, onividente, dentro de nós. É bom saber que aqui a palavra "coração" é usada em seu sentido bíblico pleno. Em nosso meio, ela se tornou lugar-comum. Refere-se à sede da vida sentimental. Expressões como "coração partido" e "sentido no coração" mostram ser comum pensarmos no coração como o lugar quente onde se localizam as emoções, em contraste com o frio intelecto onde têm lugar nossos pensamentos. Mas, na tradição judaico-cristã, a palavra "coração" refere-se à fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.

No coração, originam-se impulsos impenetráveis, além de sentimentos, disposições e desejos conscientes. O coração também tem suas razões e é o centro da percepção e do entendimento. Finalmente, ele é a sede da vontade: faz planos e chega a uma boa decisão. Assim, é o órgão central e unificador de nossa vida pessoal. Nosso coração determina nossa personalidade e é, portanto, não só o lugar onde Deus habita mas também o lugar ao qual “Satanás” dirige seus ataques mais ferozes. Esse coração é o lugar da oração. A oração do coração dirige-se a Deus a partir do centro da pessoa e, assim, afeta toda a nossa compaixão.

Um dos monges do deserto, Macário, o Grande, diz: "A tarefa principal do atleta (isto é, do monge) é entrar em seu coração". Isso não significa que o monge deva procurar encher sua oração de sentimento; significa que deve esforçar-se para deixar que ela remodele toda a sua pessoa. O discernimento mais profundo dos monges do deserto é que entrar no coração é entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, o caminho para Deus é pelo coração. Isaac, o Sírio, escreve:

"Procure entrar na câmara do tesouro... que está dentro de você e então descobrirá a câmara do tesouro do céu. Pois ambas são a mesma coisa. Se conseguir entrar em uma, você verá ambas. A escada para este Reino está escondida dentro de você, em sua alma. Se você purificar a alma, ali verá os degraus da escada que deve subir."

E João de Cárpato diz: "É preciso grande esforço e luta na oração para alcançar aquele estado da mente que é livre de toda perturbação; é um céu dentro do coração (literalmente 'intracardíaco'), o lugar onde, como o apóstolo Paulo assegura, "Cristo está em vós" (2Cor 13,5).

Em suas falas, os monges do deserto nos indicam uma visão bastante holística de oração. Eles nos afastam de nossas práticas intelectuais, nas quais Deus se transforma em um dos muitos problemas com os quais temos de lidar. Mostram-nos que a verdadeira oração penetra no âmago de nossa alma e não deixa nada sem tocar. A oração do coração não nos permite limitar nosso relacionamento com Deus a palavras interessantes ou emoções piedosas. Por sua própria natureza, essa oração transforma todo o nosso ser em Cristo, precisamente porque abre os olhos de nossa alma à verdade de nós mesmos e também à verdade de Deus. Em nosso coração passamos a nos ver como pecadores abraçados pela misericórdia de Deus. É essa visão que nos faz clamar: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim, pecador". A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.

Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso. Essa verdade é o que nos dá o "descanso" do hesicasta. Quando ela se abriga em nosso coração, somos menos distraídos por pensamentos mundanos e nos voltamos mais sinceramente para o Senhor de nossos corações e do universo. Assim, as palavras de Jesus: "Felizes os corações puros: eles verão a Deus" (Mt 5,8) tornam-se reais em nossa oração. As tentações e as lutas continuam até o fim de nossas vidas, mas com um coração puro ficamos tranquilos, mesmo em meio a uma existência agitada.

Isso levanta o problema de como praticar a oração do coração em um ministério bastante agitado. É a essa questão de disciplina para a qual precisamos agora voltar a atenção.


Oração e Ministério

Como nós, que não somos monges nem vivemos no deserto, praticamos a oração do coração? Como ela influencia nosso ministério cotidiano?

A resposta a essa pergunta está na formulação de uma disciplina definitiva, uma regra de oração. Há três características da oração do coração que nos ajudam a formular essa disciplina:

- A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples;

- A oração do coração é incessante;

- A oração do coração inclui tudo.


Alimenta-se de Orações Breves

No contexto de nossa cultura verbosa, é significativo ouvir os monges do deserto nos aconselhando a não usar palavras em excesso:

"Perguntaram ao aba Macário: 'Como se deve rezar?' O ancião respondeu: 'Não há, em absoluto, necessidade de fazer longos discursos; basta estender a mão e dizer: Senhor, como queres e como sabes, tem misericórdia. E se o conflito ficar mais ameaçador, dizer: Senhor, ajuda. Ele sabe muito bem do que precisamos e nos mostra sua misericórdia'".

João Clímaco é ainda mais explícito:

"Quando rezar, não procure se expressar em palavras extravagantes pois, quase sempre, são as frases simples e repetitivas de uma criancinha que nosso Pai do céu acha mais irresistíveis. Não se esforce em muito falar, para que a busca de palavras não lhe distraia a mente da oração. Uma única frase nos lábios do coletor de impostos foi suficiente para lhe alcançar a misericórdia divina; um pedido humilde feito com fé foi suficiente para salvar o bom ladrão. A tagarelice na oração sujeita a mente à fantasia e à dissipação; por sua natureza, as palavras simples tendem a concentrar a atenção. Quando encontrar satisfação ou contrição em determinada palavra de sua oração, pare nesse ponto".

Essa é uma sugestão muito útil para nós que tanto dependemos da capacidade verbal. A tranquila repetição de uma única palavra (4) ajuda-nos a descer com a mente ao coração. Essa repetição nada tem a ver com mágica. Não tem o propósito de enfeitiçar Deus, nem de forçá-lo a nos ouvir. Pelo contrário, uma palavra ou sentença repetida com frequência ajuda-nos a nos concentrar, a nos mover para o centro, a criar uma tranquilidade interior e, assim, a ouvir a voz de Deus. Quando simplesmente tentamos ficar sentados em silêncio e esperar que Deus nos fale, nos vemos bombardeados por intermináveis pensamentos e ideias conflitantes. Mas quando usamos uma sentença bastante simples como: "Ó Deus, vem em meus auxílio", ou "Jesus, mestre, tem piedade de mim", ou uma palavra como "Senhor" ou "Jesus", é mais fácil deixar as muitas distrações passarem sem nos deixarmos iludir por elas. Essa oração simples, repetida com facilidade, esvazia aos poucos nossa vida interior apinhada e cria o espaço sossegado onde habitamos com Deus. É como uma escada pela qual descemos ao coração e subimos a Deus. Nossa escolha de palavras depende de nossas necessidades e das circunstâncias do momento, mas é melhor usar palavras da Escritura.

Quando somos fiéis a essa oração simples e a praticamos com regularidade, ela nos conduz devagar a uma experiência de descanso e nos abre à presença ativa de Deus. Além disso, em um dia muito atarefado, podemos levar essa oração conosco. Quando, por exemplo, passamos, no início da manhã, 20 minutos sentados na presença de Deus com as palavras: "O Senhor é meu pastor", elas lentamente constroem em nosso coração um pequeno ninho para si mesmas e ali ficam o restante de nosso dia atarefado. Até enquanto falamos, estudamos, cuidamos do jardim ou construímos alguma coisa, a oração continua em nosso coração e nos mantém conscientes da orientação onipresente de Deus. A disciplina não é agora dirigida para um discernimento mais profundo do que significa chamar Deus de nosso Pastor, mas para a íntima experiência da ação pastoral de Deus em tudo que pensamos, dizemos ou fazemos.


