sexta-feira, 14 de agosto de 2020

O TAO ESTÁ ACIMA E ALÉM DA COMPREENSÃO


O verso 1 do Tao-Te-Ching diz: "Aquilo que pode ser definido, não é o Tao".

O que isto significa?

Significa que o Tao está acima e além da compreensão humana comum. A linguagem não possui palavras nem símbolos que o definam. É mais ou menos como acontece com Deus. Podemos por acaso, responder a pergunta - O que é Deus? - Não obstante, há muitas respostas que tentamos e que fazem sentido para nós. Isto não significa entretanto que a resposta esteja correta. Dizer que Deus é uma certa entidade que criou o Universo, é muito vago. O que é uma - certa entidade -, o que é - Universo ?

No Antigo Testamento, está escrito: "Deus é Aquele que é".

É o que?

Talvez, quem sabe, não seja para saber mesmo... As eternas especulações só têm uma certeza: que nos levarão ao infinito, ou seja, a lugar algum. A mesma linha de pensamento se dá em relação ao micro e ao macro. Qual a menor partícula? Onde fica o fim do mundo? Cada vez que se encontra a menor partícula que existe, logo adiante encontra-se outra menor ainda. O mesmo se dá no macro: uma galáxia, depois outra mais longínqua... E isto não terminou. E parece que nunca vai terminar.

Com o Tao ocorre o mesmo. Não há como definir, porque sua definição, por mais elaborada que seja, será sempre incompleta e em consequência incorreta. Será que o que deixou de ser definido, não é fundamental para sua compreensão? Provavelmente é.


P. G. Romano


Fonte: "O Tao do Ocidente"
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/vectors/tao-yin-yang-mulheres-silhueta-2244303/

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

CONTEMPLATIVOS EM MEIO DAS MUDANÇAS


A mudança é um dos grandes fatores da vida. Se não somos capazes de ser contemplativos em meio das mudanças, se insistimos em ser contemplativos em alguma situação completamente estável que imaginamos construir no futuro, então nunca vamos ser contemplativos. Assim, que possamos nos mover de maneira tranquila, confiante e contente. Não tentemos estar demasiado dependentes de nosso próprio movimento e não peçamos que tudo seja seguro. Primeiro, vivamos em Cristo, totalmente abertos a seu Espírito, sem nos preocuparmos da segurança institucional, livres de toda preocupação por estruturas ideais que nunca serão construídas, e nos conformemos com a Noite Escura da fé, a única na qual realmente estamos seguros, porque somos verdadeiramente livres.


Thomas Merton, OSB, em "Acción y contemplación", 146)


Não podemos esperar alcançar condições ideais para adentrarmos na senda da interioridade e comunhão com Deus. São poucos os que vivem em um monastério e muitos os que se sentem chamados a uma experiência mais plena do Transcendente. Merton nos convida a crescer em meio a qualquer situação, por mais instável que possa ser.


Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/p%C3%B4r-do-sol-mulher-silhueta-1815992/

UNIDADE ESPIRITUAL ENTRE SAINT-MARTIN E WILLERMOZ


A relação entre Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz é um assunto fascinante pela extraordinária riqueza de ambos os personagens.

Saint-Martin instala-se com Willermoz na casa que a família Bertrand ocupava em Brotteaux, ao chegar a Lyon em setembro de 1773. Lá ele viverá durante sua estada em Lyon, no período em que as aulas de Lyon acontecerão aos Élus Cohen (1774-1776). Saint-Martin relatará as condições de sua acomodação nesta casa, enquanto trabalhava em seu primeiro livro, “Dos erros e da verdade”: “ Escrevi as primeiras trinta páginas e as mostrei ao círculo que instruía para o Sr. Willermoz, e eu me comprometi continuar...”. (Retrato, 165)

Você pode imaginar a atmosfera que deve ter reinado em Lyon naquela época...

Além das diferenças entre as duas personalidades (não se deve esquecer que Saint-Martin é mais jovem que Willermoz, e o respeito pelos idosos fazia muito sentido no século 18), um forte vínculo será estabelecido entre Saint-Martin e a irmã de Willermoz, Madame Povensal, a quem Saint-Martin designou com o nome de “mãezinha”, o que é indicativo de seu compromisso com ela. Também houve uma estreita relação entre Saint-Martin e Antoine Willermoz, irmão de Jean-Baptiste, com quem visitou a Itália em julho de 1774, desde Gênova a Turim, encontrando-se com os irmãos italianos treinados nas práticas martinezistas.

As diferenças entre Saint-Martin e Willermoz referiam-se à questão de como enquadrar a via interna, e não quanto à substância (a via interna) da questão. Ambos se afastaram da teurgia, afastando-se de seus métodos, por diferentes razões à primeira vista - Saint-Martin parece ter se beneficiado mais com a gratificação da “Coisa” durante as operações. Eles pensavam de forma relativamente semelhante e idêntica no plano teórico que contém uma verdade central que lhes parecia muito evidente após o desaparecimento de Martínez:

O segredo do verdadeiro culto, passado de geração em geração - culto que foi objeto dos trabalhos dos Cohen -, desenvolve-se na prática da identidade que existe hoje, após a vinda de Cristo, entre a "verdade" e "revelação" do espírito, para que aos iniciados no mistério autêntico, a ciência divina nada mais seja do que o conhecimento íntimo e interior de Deus, conhecimento que é, ao mesmo tempo e no mesmo ato, a teoria da verdadeira adoração e a prática de sua celebração.

