quinta-feira, 16 de julho de 2020

O DAR DE DEUS (DANA PRAJNA PARAMITA)


"Não-apego é dar; isto é: não apegar-se a nada é, por si só, dar."


Falando em sentido relativo, tudo quanto existe na natureza, tudo quanto existe no mundo humano, toda obra cultural criada é algo que nos foi e está sendo dado. Mas como originalmente tudo é um, na verdade nós também estamos dando tudo. Momento a momento estamos criando alguma coisa e essa é a alegria da nossa vida. Mas esse "eu" que está sempre criando e dando alguma coisa não é o pequeno "eu", e sim o grande "eu". Mesmo que você não perceba a unidade desse grande "eu" com todas as coisas, ao dar algo, você se sente bem, porque nesse momento você se sente um com aquilo que está dando. Eis por que a gente se sente melhor dando que recebendo.

[...] O mestre Dogen disse: "Dar é não-apego". Quer dizer, não apegar-se às coisas é, por si só, dar. Não importa o que é dado. Dar um vintém ou uma folha que seja, é "dana prajna paramita"*. Dar uma linha ou mesmo uma palavra do ensinamento é "dana prajna paramita". A oferenda de algo material ou de um ensinamento, se feita com espírito de desapego, tem o mesmo valor. Com o espírito correto, tudo o que fazemos, tudo o que criamos é "dana prajna paramita". [...]

De acordo com o cristianismo, todas as coisas existentes na natureza foram criadas e dadas a nós por Deus. Esta é a ideia perfeita do dar. Mas se você pensa que Deus criou o homem e que você, de algum modo, está separado de Deus, você até é capaz de pensar que pode criar algo independente, algo que não tenha sido dado por Ele. Por exemplo, nós criamos auto-estradas e aviões e de tanto repetir "eu crio, eu crio, eu crio", acabamos esquecendo quem é realmente o "eu" que cria coisas e logo nos esquecemos de Deus. Este é o perigo da cultura humana. Na verdade, criar com o "grande eu" é dar; não podemos criar nem possuir o que criamos, uma vez que tudo é criado por Deus. Lembre-se sempre disto. É porque esquecemos quem é que está criando, e qual a razão da criação, que nos apegamos aos objetos ou ao seu valor de troca. Isto é insignificante comparado ao valor absoluto de algo como a criação de Deus. Ainda que uma coisa não tenha nenhum valor material ou relativo para o "eu pequeno", ela tem, em si, valor absoluto. Não estar apegado a uma coisa é estar consciente do seu valor absoluto. Tudo o que você faz deve ser baseado nessa consciência, e não em conceitos de valor material ou egocentrados. Então, o que quer que você faça é o dar verdadeiro, é "dana prajna paramita".

[...] Se você compreender "dana prajna paramita", entenderá como é que criamos tantos problemas para nós mesmos. Claro, viver é criar problemas... Se estamos cônscios de que aquilo que fazemos ou criamos é realmente o dom do "grande eu", então não nos apegamos ao feito, e desse modo não criamos problemas nem para nós nem para os outros.

Além do mais, dia após dia devemos esquecer o que fizemos; este é o verdadeiro não-apego. E devemos fazer algo novo. Para fazermos algo novo, é óbvio que precisamos conhecer nosso passado, e isso está certo. Mas não devemos agarrar-nos àquilo que fizemos; devemos apenas levá-lo em consideração. É igualmente necessário ter alguma ideia do que devemos fazer no futuro. Mas futuro é futuro e passado é passado; aqui, agora, devemos trabalhar em algo novo. Essa é nossa atitude, e é assim que temos de viver neste mundo. Isto é "dana prajna paramita": dar alguma coisa ou criar alguma coisa por nós próprios. Portanto, fazer alguma coisa é assumir nossa verdadeira atividade
criadora. [...]


Shunryu Suzuki



* "Dana prajna paramita". Dana significa dar, prajna é sabedoria, e paramita quer dizer atravessar ou alcançar a outra margem. Nossa vida pode ser vista como a travessia de um rio. O objetivo do esforço da nossa vida é alcançar a outra margem, o nirvana. Prajna paramita, a verdadeira sabedoria da vida, é alcançar a outra margem a cada passo do caminho. Alcançar a outra margem com cada um dos passos da travessia é o caminho do verdadeiro viver. (Shunryu Suzuki)



Fonte: do livro "Mente Zen, Mente de Principiante", Ed. Palas Athena
Editado por Trudy Dixon - Tradução de Odete Lara
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/budista-ritual-%C3%A1gua-budismo-1807518/

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