Incessante

A segunda característica da oração do coração é ser incessante. A pergunta de como seguir a ordem de Paulo: "Orai incessantemente" foi fundamental no hesicasmo desde a época dos monges do deserto até a Rússia oitocentista. Há muitos exemplos desse interesse nos dois extremos da tradição hesicástica. (Vejamos um dos principais:)

Na famosa história do Peregrino Russo (5) lemos:

"Pela graça de Deus sou cristão, mas pelas minhas ações sou um grande pecador... No vigésimo quarto domingo depois de Pentecostes, fui à igreja para ali fazer minhas orações durante a liturgia. Estava sendo lida a primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses e, entre outras palavras, ouvi estas: 'Orai incessantemente' (1Ts 5,17). Foi esse texto, mais que qualquer outro, que se inculcou em minha mente, e comecei a pensar como seria possível rezar incessantemente, já que um homem tem de se preocupar também com outras coisas a fim de ganhar a vida".

O camponês foi de igreja em igreja, para ouvir sermões, mas não encontrou a resposta que queria. Finalmente, encontrou um santo staretz (6) que lhe disse:

"A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus. Para sermos bem-sucedidos nesse exercício consolador, precisamos suplicar com mais frequência a Deus que nos ensine a rezar sem cessar. Rezar mais e rezar com mais fervor. É a própria oração que lhe revela como rezá-la sem cessar; mas leva algum tempo".

Então, o santo staretz ensinou ao camponês a Oração de Jesus: "Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim". Enquanto viajava como peregrino pela Rússia, o camponês passou a repetir essa oração com os lábios. Até considerava a oração de Jesus sua companheira verdadeira. E, então, um dia, teve a sensação de que a oração passou sozinha de seus lábios para seu coração. Ele diz:

"... parecia que, pulsando normalmente, meu coração começava a dizer as palavras da oração a cada batida... Desisti de dizer a oração com os lábios. Passei simplesmente a ouvir o que meu coração dizia".

Aqui aprendemos outro jeito de chegar à oração incessante. A oração continua a rezar dentro de mim, até enquanto falo com os outros ou me concentro no trabalho manual. Ela se torna a presença ativa do Espírito de Deus que me guia pela vida.

Desse modo vemos como, pela caridade e pela atividade da oração de Jesus em nosso coração, nosso dia todo se transforma em oração contínua. Não sugiro que imitemos o peregrino russo, mas que, também nós, em nosso ministério atarefado, nos preocupemos em rezar sem cessar, para que, seja o que for que comamos ou bebamos, seja o que for que façamos o façamos pela glória de Deus. (Veja 1Cor 10,31). Amar e trabalhar pela glória de Deus não pode permanecer uma ideia sobre a qual pensamos de vez em quando. Deve se tornar uma incessante doxologia (7) interior.


Inclui Tudo

Uma última característica da oração do coração é que ela inclui todos os nossos interesses. Quando entramos com a mente no coração e ali ficamos na presença de Deus, então todas as nossas preocupações mentais se transformam em oração. O poder da oração do coração é precisamente que, por meio dela, tudo que está em nossa mente se transforma em oração.

Quando dizemos a alguém: "Vou rezar por você", assumimos um compromisso muito importante. É uma pena que esse comentário muitas vezes não passe de uma expressão de interesse. Mas, quando aprendemos a descer com nossa mente em nosso coração, todos os que fazem parte de nossa vida são guiados à presença curativa de Deus e tocados por ele no centro de nosso ser. Falamos aqui de um mistério para o qual palavras são inadequadas. É o mistério em que o coração, centro de nosso ser, é transformado por Deus em seu coração, um coração grande o bastante para abraçar todo o universo. Pela oração, carregamos em nosso coração toda a dor e tristeza humanas, todos os conflitos, agonias, toda a tortura e a guerra, toda a fome, solidão e miséria, não por causa de alguma grande capacidade psicológica ou emocional, mas porque o coração de Deus uniu-se ao nosso.

Aqui vislumbramos o sentido das palavras de Jesus:

"Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque eu sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. Sim, o meu jugo é fácil de carregar, e o meu fardo é leve" (Mt 11,29-30).

Jesus nos convida a aceitar seu fardo, que é o do mundo todo, um fardo que inclui o sofrimento humano em todos os tempos e lugares. Mas esse fardo divino é leve e podemos carregá-lo quando nosso coração se transforma no coração manso e humilde de nosso Senhor.

Vemos aqui o íntimo relacionamento entre oração e ministério. A disciplina de conduzir todo o nosso povo com suas lutas ao coração manso e humilde de Deus é a disciplina de oração e também do ministério. Enquanto o ministério significar apenas que nos preocupamos muito com as pessoas e seus problemas; enquanto significar um número interminável de atividades que dificilmente conseguimos coordenar, ainda dependeremos muito de nosso coração tacanho e ansioso. Mas quando nossas preocupações são elevadas ao coração de Deus e ali se transformam em oração, ministério e oração se tornam duas manifestações do mesmo amor universal de Deus.

Vimos como a oração do coração se nutre de orações breves, é incessante e inclui tudo. Essas três características mostram como a oração do coração é o alento da vida espiritual e de todo o ministério. Na verdade, essa oração não é apenas uma atividade importante, mas o próprio centro da nova vida que queremos representar e na qual queremos iniciar nosso povo. As características da oração do coração deixam claro que ela exige uma disciplina pessoal. Para levar uma vida de oração não podemos passar sem orações específicas. Precisamos dizê-las de uma forma que nos ajude a ouvir melhor o Espírito que reza em nós. Precisamos continuar a incluir em nossa oração todas as pessoas com as quais e para as quais vivemos e trabalhamos. Essa disciplina vai nos ajudar a passar de um ministério entontecedor, fragmentário e muitas vezes frustrante para um ministério integrador, holístico e muito gratificante. Ela não vai facilitar o ministério, mas simplificá-lo; não vai torná-lo doce e piedoso, mas sim espiritual; não vai fazê-lo indolor e sem lutas, mas tranquilo no verdadeiro sentido hesicástico.



Henri J. M. Nouwen



Fonte: Capítulo extraído do livro "A Espiritualidade do Deserto e o Ministério Contemporâneo - O Caminho do Coração" - por Henri J. M. Nouwen, Ed. Loyola, 2000.
Fonte da Gravura: https://acaminhodasantidade.files.wordpress.com/2013/04/jesus_christ.jpg



Notas:

(1) HESICASMO - Em grego, a palavra hesychia designa um estado de calma, paz, repouso, quietude, tranquilidade, resultado da ausência disciplinada de agitação interna e externa. É o exercício feito para se libertar do barulho, conflito, inquietude, preocupação e medo. Indica também recolhimento da alma, silêncio, solidão interior e exterior, uma plena união com Deus. Este termo é também usado na espiritualidade monástica para indicar o estado de quietude e de silêncio de todo o ser humano, para que ele possa permanecer ligado no divino. Pode-se, então, definir o hesicasmo como um sistema espiritual de orientação essencialmente contemplativa, que consiste no aperfeiçoamento do humano na busca da união com Deus através da oração contínua.

(2) STARTSI – Monge, eremita.