Essa é a chave explicativa da inutilidade, em última instância, das práticas externas, porque quando se aproxima autenticamente do conhecimento íntimo de Deus no coração humano, esse conhecimento se revela ao mesmo tempo uma revelação da ciência secreta e da celebração da adoração divina, pois, depois de Cristo, é "em espírito e em verdade" que Deus deve ser adorado (Jo 4: 24); e esta indicação do reparador divino no evangelho deve ser levada muito a sério no plano iniciático e espiritual.

Quanto ao resto, com efeito, Willermoz se assemelhava mais ao arcabouço maçônico para garantir a estabilidade e preservação do conteúdo doutrinário com vistas a dar às almas desejosas um caminho seguro para a verdade, dada a condição do mundo e dos próprios homens.

Portanto, é real para Willermoz declarar que uma "estrutura" (enquadramento) é necessária na situação atual. Saint-Martin, pelo contrário, considera que este "enquadramento" (estrutura) é, na melhor das hipóteses, uma concessão à fraqueza humana e, na pior, inútil, restritiva e um impedimento à realização do "grande tema". Em uma carta de 1783, Saint-Martin expõe sinceramente a natureza de suas queixas a Willermoz, declarando-lhe com uma franqueza incomum que  a origem do erro é tentar “...centrar o espírito em códigos e escolas. Tal foi o defeito de nosso falecido Mestre  [Martínez de Pasqually], assim como o resto de nós, seus discípulos. Afasto-me totalmente dele e até hoje abjuro todas aquelas ordenanças em que o homem se evidencia e Deus é distanciado.” (Saint-Martin, carta a Willermoz de 10 de fevereiro de 1783)

Certamente é coerente considerar que nenhuma contradição essencial se encontra entre as duas abordagens de Willermoz e Saint-Martin, ambas baseadas de forma idêntica no "culto em espírito".

Basta considerar que todas as almas não são chamadas a escalar a montanha sagrada da mesma maneira e, provavelmente, à mesma velocidade... sem nunca esquecer que todas, pela graça, já estão no seio da Verdade.


Publicado pelo Diretório Nacional Retificado da França



Fonte do Texto e Imagem: Blog Masonería Cristiana
https://www.masoneriacristiana.net/2016/01/unidad-espiritual-entre-willermoz-y.html
Originalmente publicado pelo: Directorio Nacional Rectificado de Francia en su perfil de Facebook

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

ALÉM DO BARULHO DAS PALAVRAS


O escutar é uma arte que não se obtém facilmente, mas no escutar há beleza e grande compreensão. Escutamos com distintas intensidades de nosso ser, mas nosso escutar é sempre com uma ideia preconcebida ou desde um ponto de vista particular. Não escutamos simplesmente; interpõe-se sempre a visão de nossos próprios pensamentos, de nossas conclusões, de nossos preconceitos... Para escutar deve haver quietude interna, uma atenção relaxada; há que se estar livre do esforço de adquirir. Este estado de alerta e, não obstante, passivo, pode escutar o que está mais além da conclusão verbal. As palavras confundem; são somente meios exteriores de comunicação; mas para nos comunicarmos além do ruído das palavras, no escutar deve haver uma passividade alerta. Os que amam podem escutar; mas é extremamente raro encontrar alguém que escute. Quase todos vamos atrás de resultados, querendo alcançar metas; estamos sempre vencendo e conquistando; em consequência, não escutamos. Somente quando alguém escuta, ouve a canção profunda das palavras.


J. Krishnamurti



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/escultura-bronze-a-escuta-ouvir-2209152/

UM BÁLSAMO NA QUEIMADURA DO DESEJO


O desejo é principalmente um impulso. Você pode desejar salvar o planeta ou libertar todos os seres sencientes do sofrimento. Mas quando os desejos se entrelaçam com anseio e apegos intensos, nossa experiência demonstra que eles conduzem ao sofrimento.

O desejo geralmente começa com uma imagem. Se a imagem é sedutora e promete prazer, ela dispara uma reação em cadeia. Há uma sede de atrair ou obter o objeto visto na imagem mental. A partir desse ponto, começamos a sobrepor a realidade, percebendo apenas as qualidades desejáveis do objeto. Rapidamente, todas as consequências e aspectos negativos ficam invisíveis.

Experiências prazerosas com frequência dão vazão a mais anseio, já que a pessoa quer sentir de novo a sensação de prazer. Isso gradualmente estabelece um padrão de desejo. Em algum ponto, o prazer pode minguar mas o desejo ainda persiste. Quando uma pessoa constrói um forte desejo por algo que já não é agradável, aí ela realmente está capturada.

Não podemos esperar alguma solução mágica que vá nos livrar subitamente de todos nossos anseios, já que eles foram construídos ao longo do tempo. Mas um treinamento da mente perseverante pode gradualmente erodir essas fortes tendências.

Uma maneira de fazer isso é interromper a identificação com nosso anseio. Geralmente nos identificamos completamente com nossas emoções. Quando somos dominados pelo desejo, somos unos com esse sentimento — ele fica onipresente em nossa mente. A mente, contudo, sempre é capaz de examinar o que está acontecendo com ela. Tudo que temos a fazer é observar nossas emoções do mesmo modo como observaríamos um evento à nossa frente.