(3) RÚSSIA OITOCENTISTA - Oitocentista é algo relativo ao século XIX ou classifica uma pessoa que viveu no século XIX.

(4) ORAÇÃO CENTRANTE – O Pe. William Meninger, OCSO, junto com Dom Thomas Keating, OCSO, e Dom Basil Pennington, OCSO, criaram as bases para a Oração Centrante, fazendo a releitura do clássico "A Nuvem do Não-Saber", e dos escritos de Sta. Teresa de Ávila e adaptando aos nossos tempos. A Oração Centrante é um método de oração silenciosa (meditação) que pode levar à contemplação. Da mesma forma, vem da tradição hesicasta dos Padres do deserto. O Método: escolhe-se uma "palavra sagrada" ou uma "palavra de amor" como símbolo de sua intenção e consentimento de estar na presença de Deus por um determinado tempo. Sentado numa posição confortável, costas eretas, de preferência num lugar onde se possa permanecer sem ser perturbado, o orante fecha os olhos, e, mentalmente, tenta guardar esta palavra no coração. A cada vez que se perceber sua atenção em outra coisa, simplesmente retorne à sua intenção original, por meio da palavra escolhida, de estar na presença de Deus.

(5) PEREGRINO RUSSO - Relatos de um Peregrino Russo é o título em português de uma obra fundamental da mística cristã. O autor é um russo anônimo do século XIX, que relata sua jornada geográfica e espiritual pelo interior da Rússia, enquanto descobre e pratica a Oração de Jesus. Como auxílio à concentração, ele se vale de um rosário cristão oriental (komboskini) e da leitura da Filocalia*. A obra conta a história de um homem que queria aprender a rezar. Ele ouviu certa vez na Bíblia que deveríamos "orar sem cessar". Ele procurou muitos mestres, e nenhum o satisfez, até que encontrou um monge (um starets) que lhe ensinou a ORAÇÃO DE JESUS, a repetição do nome de JESUS… O homem então começou a repetir o nome de JESUS até que a oração tomou conta de sua mente e de seu coração. Ao longo do século XX e início do século XXI, autores da Filosofia Perene, entre eles Frithjof Schuon, William Stoddart e Rama Coomaraswamy, recomendaram fortemente "O Peregrino Russo" como um dos grandes clássicos da espiritualidade universal, expondo a convergência de fundo da oração do peregrino com métodos espirituais análogos em outras tradições, como o mantra indiano e o dhikr** sufi.

* Um livro clássico da literatura católica ortodoxa. Nele encontramos conselhos sobre o hesicasmo, como alcançar os três estados espirituais, katharsis (purificação), theoria (iluminação) e theosis (glorificação). Filocalia significa "amor à beleza", ou "amor ao bem".

** Dhikr (ou zikr 'memória, pronunciamento ou invocação de Deus'), é um ato de devoção islâmica caracterizado pela repetição dos nomes de Deus bem como súplicas ou fórmulas tomadas dos textos da aḥādīṯ e de versos do Corão. O dhikr costuma ser feito de forma individual, mas em algumas ordens sufis institui-se como uma atividade cerimonial. Ao mesmo tempo, o dhikr abrange um significado mais amplo nas fontes islâmicas, inclusive quando diz que Deus é o que realiza o dhikr.

(6) STARETZ - Um starets é um ancião de um mosteiro ortodoxo russo que funciona como conselheiro e professor venerado. Os anciãos ou os pais espirituais são líderes espirituais carismáticos cuja sabedoria deriva de Deus como obtida da experiência ascética.

(7)  DOXOLOGIA – Louvor, glorificação.

sexta-feira, 8 de abril de 2022

A ORAÇÃO É O CORAÇÃO DA VIDA


... Algo que nos ajudará a meditar de maneira mais leal é crescer no conhecimento da razão pela qual devemos meditar. Acredito que todo mundo vivente tem um certo grau de percepção relacionado à totalidade e ser feliz. A maioria de nós começa com a ideia de totalidade pensando em adquirir coisas que nos fazem felizes – pode ser conhecimento ou sucesso, até mesmo conhecimento espiritual ou sucesso espiritual. É muito difícil para nós sairmos da ideia na sociedade em que vivemos, da plenitude materialista e da satisfação de adquirir. Esta é a maneira que pensamos que nos dará felicidade. Mas a experiência repetidamente prova o contrário: que a essência da totalidade surge da descoberta da harmonia, concordância ou ressonância dentro de nós mesmos que se irradia para fora para abraçar e incluir os outros e realmente se tornar uma harmonia para todo o universo. Mas para descobrir essa harmonia com tudo o que foi criado, você deve tecer o caminho para a harmonia que existe em seu coração. Você deve primeiro descobrir essa harmonia em si mesmo, e esta é a razão pela qual você deve meditar.

Todos sabemos que basta um pouco de experiência para descobrir que o sucesso, as posses, a riqueza, o respeito, embora bons ou práticos, são muito limitados. Eles podem até nos restringir à meditação em comparação com a plenitude que surge quando descobrimos que estamos em ressonância com o universo, com o próprio Deus. Ao revelar essa ressonância, a meditação é exigente. Não tenha o equívoco de que a simplicidade é fácil ou com ilusões de liberação instantânea. Não há atalhos porque não há misticismo instantâneo.

A oração é o coração da vida, a vida é o crescimento e o crescimento é um processo de mudança. Cada um de nós deve, com lealdade e disciplina, criar o caminho da conversão. Não que seja um caminho sem alegria, deleite ou admiração. Mas você descobrirá que para realizá-lo você deve ser disciplinado; você deve ser leal a ele para aceitar suas dádivas.

O problema conosco, como ocidentais, é aceitar o caminho da simplicidade. Não há maior simplicidade do que aceitar o presente. Para alcançar essa simplicidade de ser, que é a condição da plenitude, devemos nos descomplicar. Devemos começar onde somos mais complexos - com nossa mente consciente e com nosso pensamento. A meditação é um estado de ser onde você não está pensando em nada. Você não está imaginando. Você não está tendo conversas imaginárias ou revendo experiências do seu passado, presente ou futuro. Você está em perfeito estado de paz, em perfeita quietude de mente e imaginação.

O caminho da quietude é o caminho que transcende o pensamento e a imaginação. Em primeiro lugar, você deve querer encontrar o caminho desses processos. Caso contrário, a meditação pareceria ininteligível ou ameaçadora. Em segundo lugar, você deve querer urgentemente encontrar uma maneira de começar a seguir um compromisso. Terceiro, quando o Espírito que o guia assim determinar, você encontrará o caminho ...



Fr. John Main, OSB




Fonte: do livro "O Coração da Criação", Canterbury Press, 2007
Traduzido para o espanhol por Lucía Gayón, e para o português por este blog.
PERMANECER EN SU AMOR - Coordenadora: Lucía Gayón - Ixtapa, México
www.permanecerensuamor.com - permanecerensuamor@gmail.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

REGRESSA SEMPRE AO CAMINHO PARA A LIBERDADE


Quando pareces perder repentinamente tudo o que pensavas ter conquistado não desesperes. A tua cura não é linear. Deves contar com reveses e retrocessos. Não digas a ti mesmo: “está tudo perdido. Tenho que recomeçar do princípio”. Não é verdade. Não se perde o que já se conquistou.

Há por vezes pequenas coisas que se avolumam e te fazem sentir perdido por momentos. A fadiga, um comentário aparentemente frio, a incapacidade de alguém para te escutar, um esquecimento inocente, que se assemelha a desprezo – quando tudo acontece ao mesmo tempo podes sentir que voltaste ao princípio. Mas tenta pensar nesses acontecimentos como num desvio temporário da tua caminhada. Quando regressares ao caminho regressarás ao ponto onde o abandonaste, não ao princípio.

É importante não te demorares nos pequenos momentos em que não progrides. Tenta regressar a casa  imediatamente, a esse ponto sólido dentro de ti. Caso contrário esses momentos começam a ligar-se a momentos semelhantes e juntos tornam-se suficientemente poderosos para te afastarem para muito longe do teu caminho.

Tenta manter-te atento a distrações aparentemente inócuas. É mais fácil regressar ao caminho quando se está à beira da estrada do que quando se é arrastado para um pântano vizinho.

Em tudo continua a confiar em que Deus está contigo, em que Deus te deu companheiros de caminhada.

Regressa uma e outra vez ao caminho para a liberdade.



Henri Nouwen



Fonte: do livro "A Voz Íntima do Amor", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

segunda-feira, 4 de abril de 2022

DEIXA-TE SER INTEIRAMENTE RECEBIDO


Dar-te aos outros sem esperar nada em troca só é possível quando fores inteiramente recebido.

Sempre que descobres esperar alguma coisa em troca do que deste ou ficas desiludido quando nada obténs em troca, é um alerta a que compreendas que tu próprio ainda não te sentes inteiramente recebido.

Só quando te reconheces incondicionalmente amado – ou seja, inteiramente recebido por Deus – serás capaz de dar de graça.

Dar sem pedir nada em troca é confiar em que as tuas necessidades serão satisfeitas por aquele que te ama incondicionalmente.

É confortável saber que não precisas de proteger a tua própria segurança, mas que te podes entregar completamente ao serviço do próximo.

A fé consiste precisamente em confiar que aquele que dá de graça receberá de graça, mas não necessariamente da pessoa a quem deu.

O perigo está em te esgotares no serviço ao próximo, na esperança de que eles te recebam inteiramente.

Em breve sentirás que os outros levam consigo partes de ti mesmo.

Não te podes dar aos outros se não pertences a ti mesmo, e só podes possuir-te verdadeiramente quando fores inteiramente recebido num amor incondicional.

Muito do ato de dar e receber possui uma qualidade violenta, porque os que dão e recebem agem mais por necessidade do que por confiança.

O que aparenta ser generosidade é realmente manipulação e o que parece amor é realmente um pedido aflitivo de afeto e amparo.

Quando te reconheces como inteiramente amado, serás capaz de dar de acordo com a capacidade alheia de receber, e serás capaz de receber de acordo com a capacidade alheia de dar.

Sentir-te-ás grato pelo que te foi dado sem te apegares a isso, e alegre com o que podes dar sem te gabares por isso.

Serás uma pessoa livre, livre para amar.



Henri Nouwen



Fonte: do livro “Voz Íntima do Amor”, Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

domingo, 3 de abril de 2022

A GUERRA INTERIOR


(...)
Acabar com a guerra interior significa fazer chegar ao fim o conflito entre todas as suas personalidades. Você pode aliviar o eu-sombra da carga de energias do passado, criando assim uma condição para a paz interior, visto que é o medo de ser ferido que faz com que suas vozes interiores não tenham confiança umas nas outras. Mas você não pode começar a resolver essas tensões interiores enquanto não conhecer os componentes das suas personalidades interiores.

As personalidades são sempre formadas pela mesma coisa — uma energia antiga apegada a uma memória. Digamos, por exemplo, que você se lembra de ter sido punido quando criança por algo que você não fez. A energia do ressentimento ou da injustiça se apegará a essa lembrança, e você começará a criar um fragmento de personalidade — uma criança ressentida — que viverá de acordo com sua visão estreita das coisas até que essa energia seja liberada.

A criança interior ressentida é apenas uma memória que quer descarregar sua energia retida, e enquanto essa descarga não acontecer, essa energia ficará retida. Como você tem recordações que encerram tanto associações felizes quanto associações dolorosas, as personalidades interiores se manifestam de maneiras agradáveis e desagradáveis. É agradável recordar ter sido elogiado por um bom trabalho; é desagradável lembrar ter sido criticado. Mas essas memórias opostas não se neutralizam; elas retêm sua integridade e conflito com seus opostos.

Faz parte da natureza dos julgamentos dizer "Estou certo", mesmo que a experiência seguinte seja totalmente contraditória. A crítica ou a punição injusta seguirá com você, repetindo várias vezes as antigas cenas, enquanto no compartimento seguinte outra energia, a de ser tratado com justiça e bem recompensado estará expressando seu ponto de vista.

(...)
Todas as subpersonalidades desejam a mesma coisa: expressar-se através de você. O bebé que chora, a criança solitária, o adolescente frustrado, o amante esperançoso, o funcionário ambicioso, todos querem ter uma vida através de você. E eles o conseguem, até certo ponto. Nenhuma personalidade individual jamais se realiza completamente; por conseguinte todas precisam gritar para obter seu momento ao sol — ou à sombra. É o conflito resultante que torna a vida humana tão ambígua, tão cheia de luz e sombra ao mesmo tempo.

O mago, porém, vive somente na luz. A semelhança de um bebé, o mago não se agarra à energia. Tendo abandonado todos os apegos da memória que alimentam nossa guerra interior, o mago transcendeu a personalidade e vive na consciência pura.

A maneira de nos deslocarmos do estado mortal para o estado do mago pode parecer misteriosa, mas é, na verdade, totalmente natural. Tudo que é necessário é o equilíbrio, o qual o fluxo da vida é perfeitamente capaz de preservar.

Existem muitas maneiras de liberar antigas energias. Uma das mais poderosas é simplesmente reconhecer que elas estão presentes. Em vez de negar que você sente vergonha ou culpa, por exemplo, olhe para si mesmo e diga simplesmente: "É assim que eu me sinto". Com frequência esse momento de autoconsciência é suficiente, porque, em última análise, todas as energias retidas são capturadas e mantidas presas do lado de dentro através da negação. Supere a negação, e metade da batalha estará vencida. O reconhecimento é uma forma de autoaceitação. Você não precisa dizer: "É aceitável sentir vergonha e culpa", porque na verdade essas são energias das quais você quer se descartar, e não perpetuar. Mas certamente é aceitável dizer: "Tenho esses sentimentos. Eles são reais."
(...)



Dr. Deepak Chopra




Fonte: do livro "O Caminho do Mago", Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1999
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

AUTODESOBSESSÃO - SOMBRA


Se você já pode dominar a intemperança mental...

Se esquece os próprios constrangimentos, a fim de cultivar o prazer de servir...

Se sabe escutar o comentário infeliz, sem passá-lo adiante...

Se vence a indisposição contra o estudo e continua, tanto quanto possível em contato com a leitura construtiva...

Se olvida mágoas sinceramente, mantendo um espírito compreensivo e cordial, à frente dos ofensores...

Se você se aceita como é, com as dificuldades e conflitos que tem, trabalhando alegremente com tudo aquilo que não pode modificar...

Se persevera na execução dos seus propósitos enobrecedores, apesar de tudo o que se faça ou fale contra você...