A parte de nossa mente que está consciente do desejo está simplesmente consciente, não está ansiando. Podemos recuar um passo, compreender que esse anseio não tem solidez, e permitir um espaço suficiente para ele se dissolver nele mesmo. Deixemos que nossa mente relaxe na paz do estado consciente e desperto, livre da esperança e do medo, apreciando o frescor do momento presente, que age como um bálsamo na queimadura do desejo.


Matthieu Ricard



Fonte: https://www.matthieuricard.org/en/
Via https://darma.info/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/guarda-chuva-budismo-monge-mosteiro-1807513/

terça-feira, 11 de agosto de 2020

ESPAÇO PARA SER


Para nos conhecermos, para nos compreendermos e para... obtermos uma perspectiva correta de nós mesmos e de nossos problemas, precisamos simplesmente entrar em contato com nosso espírito. Toda auto-compreensão surge como resultado de nos entendermos como seres espirituais, e apenas o contato com o Espírito Santo pode nos conferir toda a amplitude da compreensão... Esse caminho não é difícil. É muito simples. Mas, realmente demanda um sério comprometimento...

A maravilhosa revelação que lá está para que a descubramos, desde que apenas nos coloquemos a caminho com disciplina, é que nosso espírito está enraizado em Deus... Esta é uma descoberta básica que cada um de nós precisa fazer: que a natureza que possuímos tem esse infinito potencial de desenvolvimento e que o desenvolvimento só se dá caso nos entreguemos a esta peregrinação a nosso próprio centro... A meditação é apenas essa maneira de entrarmos em contato com nosso próprio espírito e, nesse contato, encontrarmos o caminho da integração, de descobrirmos que tudo na nossa experiência se harmoniza, tudo na nossa experiência é alinhado em Deus.

O caminho da meditação é muito simples. Tudo o que cada um de nós precisa fazer é ficar tão imóvel quanto possível, física e espiritualmente... Aprender a meditar é aprender a abandonar seus pensamentos, ideias, imaginação e a descansar nas profundezas de seu próprio ser. Lembre-se sempre disso. Não pense, não utilize quaisquer palavras, a não ser sua própria palavra (mantra), não imagine nada. Apenas entoe, repita a palavra nas profundezas de seu espírito, ouça-a. Concentre-se nela com toda sua atenção. Por que isso é tão poderoso? Basicamente porque nos dá o espaço que nosso espírito precisa para poder respirar. Nos dá, a cada um de nós, o espaço para sermos nós mesmos.

Quando você medita, não precisa se desculpar e você não precisa se justificar. Tudo o que você precisa fazer é ser você mesmo, é aceitar, das mãos de Deus, a dádiva de seu próprio ser. E, nessa aceitação de si mesmo e de sua criação, você entra em harmonia com o Criador... o Espírito de Deus.


Dom John Main, OSB



Fonte: "Espaço para ser" - Leitura de 03/08/2008
Moment Of Christ (New York: Continuum, 1998) pp. 92-93.
Tradução de Roldano Giuntoli
Comunidade Mundial para a Meditação Cristã - http://www.wccm.com.br/
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

HUA HU CHING - OS 81 ENSINAMENTOS ORAIS TAOISTAS


O "Tao Te King" não é o único livro de Lao Tzé. O "Hua Hu Ching" é a compilação de 81 ensinamentos orais taoistas. O conteúdo fala da aquisição da iluminação, maestria e paz de espírito, transmitindo em sua mensagem uma enorme autoridade que revela a mais pura origem taoista.

Ensinamento 4: "Qualquer saída do TAO contamina o espírito. A cólera é uma saída, a resistência é uma saída, o ensimesmamento em si mesmo é uma saída. Ao longo de muitas vidas o fardo das contaminações pode tornar-se grande. Só há uma maneira de purificar-se destas contaminações, e consiste em praticar a virtude. O que isso quer dizer? Praticar a virtude é oferecer desinteressadamente ajuda aos demais, dar sem limitação alguma o próprio tempo, capacidades e posses, em qualquer ocasião e lugar em que for necessário, sem preconceito algum em relação à necessidade da pessoa que o necessite. Se tua disponibilidade a dar felicidade é limitada, também o será tua disponibilidade a recebê-la. Este é o sutil proceder do Tao."


Lao Tzé



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/yin-yang-abstract-fundo-black-99824/

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A CRUZ COMO CAMINHO DE INDIVIDUAÇÃO


A Cruz como imagem do ser humano redimido

Em seus escritos, Carl Gustav Jung se voltou constantemente para o tema da cruz e vê na cruz um caminho da individuação, da autorrealização humana. Jung não escreve sobre a morte de Jesus na cruz, mas sobre a cruz como símbolo. O símbolo da cruz desempenha um papel importante no processo de individuação do ser humano. No curso de sua vida, cada ser humano precisa passar do Ego, que é o âmago consciente de sua pessoa, para o Self, o centro mais íntimo da pessoa, que inclui simultaneamente o consciente e o inconsciente. Nesse caminho da individuação, os símbolos têm uma tarefa especial. Jung refere-se aqui não apenas a símbolos, mas a imagens arquetípicas que são disponíveis na alma do ser humano e que desencadeiam e dirigem o processo da individuação.

Para Jung, Cristo e a cruz estão entre estes arquétipos que podem transformar o ser humano. Cristo é o símbolo mais desenvolvido do Self. É claro que Jung não dissolve o Jesus histórico numa imagem arquetípica. Também para Jung, Jesus foi uma figura histórica. Mas, ao mesmo tempo, ele apelou ao arquétipo do Self que está disponível na alma e o tornou ativo.

A cruz desempenhou um papel importante no caminho da transformação de Jesus. Também nosso caminho da individuação passa pela cruz. A cruz tem para Jung vários significados no processo de individuação. Em todos os distintos aspectos da cruz, trata-se para Jung sempre do efeito sanador e centrador sobre o Self do ser humano.

Por um lado, a cruz é um símbolo do sacrifício. Jung entende sob sacrifício o abandono do Ego em favor do Self e a renúncia à determinação pelos instintos, a transformação da libido. No sacrifício, o ser humano abandona-se a Deus. Para poder se entregar a Deus, o ser humano precisa primeiro conhecer-se a si mesmo. Por isso, o sacrifício é sempre antecedido por um ato de autoexame. A instância do ser humano que sacrifica algo do Ego é o Self. Ao sacrificar o Ego, o Self ganha a si mesmo. A cruz como sacrifício é, para Jung, ao mesmo tempo, uma imagem drástica da repreensão dos instintos. Aqui não se trata da superação dos instintos animais, mas de uma entrega do ser humano inteiro de “um disciplinamento de suas funções especialmente humanas e espirituais, em direção a uma meta espiritual supramundana”. O sacrifício na cruz não quer despedaçar o ser humano, mas promovê-lo em seu caminho interior. Na História, esse sacrifício, ao qual a cruz convidou os cristãos, “levou a um desenvolvimento da consciência que, sem esse treinamento, seria simplesmente impossível”. Sem o disciplinamento através da ascese cristã, manifestam-se novamente a rudeza e a falta de consciência da Antiguidade.

O segundo significado da cruz é para Jung que ela simboliza o sofrimento. Segundo Jung, cada passo no caminho da conscientização progressiva pode ser somente comprado com sofrimento. O sofrimento é o portão pelo qual o ser humano precisa passar quando quer se tornar consciente de si mesmo. O sofrimento tem sua causa principalmente no fato de que o ser humano tem de aceitar-se em suas contradições que às vezes ameaçam dilacerá-lo. Quem se põe a caminho para tornar-se íntegro experimenta como está cruzado e contrariado por contradições e opostos interiores, pelo oposto de luz e trevas, de bem e mal, de consciente e inconsciente, de masculino e feminino.

Diz Jung: Quem quer que se encontre no caminho para a integridade não pode escapar daquela estranha suspensão representada pela crucificação. Pois encontrará sem falta aquilo que o cruza e contraria, a saber, primeiro, aquilo que ele não quer ser (sombra); segundo, aquilo que ele não é, mas que o outro é (realidade individual do tu); e, terceiro, aquilo que é seu Não-Ego psíquico, a saber, o inconsciente coletivo.

Por estar empurrado para lá e para cá pelas contradições, o ser humano é para si mesmo uma cruz e não pode desviar-se da cruz como sofrimento.

Para Jung, o êxito de nos tornarmos humanos depende inteiramente da pergunta de como lidamos com o sofrimento. Quem se desvia do sofrimento que existe necessariamente junto a sua existência humana procura a neurose como sofrimento substituto. Por isso, a cruz como convite de aceitar e carregar o sofrimento que existe essencialmente devido à nossa contrariedade é para Jung favorável a nossa saúde e protege-nos da neurose na qual fugimos de nossa própria verdade.

Nesse sentido, carregar a cruz significa para Jung aceitar a própria cruz e não pensar que poderíamos carregar a cruz de Cristo.

A cruz de Cristo foi carregada por ele mesmo e foi a própria cruz que ele carregou. Certamente é mais fácil colocar-se sob uma cruz alheia e já carregada do que carregar a própria cruz, sob os insultos e o desprezo de seu mundo. Pois, ao fazer isso, fica-se belamente dentro da tradição e se ganha o elogio de ser piedoso. Isso é farisaísmo bem organizado e extremamente anticristão. Cristão é somente quem vive no sentido e no espírito de Cristo.

Sofrer significa a colisão de contradições e opostos, um conflito insolúvel. Exatamente nesse conflito, Deus é reconhecido como a união de todos os opostos: Todo contrário é Deus, por isso, o ser humano tem de assumir esse peso, e ao fazê-lo, ele, com sua contrariedade, tomou posse dele, isto é, se encarnou. O ser humano fica repleto do conflito divino.

A cruz é o símbolo dessa suprema contrariedade e oposição. Quando o ser humano está disposto a confrontar-se com esse conflito, então experimenta nisso Deus, então “realiza-se dentro dele a imago Dei, a encarnação de Deus”.

A cruz é para o ser humano o condutor no caminho para a individuação. Ela o promove no caminho da transformação. É a imagem da passagem dolorosa, sem a qual não há transformação. E ela se encontra também no fim do caminho como imagem do destino, da integridade e da completude que nos esperam no futuro. Pois a cruz mostra ao ser humano a possibilidade de unir dentro de si os opostos e contradições. É um símbolo ordenador.