Se compreende que os outros têm o direito de experimentar o tipo de felicidade a que se inclinem, como nos acontece...

Se crê e pratica o princípio de que somente auxiliando o próximo, é que seremos auxiliados...

Se é capaz de sofrer e lutar na seara do bem, sem trazer o coração amargoso e intolerante...

Então, você estará dando passos largos para libertar-se da sombra, entrando, em definitivo, no trabalho da autodesobsessão.



Francisco Cândido Xavier / André Luiz



Fonte: do livro "Meditações Diárias"
IDE Editora - Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP, 1ª edição, 2009
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

A VERDADE NUA (E CRUA)


“A Verdade saindo do poço armada do seu chicote para castigar a humanidade”, pintura de 1896, Jean-Leon Gérôme


“A Verdade saindo do poço armada do seu chicote para castigar a humanidade” é um quadro realizado pelo escultor e pintor francês Jean-Léon Gérôme em 1896. A pintura pertence às coleções do museu Anne-de-Beaujeu, em Moulins, na França , e está ligada a uma parábola do século XIX, que diz:



A Verdade e a Mentira se encontram um dia.

A Mentira diz à Verdade: Hoje é um dia maravilhoso!

A Verdade olha para os céus e suspira, pois o dia era realmente lindo.

Elas passaram muito tempo juntas, chegando finalmente ao lado de um poço.

A Mentira diz à Verdade: A água está muito boa, vamos tomar um banho juntas!

A Verdade, mais uma vez desconfiada, testa a água e descobre que realmente está muito gostosa.

Elas se despiram e começaram a tomar banho.

De repente, a Mentira sai da água, veste as roupas da Verdade e foge.

A Verdade, furiosa, sai do poço e corre para encontrar a Mentira e pegar suas roupas de volta.

O mundo, vendo a Verdade nua, desvia o olhar, com desprezo e raiva.

A pobre Verdade volta ao poço e desaparece para sempre, escondendo nele sua vergonha.

Desde então, a Mentira viaja ao redor do mundo, vestida como a Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade, porque, em todo caso, o Mundo não nutre nenhum desejo de encontrar a Verdade nua.



Existe um outro final dessa parábola que diz:



A verdade, por sua vez, recusou-se a vestir-se com as vestes da mentira.

E por não ter do que se envergonhar, saiu nua a caminhar pelas ruas e vilas.

E desde então, é por isso que, aos olhos de muita gente, é mais fácil aceitar a mentira vestida de verdade, do que a verdade... nua e crua.




Gravura: “A Verdade saindo do poço”, de Jean-Léon Gérôme, 1896.
Via: Publicado originalmente em oversoso.com.br
https://overdoso.com.br/2019/04/16/a-verdade-e-a-mentira/



sábado, 2 de abril de 2022

COMPROMISSOS ASSUMIDOS ANTES DE REENCARNAR


Certas almas, que atingiram um determinado grau de evolução, no momento de encarnarem na Terra assinam um contrato: comprometem-se, perante as entidades celestes, a cumprir uma missão e prometem desenvolver faculdades e virtudes que já possuem, a fim de ajudarem e esclarecerem os humanos. Qualquer que seja a forma que essa promessa assuma, ela pode ser resumida assim: pôr as suas qualidades, as suas possibilidades espirituais e materiais, ao serviço dos outros.

Contudo, como a encarnação de uma alma é um processo de descida à matéria no qual ela esquece o que viveu no alto, ao chegar à Terra ela já não tem consciência do compromisso que assumiu. Mas, depois, à medida que o tempo vai passando, sente-se trespassada por sensações, impressões, pensamentos e aspirações de uma natureza particular, inicialmente de maneira fugidia, depois de forma cada vez mais precisa. Isso manifesta-se por uma tendência para praticar determinada atividade, para exercer determinada profissão. É aquilo a que chamamos vocação. Assim, certas pessoas sentem que devem responder a um tipo de apelo e é-lhes impossível não o fazer, de uma forma ou de outra: elas têm a certeza de que, da sua orientação, vai depender não só o seu crescimento pessoal, o sentido da sua vida, mas também o destino de muitos outros seres humanos.

Aqueles que sentem que têm uma missão a cumprir não devem hesitar: uma vez que se comprometeram com as entidades celestes a semear aqui em baixo, a deixar registos para que outros se beneficiem da sua passagem pela Terra, devem cumprir o seu compromisso. Esses seres podem evidenciar-se em diferentes domínios: filosofia, literatura, ciências, espiritualidade, arte, política; mas, em cada caso, eles têm uma missão a desempenhar junto dos seus irmãos humanos. Mesmo que não tenham uma consciência explícita de que estão a desempenhar uma missão que aceitaram previamente, o Céu faz com que eles se sintam aí no seu elemento, quaisquer que sejam as dificuldades que encontrem pelo caminho.

É claro que existe sempre a possibilidade de eles se afastarem da sua via e cederem a certas tentações, ao ponto de já nada existir neles que possa lembrar-lhes as promessas que fizeram. Já houve grandes espíritos, Iniciados, que esqueceram a sua missão e se perderam numa outra via. É uma das dificuldades da vida espiritual: conseguir lembrar-se, ainda que de forma confusa, da promessa feita e pôr tudo em ação para a cumprir, sabendo desmascarar as pessoas e as situações que podem representar perigos, pois no caminho dos seres mais evoluídos são colocadas ciladas de todo o tipo.

É esse o significado do episódio que, nos Evangelhos, relata como o diabo veio tentar Jesus, apresentando-lhe todas as vantagens e satisfações da Terra. Evidentemente, esta passagem é simbólica.

Como se poderia acreditar que tais tentações foram vencidas no decurso de uma pequena conversa com o diabo? Essa conversa representa os incontáveis combates que, mesmo um Iniciado, um grande Mestre, deve travar contra todas as entidades tenebrosas que se instalaram nele, no seu corpo físico e nos seus corpos astral e mental, a fim de as expulsar. Só assim ele poderá desempenhar verdadeiramente a sua missão.

Vós direis: «Mas, então, as almas que descem à Terra não têm todas uma missão a cumprir? Algumas vêm encarnar-se sem um destino particular?» É preciso compreender: todos os seres humanos são filhos de Deus e isso impõe-lhes obrigações. Mas as almas não atingiram todas o mesmo grau de evolução, muitas são ainda fracas, inexperientes; elas descem para se instruir, para se aperfeiçoar; de momento, é esse o seu único verdadeiro dever e não se lhes pode confiar grandes responsabilidades. Assinar um compromisso com o Céu pressupõe que se compreende aquilo que se terá de enfrentar e que se é livre de executar essa tarefa. Ora, a maior parte das almas não tem essa liberdade e, quando chega o momento de elas descerem à Terra, não são consultadas acerca da família, da sociedade ou do país onde gostariam de se encarnar; o destino coloca-as onde merecem estar, segundo a lei da justiça.

Podereis pensar que esta forma de tratar essas almas é cruel e que Deus, que as criou, deveria ser mais generoso. A Justiça divina responder-vos-á que as colocou onde elas devem estar e que, se elas tiverem aprendido o que devem aprender, numa próxima encarnação serão tratadas de uma forma diferente.