A cruz significa ordem diante do desordenado ou caótico da multidão do povo informe. Ela é, de fato, um dos símbolos ordenadores mais antigos. Também no âmbito dos processos psíquicos, tem a função de um ponto central gerador de ordem.

Para Jung, a cruz é uma imagem da reconciliação de todos os opostos, portanto, não é uma imagem da propaganda militante e agressiva pelo cristianismo, mas um convite de reconciliar os opostos e as contradições em nosso mundo, os opostos entre as religiões e culturas, entre os povos e as camadas sociais, entre pobre e rico, entre religioso e não religioso, entre luz e trevas, entre céu e Terra. É uma imagem que leva ordem ao caos de nosso tempo, em que tudo fica difuso e diluído, que traz orientação quando tudo se torna confuso e sem sentido. A imagem da cruz tem para Jung um efeito sanador. Ela nos protege de divisões interiores que sempre causam doenças, e nos estabiliza em meio à instabilidade de nosso tempo. Não foi por acaso que o próprio Jung colocou uma cruz na parede de seu escritório para se lembrar constantemente de como o caminho da individuação humana pode dar certo.


Anselm Grün, OSB



Fonte: "A Cruz a imagem do ser humano redimido", 3ª ed., pp. 84-94, São Paulo: Paulus, 2010. 
Via http://sabedoriadodeserto.blogspot.com/
Fonte da Gravura: Instagram

TRIBULAÇÕES E AUTOCONTROLE


A vida, na Terra, é feita de experiências evolutivas, em que o processo de crescimento se faz através dos cursos educativos dos sofrimentos. Nem todas as tribulações, no entanto, são decorrência da imposição das divinas leis.

Quando o espírito se dá conta dos erros cometidos numa etapa, roga a bênção do recomeço sob o açodar dos sofrimentos que o aprimoram, ensinando-o a valorizar a oportunidade e a criar melhores condições para o equilíbrio futuro.

Entendendo a vida como um processo eterno de evolução, conquista, numa oportunidade, o que noutra não soube considerar e, quando tal ocorre, porque o amor foi desdenhado, é no sofrimento que se aprimora.

As tribulações solicitadas constituem bênção que deve ser vivida com alegria, mediante o aproveitamento de cada instante, mesmo que, aparentemente, sob a rudeza causticante da agonia. Noutras vezes, faz-se imperioso expungir (apagar*) os soberanos códigos, ensejando a libertação do calceta (empedernido) que, renitentemente, se entregou ao desvario, convidando-o à reparação expiatória com que conquista a paz, mediante os exercícios mais dolorosos da angústia ou da limitação, das mutilações ou da saudade...

Afirmou Jesus: “No mundo só tereis aflições” em face de ser a Terra, ainda, uma escola de crescimento, cujos métodos são defluentes das necessidades mais imediatas dos seus educandos. “Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” — disse Jesus, conforme anotou Mateus, no versículo trinta e nove, do capítulo cinco do seu Evangelho.

Não sintonizes, portanto, com os agressores que te espreitam e atingem, no caminho da tua redenção. Preserva a calma e desarticula as engrenagens da perversidade que te busca. Tem a coragem de não perder a paciência ante o agressor, evitando ficar igual a ele. Covarde é o ato de revidar o mal, golpe por golpe, sob a insopitável (desenfreada) ansiedade de liberar-se da ocorrência a qualquer preço. Não deixa de ser um imenso desafio moral, a coragem de apresentar a face esquerda ao violento que já golpeou a direita...

O homem, porém, é o seu valor espiritual e não apenas o feixe de músculo que reage com impulsos descontrolados aos estímulos externos. O animal escouceia (dá coice) ou morde, por instinto, quando atingido, porque não dispõe de outro recurso para a defesa.

Habitua-te ao autocontrole, canalizando, de forma edificante, as tuas forças mentais e físicas, mediante exercícios de vigilância contra a agressividade que permanece em ti como herança ancestral...

Se, todavia, alguma vez, sob o apodo (zombaria) ou o golpe violento que te fere, estiveres a ponto de revidar, por falta de forças morais, recorre à oração silenciosa e serás renovado, conseguindo vencer a injunção infeliz.


Divaldo Pereira Franco / Joanna de Ângelis



Fonte: do livro "Receitas de Paz"
Fonte da Gravura: Tumblr.com

TUDO ESTÁ BEM SE...


Tudo está bem se você se entrega ao Poder Superior.

Esse Poder cala profundamente em suas coisas.

Somente na medida em que você pensa que é quem efetua o trabalho está obrigado a colher os frutos de suas ações.

Por outro lado, se você se entrega e reconhece a seu eu individual somente como uma ferramenta do Poder Superior, esse Poder tomará cargo de suas coisas junto com os frutos das ações.

Estas coisas já não o efetam e o trabalho prossegue sem obstáculos.

O esquema das coisas não se altera, reconheça ou não o Poder.

Só há um caminho de atitude.

Por que você levaria sua bagagem sobre sua cabeça quando viaja de trem?

O trem a levaria, quer esteja sobre a sua cabeça quer esteja no bagageiro.

Levando sobre a cabeça não diminuiria a carga do trem, porém só você faria um esforço desnecessário.