Quando os filhos são ainda crianças, os pais consultam-nos sobre o que têm de fazer por eles? Não, eles alimentam-nos, lavam-nos, vestem-nos, enviam-nos à escola ou levam-nos de férias sem lhes perguntarem a sua opinião. Eles esperam que os filhos cresçam para os questionarem e terem em conta o que eles pensam ou desejam.

As almas muito evoluídas têm uma certa liberdade, que adquiriram pelo trabalho que fizeram ao longo de encarnações sucessivas. Uma alma pode, pois, aceitar ou recusar a missão que lhe é proposta.

É-lhe perguntado, por exemplo: «Para ires auxiliar tal ou tal povo, aceitas encarnar-te naquele país, onde deverás viver em condições difíceis e onde te esperam grandes sofrimentos?» E mostram-lhes essas condições, que são, muitas vezes, a pobreza, a fome, a ausência de liberdade, a violência, pois essa alma deverá partilhar as condições de vida de todos os outros. Mesmo que aquele que aceita esse compromisso seja um príncipe, uma princesa, não lhe estará reservado um status privilegiado.



Omraam Mikhaël Aïvanhov




Fonte do texto e gravura: do livro "Nas Fontes Inalteráveis da Alegria", parte do cap. VII, O Compromisso Assumido para com as Entidades Celestiais
Publicações Maitreya - Porto, Portugal
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sexta-feira, 1 de abril de 2022

ANSIEDADE - DESAFIOS E EVOLUÇÃO


"(...) a ansiedade precede sempre a ação de cair (...)" 1

Ao ingressar o Princípio Inteligente no reino animal, está ele altamente enriquecido e apresenta registros das experiências vividas arquivadas nas formas do instinto que se refletem nas atitudes sem raciocínio uma vez que não sofreram ainda nenhum burilamento sob os eflúvios do raciocínio, do amor integral, características estas dos estágios mais avançados do ser.

Esse Princípio Inteligente, ao alcançar o reino hominal, mostrará estados emocionais angustiantes, vazio ainda de objetivos racionais, conscientes, planejamento, comparações, processos mentais mais elaborados que lhe permitiriam optar com maior aproximação da realidade.

Tal situação não trabalhada no decorrer das existências permanecem, somando-se a inúmeros outros conflitos não enfrentados e podem alcançar a zona consciente sob forma patológica.

"(...) as ansiedades armam muitos crimes e jamais edificam algo de útil na Terra (...)" 1

Desse modo, uma exteriorização que em pequeno grau representaria impulso evolutivo, passa a exteriorizar sintomas de receios, vendo em relação a tudo insucessos e dores, atemorizando-se, recuando diante da vida, sintomas esses que normalmente se prendem a causas psicológicas inconscientes, nas quais os impulsos se apresentam impetuosos, sem equilíbrio, desordenados.

Isso caracteriza o quanto o homem é carente de construções psicológicas sadias, constatação que leva a que se entenda porque o dinamismo espiritual reage de forma violenta, intranquilizando o ser.

"(...) Invariavelmente, o homem precipitado conta com todas as probabilidades contra si (...)" 1

No atual momento, a ansiedade se exterioriza carregada das mais variadas nuances, representada por um estado de tensão, aflições incontroláveis a se revelar como angústia, inquietude, insegurança, que levam o indivíduo a ter medo, manter-se apreensivo, como que aguardando irreversível infelicidade, reações essas que atingindo um ponto máximo, desembocam no pânico.

Os sintomas aparecem de maneira sutil, inexplicável. A insegurança vai se assenhoreando do mundo mental, em ângulo pessimista arrasador e que podem exteriorizar-se no corpo físico nas cefaleias, dificuldade para respirar, modificação da pressão arterial, suores, tremores, contrações musculares, enfim, sinais complexos, variáveis em cada indivíduo com tendência a fixar-se em algum órgão ou região do organismo.

Traduz-se ainda em agitação, dificuldade do sono, falta de ar, sensação de aperto e desconforto psicológico intenso, sentimento de culpa sem causa aparente, no qual o indivíduo questiona-se sem encontrar respostas. Apavorando-se, descrê de si, recua e sofre.

Tomar medicação de forma incontrolada e aleatória, é agir de modo irresponsável, sem lógica de profundidade. É necessário sim que, com o auxílio e acompanhamento especializado, se avalie o processo ansioso, os sintomas, as possíveis origens internas ou externas.

A medicação, se houver necessidade, só sob critério especializado, será útil, mas não será completa se o paciente não abrigar em si vontade de reencontrar-se, renovando hábitos a serem elaborados no Bem, nos valores maiores da Vida, nas certezas e confiança daquele que luta para superar-se. Empreender, portanto, realizações dentro de possibilidades pessoais nos fatores sócio-econômicos que lhe são possíveis, consciente, que na ação de distender limites, cada um convive com o programa que necessita e que a existência oferece a cada um a medida exata, para que na ação consciente se viva em paz.

"(...) se o homem nascesse para andar ansioso, seria dizer que veio ao mundo, não na categoria de trabalhador em tarefa santificante, mas por desesperado sem remissão (...)" 1

Pelo estudado, percebemos haver reações ansiosas de fundo espiritual e que ao despertar na zona consciente, constituem-se com características de difícil remoção, uma vez que refletem bagagem negativa a aguardar respostas, trabalhos construtivos a serem dinamizados pelo próprio ser, na reconstrução íntima.

Reações ansiosas superficiais, situações dessa atual existência, configurar-se-iam como de mais fácil remoção, uma vez que seriam as respostas emocionais diante dos fatos cotidianos causados pela sobrecarga dos conflitos econômicos ou sócio-familiares.

Desperto, surgida a situação sendo ela trabalhada, não é absorvida pelo psiquismo de profundidade, não se implantando na alma sinais negativos devido a reação da estruturação dos novos valores. Por não haver esse despertamento para trabalhar cada situação, de posicionar conscientemente diante dos desafios do existir, o processo ansioso passa a fazer parte da estrutura dinâmica do Espírito como condição inerente, em tonalidades mais ou menos agravadas.

"(...) Opondo-se as inquietações angustiosas, falam as lições de paciência da Natureza, em todos os setores do caminho humano (...)" 1

Ressalte-se que, ansiedade em pequeno grau, configurando-se como anseio, desejo, aspiração, planejamentos em sonhos e metas a alcançar, é necessária ao impulso das realizações. Responde por fator construtivo com reflexos dinâmicos no desempenho individual.

Há, portanto, que se estar atento, consciente para identificar de que modo se apresenta, de onde provém, porque se está ansioso: a origem é de estruturas espirituais inconscientes, isto é, não identifico causa real imediata próxima ou passada ou é fruto dos fatores de superfície, fruto dos atritos normais do dia-a-dia.

Estar atento às variantes de uma profunda tristeza, tédio, inibição ao entusiasmo, exaltação repentina à alegria, variações, alternâncias bruscas inconstância na forma de sentir e ser, lembrando que agora, na faixa hominal em que vige plenamente a responsabilidade, cada qual passa a ser o artífice, o construtor do próprio destino, libertando-se ou não. Os desafios existem para isso, com essa função.



Leda Marques Bighetti




Bibliografia:
1. XAVIER, Francisco C. – pelo Espírito Emmanuel – Pão Nosso – FEB – Rio de Janeiro – RJ – 6ª ed. 1979 – lição 8 – p. 27-28.

Subsídios: 
ANDRÉA, Jorge – Dinâmica PSI – F.V. Lorenz Editora Petrópolis – RJ – 2ª ed. 1990 – p. 112.



Fonte: http://br.geocities.com/luz_espirita/Ansiedade.doc
Via: http://www.espiritualidades.com.br/Artigos
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/vectors/transtorno-ansiedade-esgotamento-4073570/

quinta-feira, 31 de março de 2022

O PASSADO COMO CAMINHO A UMA NOVA VIDA


«Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.» (Romanos 8, 28)

Os anos que te antecedem, recheados de conflitos e sofrimento, serão a seu tempo, recordados como o caminho que te conduziu à tua nova vida. Mas enquanto essa nova vida não te pertencer completamente, as tuas recordações continuarão a fazer-te sofrer. Quando revives acontecimentos dolorosos do passado, podes sentir-te vítima deles. Mas existe uma maneira de contares a tua história sem sentir dor e nessa altura também te sentirás menos pressionado a contá-la. Aperceber-te-ás que o teu lugar deixou de ser lá: o passado já era, o sofrimento deixou-te, já não precisas de regressar para o aliviar, já não dependes do teu passado para te identificares.

Há duas maneiras de contar a tua história. Uma consiste em contá-la de forma compulsiva e premente, regressando continuamente a ela por que encaras o teu presente sofrimento como consequência das tuas experiências passadas. Mas existe outra maneira. Podes contar a tua história de um ponto onde ela já não te domina. Podes falar dela com algum distanciamento e encará-la como caminho para a liberdade de que atualmente gozas. Verás, então, que desapareceu a compulsão de contar a tua história.

De uma perspectiva de vida em que agora te encontras e com o distanciamento que agora possuis, o teu passado já não te obscurece. Perdeu o peso e pode ser recordado como o modo que Deus encontrou para te ajudar a ter compaixão pelo próximo e a compreendê-lo.


Henri Nouwen



Fonte: do livro "A Voz Íntima do Amor", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/pforphoto-lugares-perdidos-7085750/

CONSTRÓI A FELICIDADE ONDE TE ENCONTRAS


A busca da felicidade tem sido a aspiração maior do ser humano desde os primórdios do seu desenvolvimento intelecto-moral.

Não conseguindo ainda discernir, buscava superar as sensações dolorosas e desagradáveis, recolhendo-se na furna* ou na floresta onde pudesse viver sem assaltos.

À medida que as sensações se tornavam mais delicadas, passou a buscar aquelas que melhor prazer proporcionavam, iniciando-se o desenvolvimento ético do pensamento.

Desde aquele de natureza primitiva ao racional, e desse ao cósmico, surgiram necessidades éticas e emocionais que deveriam ser trabalhadas, a fim de que predominassem aquelas que plenificam os sentimentos.

Foi o período em que o pensamento mitológico deu lugar à percepção mental dos valores que proporcionam renovação interior.

Surgiram as escolas da lógica e da razão, bem como as diretrizes para alcançar-se determinadas experiências agradáveis e compensadoras, tais como Licurgo, que estabelecia ser a felicidade como resultado do poder e do ter. Logo depois, em contraposição, apareceu Diógenes de Sinope, com a proposta cínica, tentando demonstrar que a posse é impedimento à felicidade pelo medo que se tem de a perder. Quase que concomitantemente surgiu o estoicismo de Zenão de Citio, renascendo com vigor as ideias de Sócrates, mediante a visão de si mesmo, o olhar para dentro, o autoconhecimento...

A partir de então, multiplicaram-se as escolas de pensamento, e nos tempos atuais, graças às ideias perturbadoras que ganharam a sociedade, com as suas demandas políticas, religiosas e ateístas, o pensamento desvairou e a felicidade recebeu chacota dos cínicos e nadaístas**.

No século passado, o poeta brasileiro Vicente de Carvalho, entre outros conceitos sobre o tema informou: A felicidade é como um pomo, que nunca o pomos onde nós estamos, e nunca estamos onde nós o pomos.

O Espiritismo, confirmando a excelência do pensamento de Jesus, esclarece que a felicidade consiste em fazer o próximo feliz, isto é, amar a todos com o mesmo vigor com que se ama a si mesmo.

Esse desafio constitui a nobre conquista da plenitude, que se é feliz pelo que a todos se proporciona em bem-estar e alegria de viver.

Quando a criatura humana dê-se conta de que o próximo é o caminho que a leva à paz, em razão das bênçãos que se lhe podem proporcionar, o equilíbrio emocional estabelecerá na Terra o primado do amor, portanto, da felicidade.

Se desejas realmente ser feliz, utiliza-te deste momento de desconforto geral e evita a crítica, passando à ação do bem, e verás surgir uma nova primavera rica de bênçãos.

Sê, pois, tu, aquele que constrói a felicidade onde te encontras, facultando-a a todos. Assim, a felicidade de outrem será tua também.


Divaldo Pereira Franco



Notas deste blog:

* Cova, gruta.

** Movimento literário colombiano com grande conteúdo de protesto social. Seu nome já indica a origem e o fim do grupo: o nada. É a expressão de uma geração atormentada pela miséria e pela alienação e cujos membros, com generosidade e entusiasmo, propuseram uma estética que deveria ser destrutiva e criativa ao mesmo tempo. Esse grupo não tinha um objetivo específico de mudar a sociedade, pois partiu do fato de que o sistema e a ordem não podem ser destruídos, portanto, o movimento e a ação de mudança era o próprio fim. O grupo baseou sua estratégia de luta na provocação da burguesia ao profanar instituições e crenças culturais, religiosas, ancestrais e contemporâneas; tudo o que é claramente seguido pela tradição. (Wikpédia)



Fonte: Artigo publicado no jornal A Tarde, coluna Opinião, em 24.3.2022
Via: http://www.divaldofranco.com.br/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/bola-praia-feliz-oceano-rosa-1845546/

quarta-feira, 30 de março de 2022

A TENTAÇÃO DE IMPRESSIONARMOS


Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida?

É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espetaculares – tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos – tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, apreciado, amado e aceito, tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?

Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço. Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo. A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.

Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.» De fato, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita. Trata-se, de fato, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de fato, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de me o demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»

O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.

A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestrita de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidade compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.

Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros. Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espetaculares. Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da Presença de Deus nas nossas vidas.



Henri Nouwen




Fonte: do livro "O Esvaziamento de Cristo", Ed. Paulinas
Via: https://combonianum.org/liturgia-liturgy/quaresima-lent/40-dias-com-henri-nouwen/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O OUTRO LADO DA VIDA


Se for verdade, como afirma Kant, que o bem estar da humanidade depende da metafísica, é evidente que a questão da imortalidade tem para nós uma importância primordial.

... Lucrécio compara o nascimento do homem a um naufrágio; as ondas nos lançam nus e abandonados em praias desconhecidas. ("Ut saevis projectus ab undis navita nudus humi jacet")

Por que razão e com que fim, emergidos do oceano das idades, fomos deixados nas ribas terrestres? Não o sabemos; e tudo quanto precede esse naufrágio nos é de tal forma desconhecido que consideramos o nascimento como o começo de nossa existência.

Chegamos à Terra com uma consciência vazia, e os conhecimentos que essa inconsciência adquire, no decorrer da vida, só dizem respeito aos objetos com que entramos em relação. Mal sabemos se nos assiste o direito de fazer perguntas sobre o que aconteceu antes do nascimento e sobre o que haverá depois da morte; só temos noções do curto período que vai do berço ao túmulo.