Assim é o sentido das ações (as cargas) por parte dos indivíduos que estão no mundo.


Sri Ramana Maharshi



Fonte: do blog de Gregorio Dávila, Sevilla, España - www.grego.es
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

sábado, 8 de agosto de 2020

O LABIRINTO DO MINOTAURO


Embora o mito revele um acontecimento que historicamente não podemos conceber como realidade, evidencia, indiscutivelmente, uma realidade psicológica coberta de símbolos que cabe a nós desvelá-los.

Existem vários mitos que reportam ao labirinto. A mais conhecida tradição nos conta que Dédalo, construtor e arquiteto das Ilhas de Creta, construiu um labirinto para o Rei Minos, que havia se tornado rei, graças a ajuda do deus Posseidon.

Para assegurar o reinado de Minos, Posseidon criou um touro branco e lhe deu de presente. A esposa de Minos, Pasifae, enamorou-se perdidamente pelo touro branco e pediu a Dédalo que então fabricasse uma vaca de bronze, bela e atrativa o suficiente para se meter dentro e seduzir o touro branco para que ele se apaixonasse por ela.

A tragédia é enorme, pois desse relacionamento acabou nascendo uma besta, metade homem, o minotauro. Esse monstro passou a residir no interior do labirinto, causando verdadeiro terror aos cretenses. Vários homens tentaram matar o minotauro, mas acabavam se perdendo no caminho; amedrontados, não chegavam ao fim; ou os que mais se aproximaram acabaram vencidos pela besta.

Surgiu, então, um herói, Teseu, futuro Rei de Creta, que só aceitou assumir o reinado com a condição de matar o minotauro. Entrou no labirinto com um machado de duplo fio e um fuso de lã que Ariadne, filha do Rei Minos havia lhe dado, para desenrolá-lo, marcando o caminho. Teseu chega então no centro do labirinto e em luta contra o minotauro, acaba matando-o. Para sair do labirinto, percorreu de volta o caminho sinalizado com o fio que havia desenrolado, recolhendo-o e enrolando-o de volta ao fuso, até torná-lo um novelo esférico.

Podemos relacionar o sentido do labirinto com certos aspectos da psique humana, a seguir abordados:

O fuso simboliza a imperfeição interior do homem, que necessita passar por várias provas para se desenvolver, ou seja, enfrentar os problemas cotidianos que assolam dia a dia. A esfera que Teseu constrói ao recolher o fio, simboliza a perfeição conquistada por ter enfrentado o minotauro.

O minotauro representa a matéria cega, os nossos instintos, egoísmos, vícios e defeitos. Foi gerado como fruto da paixão cega, sem a diretriz de uma razão superior.

O machado de duplo fio utilizado por Teseu representa a vontade, pois somente conseguiremos abrir os nossos caminhos se tivermos uma força de vontade inquebrantável.

O fio, que sinalizou o caminho para Teseu não se perder no labirinto, simboliza a consciência do homem, a nossa memória, que possibilita recordarmos os caminhos já percorridos, os nossos percalços, como uma chance para não cometermos os mesmos erros. Reconhecemos dessa forma os lugares pelos quais já percorremos e os que ainda faltam percorrer.

Ariadne é nossa alma salvadora, pois justo quando Teseu encontrava-se num momento de angústia, ela lhe trouxe uma solução para poder destruir o minotauro e sair do labirinto.

Teseu somos nós, que decididos, com força de vontade e conscientes, enfrentamos o minotauro que nos assola, representado pelo excesso de materialismo, pela paixão desgovernada que gera sofrimento, carências afetivas, rejeições, falta de autoestima, medos, angústias, dúvidas, inseguranças, rancores, preguiças e preocupações.

Não podemos deixar que o minotauro nos vença, pois temos que lutar e chegar no nosso próprio centro, no olho do furacão, onde tudo é calmo e silencioso, onde estamos seguros, conscientes e verticalizados.

Lembrem-se que Teseu somente venceu o minotauro porque teve a coragem de enfrentá-lo. Coragem para vencermos a nós mesmos!


Grasiela Thomsen



Fonte: Boletim Informativo Orfeu, n° 27, p. 6, Jul-Ago 2001
Nova Acrópole Associação Cultural – Porto Alegre/RS
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/est%C3%A1tua-escultura-pierre-monumento-3867432/

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O DESTINO DO SER


[...]  Flammarion firmou o princípio de que não é somente a Terra que serve de habitação à espécie humana, mas, sim, todos os astros espalhados pelo espaço sem fim, e eles mesmos inúmeros, aos bilhões. A espécie humana não é, pois, exclusivamente terrestre, nem é na Terra que começou e acabará sua marcha, pelas vias do progresso, até à perfeição, que é seu destino.

[...] Deus não criou somente o nosso mundo e descansou, como se entende pela cosmogonia bíblica. A prótese divina nem teve princípio nem terá fim, porque o movimento e a ação caracterizam a vida, e o Criador cessaria de o ser, se, por um momento, fosse inerte, inativo, em repouso. Deus, pois, criou desde o princípio dos tempos, e criará, incessantemente, por toda a eternidade. Cria mundos e cria espíritos. A criação constante dos primeiros já é princípio corrente na ciência, que chegou a determinar como do fluido cósmico sai a nebulosa, e desta se destacam os núcleos de novos gigantes do espaço. A criação constante dos segundos é dedução forçada da pluralidade de mundos habitados, pois de outro modo não haveria onde se proverem de habitantes os milhares de milhões existentes e os que lhes aumentam o número, por sua constante criação.