O homem dá-se como o rei da criação, mas o seu reino só compreende um dos astros mais insignificantes do firmamento. Orgulhamo-nos da nossa consciência pessoal, que nos torna superiores aos animais; mas sobre os animais, que não compreendem que são mortais, apenas temos a vantagem duvidosa de poder encarar a morte com segurança; e, embora tenhamos a noção da imortalidade, não estamos perfeitamente certos disso.


Barão Carl Du Prel



Fonte do texto e gravura: do livro "O Outro Lado da Vida"

segunda-feira, 28 de março de 2022

EVITA TODAS AS FORMAS DE AUTOCENSURA


Deves evitar não só culpar os outros mas também a ti mesmo. Tens tendência a recriminar-te pelas dificuldades que sentes nos relacionamentos que inicias. Mas a auto-recriminação não é uma forma de humildade. É uma forma de autocensura, na qual ignoras ou negas a tua própria virtude e beleza. Quando uma amizade não floresce, quando uma palavra não é acolhida, quando um gesto de amor não é apreciado, não te censures a ti mesmo, porque isso é falso e doloroso. Sempre que te rejeitas idealizas os outros. Queres estar com os que consideras melhores, mais fortes, mais inteligentes e mais dotados do que tu. Assim, tornas-te emocionalmente dependente, levando os outros a sentirem-se incapazes de satisfazerem as tuas expectativas e a afastarem-se de ti. O que faz com que te censures ainda mais e entres numa espiral perigosa de auto-rejeição e carência. Evita todas as formas de autocensura. Reconhece as tuas limitações, mas assume as tuas virtudes únicas e começa a viver como um igual entre iguais. Assim libertar-te-ás das tuas necessidades obsessivas e possessivas e darás a ti próprio a oportunidade de dar e receber afeto e amizade verdadeiros.



Henri Nouwen



Fonte: do livro "A Voz Íntima do Amor", Ed. Paulinas
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

O QUE BUSCAMOS? QUAIS OS MEIOS QUE USAMOS NA NOSSA BUSCA?


Os humanos têm uma tendência deplorável para confundir os fins com os meios.

Eles sabem que há sempre um objetivo a atingir e meios para o conseguir, mas não viram que estão usando as suas faculdades mais elevadas como meios para atingirem o objetivo mais terra a terra.

Para satisfazerem os seus apetites mais baixos, sacrificarão o que em si existe de melhor: a inteligência, a integridade, a pureza.

Querem até que o Senhor venha ajudá-los nas suas tramas e nas suas loucuras.

E pensais que eles se aperceberam desta situação?

De modo algum!

Eles nunca tiveram tempo para se questionar: «Que procuramos nós?... E que meios usamos para o obter?»

Não, é preciso que um Mestre lhes diga: «Escuta! Qual é o teu objetivo?»



Omraam Mikhaël Aïvanhov



Fonte: www.prosveta.com
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

sábado, 26 de março de 2022

DE UMA VIDA ABSURDA A UMA VIDA OBEDIENTE


Muitas vezes tornamo-nos surdos, incapazes de saber quando Deus nos chama, incapazes de entender em que direção nos chama.

Desta forma nossas vidas se tornam um absurdo (ab-surdus).

Na palavra absurdo encontramos a palavra latina "surdus", que significa "surdo".

A vida espiritual requer disciplina porque precisamos aprender a ouvir a Deus que constantemente fala, mas a quem raramente ouvimos.

Porém, quando aprendemos a ouvir, nossas vidas se tornam vidas obedientes (ob-audire).

A palavra obediente vem da palavra latina "obaudire", que significa "ouvir".

É necessário ter uma disciplina espiritual se quisermos mudar lentamente de uma vida "absurda" para uma vida "obediente", de uma vida cheia de preocupações agitadas para uma vida em que há espaço livre no nosso interior para ouvir o nosso Deus e seguir a sua orientação.



Henri Nouwen



Fonte: do livro "Aqui e Agora", Ed. Paulinas
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

quinta-feira, 24 de março de 2022

DIMENSÃO ESPIRITUAL DA RESPIRAÇÃO


Está escrito no Gênesis que Deus formou o homem do pó da terra. Foi deste modo que se traduziu a palavra hebraica “aphar”*. Mas o verdadeiro sentido da palavra “aphar” é cinza. Traduzir por pó ou por cinza não é a mesma coisa. Se Deus formou o homem a partir da cinza, isso subentende que antes algo havia sido queimado e que, portanto, foi uma matéria queimada que serviu para formar o homem.

Depois, é dito: «Deus insuflou nas suas narinas um sopro de vida e o homem tornou-se um ser vivo.» A vida no homem começou, pois, por uma respiração, por um sopro, o sopro dado por Deus. Para todo o ser humano, a vida começa pela respiração, pela primeira inspiração. Quando uma criança nasce, o que ela deve começar por fazer para se tornar um habitante desta terra é uma inspiração; ela abre a boquinha, grita e todos rejubilam, pensando: «Pronto, está vivo!» É graças à primeira inspiração que os pulmões se enchem de ar, começam a funcionar e desencadeiam a vida. E anos e anos mais tarde, quando se diz que alguém deu o último suspiro, toda a gente compreende que essa pessoa morreu. A respiração é o começo e o fim. A vida começa por uma inspiração e termina com uma expiração.

A vida é o maior dos mistérios. Quantos pensadores e pesquisadores não têm trabalhado para o elucidar! A tradição esotérica relata o caso de mágicos que teriam conseguido fabricar nos seus laboratórios criaturas às quais davam vida e confiavam depois certos trabalhos. Que existe de verdade em todas estas histórias?... O que é garantido é que o mistério da vida sempre preocupou os espíritos.

Na realidade, todo o mistério da vida está contido na respiração. Mas a vida não está no ar em si mesmo, nem no fato de se respirar. Ela provém de um elemento superior ao ar e para o qual este é um alimento: o fogo**. Sim, a vida encontra-se no fogo, no calor, e o ar tem por função manter o fogo. A vida encontra-se no coração que a contém como um fogo, e os pulmões são como que o fole que aviva continuamente o fogo. A origem, a primeira causa da vida é, pois, o fogo e o ar, que é seu irmão, mantém-no e vivifica-o. Com a última expiração, o fogo extingue-se, o último suspiro extingue o fogo.

Vale, pois, a pena atentarmos no processo da respiração para refletirmos, para compreendermos que a base da nossa existência reside nele, e exercitarmo-nos a fim de que ele se efetue cada vez melhor. Na maior parte dos humanos este processo está entravado, diminuído ou envelhecido. Por isso eles devem aprender a trabalhar com o ar a fim de animarem, purificarem e intensificarem a vida neles.



Omraam Mikhaël Aïvanhov


Notas deste blog:
* Afar (aphar), cinza, é traduzido, no hebraico, também como pó e poeira.
**
Esse "fogo" é designado em várias tradições como vitalidade, essência vital, prana, energia vital etc.



Fonte: Opúsculo 303, 1ª parte, cap. 1, A Respiração - Dimensão Espiritual e Aplicações Práticas
Publicações Maitreya - Porto, Portugal
newsletter@publicacoesmaitreya.pt - www.prosveta.com
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/luz-laranja-brilhante-arte-cor-579290/