[...] Tomemos, pois, os dois novos princípios: pluralidade de mundos e pluralidade de existências da alma, e vejamos o que de sua combinação resulta. Deus cria mundos, ou, antes, estabeleceu a lei da criação de mundos, em identidade de condições, pois não há razão para diferenças, nem as leis do mundo material, como quaisquer outras, são variáveis; e, pelo contrário, mostra-nos a observação que tudo no Universo obedece a normas fixas.

[...] Deus cria espíritos em identidade de condições, pois não há razão para exceções, preferências e exclusões, que não se conformam com os infinitamente perfeitos atributos do Criador... Somos todos criados em estado de inocência, isto é, sem consciência do bem e do mal, faculdade que se vai desenvolvendo, à medida que vamos usando do nosso livre arbítrio. Somos todos criados em estado de ignorância, mas dotados de inteligência, pela qual devemos conquistar o conhecimento universal, como pelo desenvolvimento do senso moral devemos conquistar a virtude universal.

Os espíritos criados, assim, em identidade de condições intelectuais e morais, trazem consigo, latentes, todas as faculdades de que necessitarão para realizar sua transformação da ignorância nativa à mais alta sabedoria, e da inocência inconsciente à mais sublimada virtude. Com estas armas, de que todos são dotados para subirem ao destino a todos marcado, Deus deu sempre sem exceção, a liberdade ou o poder de cada um empregá-los, como quiser, para alcançar aquele destino.

O que se empenhar, 'totis viribus'*, no aperfeiçoamento intelectual e moral de seu ser, fará carreira mais rápida e, conseguintemente, menos dolorosa. Aquele, porém, que desprezar os recursos que lhe foram dados, e entregar-se aos gozos materiais... ou que dormir, preguiçoso, nos pousos da longa viagem, fará carreira mais lenta, e, conseguintemente, mais tormentosa.

E, pois, dando aos espíritos as mesmas condições originais, as mesmas armas para seguirem o seu destino, e idêntico, tanto como excelso destino, o Criador completou sua obra dotando-os da mais plena liberdade no emprego daquelas armas. É do bom ou mau uso que fazem desse sublime dom, que resultam as variedades de todo o gênero, que se observam no seio da humanidade, e o que faz que os ignorantes atribuam a Deus tais variedades. Não; o homem é senhor de seu destino, pela liberdade, mas, por isso mesmo que é livre, é responsável.

Nasce daí uma nova ordem de cogitações. O homem (espírito) que faz bom uso de sua liberdade, no desenvolvimento de sua perfectibilidade, adquire méritos; o que procede de modo aposto, sobrecarrega-se de deméritos. Méritos e deméritos provocam, por lei fatal, recompensas e castigos, e, no mundo moral, as leis de Deus têm a mesma inexorabilidade que as do mundo físico. “Cada um segundo suas obras” é a grande lei da evolução espiritual, da qual resulta que assim como somos livres de praticar o bem ou o mal, somos, por isso mesmo, os que nos julgamos incursos, merecedores de penas ou recompensas, segundo a lei na justiça eterna. Essa justiça não cogita de personalidades: é indefectível...

[...] Como um corpo posto em movimento adquire progressivamente maior velocidade, assim os espíritos, começando o exercício de suas faculdades intelectuais e afetivas, vão progressivamente adquirindo conhecimentos e sentimentos mais apurados, até chegarem ao termo de sua perfectibilidade... A perfectibilidade humana, sendo indefinida, é óbvio que, na vida da Terra, o homem não alcança o destino para que foi criado; apenas conseguirá, se conseguir, os primeiros degraus da longa escada. Outras existências e maiores esforços são indispensáveis para a consecução do altíssima fim.

Terminando a primeira existência corpórea, o espírito que empregou esforços, para progredir, recebe o prêmio de animação; aquele, porém, que dormiu ou só fez mal, recebe a consequência de suas faltas. Tanto o prêmio como o castigo não podem ter duração eterna, porque não foi completado o ciclo do progresso, cuja realização é lei do ser racional.

Deus não seria Pai, se condenasse seus filhos a penas eternas por faltas de um momento; assim como não seria juiz reto, se, por limitado mérito, desse o inestimável prêmio da glória devida a todo o mérito. E ao que ficaria reduzida a perfectibilidade humana, se não passasse do que sabemos e praticamos nesta vida? Os que fossem para o céu, no dizer dos católicos, não precisariam mais progredir, e os que fossem para o inferno, não poderiam fazê-lo.

[...] Assim, se nas coisas humanas não se admitem julgamentos definitivos, mediante provas incompletas, como admitir-se em Deus tais leviandades e precipitações, que redundariam em injustiça e crueldade? Além disto, se o homem é essencialmente perfectível, e se numa existência não pode chegar ao último grau de sua perfectibilidade, como admitir penas e prêmios eternos, depois dessa existência? No céu, é estulto pensar que ainda se tenha de progredir, e, no inferno, para quê?

Por último, se depois de ligeira prova os espíritos têm seu destino irrevogável, e se no fim do mundo, segundo a Igreja Romana, tem de haver completa separação dos glorificados e dos condenados, teremos a eternização do mal, ou antes, a vitória do mal, porque "satanás" ficará sendo por toda a eternidade, o deus do inferno, o senhor dos condenados, por igual a Jeová, Deus do céu e senhor dos bem-aventurados!

Isto não pode calar no pensamento de quem reconhece em Deus os altos atributos de justiça, misericórdia e amor infinitos. O céu torna impossível o inferno. Deus não seria Deus, se "satanás" a ele fosse igual em poder.

Vimos que uma vida única é insuficiente para o amplo desenvolvimento da perfectibilidade humana. Vimos que os espíritos não são criados para o corpo, mas, sim, que este lhes é dado como instrumento de progresso. Destes dois postulados, que só podem ser impugnados, ou pela ignorância invencível, ou pela incredulidade sistemática, resultam as seguintes consequências lógicas: Não há uma única vida, nem um único mundo. Não há penas eternas, pois os espíritos têm mais de uma vida corpórea. Não há inferno, pois não há penas eternas e materiais. Não há demônios pessoais, pois não há inferno, nem penas eternas... Não houve, finalmente, criação de um só par humano, visto que a própria Bíblia atesta a existência de outros seres humanos na Terra, ao tempo de Adão, e sem que dele procedessem.

[...] A medida, porém, que vai evoluindo, o espírito vai ganhando luz, e, à medida que vai tendo luz, vai reconhecendo e repelindo certos preconceitos mais grosseiros e divisando horizontes menos escuros.


Dr. Bezerra de Menezes (Max)


* Trabalhar muito, trabalhar duro, esforçar-se muito... (Expressão latina)



Fonte: "A LOUCURA SOB NOVO PRISMA"
Editora FEB – Federação Espírita Brasileira - www.febnet.org.br - 2012 – Brasil
Fonte da Gravura: Tumblr.com

QUE A LEI DE CAUSA E EFEITO SEJA NOSSA TESTEMUNHA


Se realmente pararmos para pensar sobre elogios e críticas, veremos que isso não tem a menor importância. Se recebemos elogios ou críticas isso não acrescenta nada. A única coisa importante é termos uma motivação pura, e que a lei de causa e efeito seja nossa testemunha.

Se formos realmente honestos, podemos ver que não faz diferença nenhuma receber elogios e aplausos. O mundo todo pode nos cantar louvores, mas se tivermos feito algo errado, então nós mesmos ainda teremos que sofrer as consequências; não há como escapar delas.

Se agimos só com base na motivação pura, todos os seres dos três reinos podem nos criticar e censurar, mas nenhum será capaz de nos causar sofrimento. Conforme a lei do karma, cada um de nós deve responder individualmente por nossas ações.

É assim que podemos colocar fim de uma vez a esse tipo de preocupação, vendo como isso é completamente sem substância, como sonhos ou ilusões mágicas. Quando as pessoas nos elogiam e brilhamos de deleite, isso é porque achamos que receber elogios é benéfico. Mas isso é como pensar que há alguma solidez no arco-íris ou em um sonho. Embora pareça que há muitos benefícios em receber aplausos e elogios, na verdade não há absolutamente nenhum.


Dalai Lama



Fonte: “Bad Reputation”, Tricycle (2007) - (Tricycle’s Daily Dharma, 18/09/2009)
Via https://darma.info/
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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A PORTA DO INCONSCIENTE


[...] Freud foi o primeiro a descrever o que se pode encontrar quando a porta do inconsciente é aberta: nós descemos e realmente damos de cara com a escuridão interior, mergulhando nela... O inconsciente... não pode ser consciente; a lua tem um lado oculto, o sol se põe e não pode brilhar em toda a parte a um só tempo...

Para haver atenção e foco é necessário que outras coisas fiquem fora do campo da visão, permanecendo no escuro, pois não se pode olhar para dois lugares simultaneamente. Entretanto, a escuridão é assim por duas razões: primeiro, por ser necessariamente reprimida... e, segundo, por não ter tido nem tempo, nem lugar para vir à luz. Essa é também a escuridão interior, o chão ou a terra de um novo ser, a parte que se encontra "in potentia" e que vem a ser cultivada pela psicologia junguiana. Aí se encontram o passado e o futuro.

Por trás da escuridão reprimida e da sombra pessoal, encontra-se a escuridão arquetípica, o princípio do não-ser, que foi denominado e descrito como o Demônio, o Mal, o Pecado Original, a Morte, o Nada Existencial, a prima matéria...

A experiência da escuridão interior que Freud descreve é a confrontação viva com a nossa própria natureza reprimida. A besta emerge da gruta onde esteve deitada longo tempo adormecida, e temos terrores noturnos, acordando molhados de suor. Um cadáver ou múmia ancestral ressuscita. Surge um vasto pântano... Um criminoso, uma criança retardada... estes passam a incorporar-se à figuras oníricas que se apresentam sob a forma de marginais, ou seja, seres que foram marginalizados pelas duras leis com que edificamos nossa sociedade interior. Assim, estes potenciais deverão aparecer como uns fora-da-lei, desajustados e ate mesmo aleijados e lunáticos. Curar os cegos e leprosos, ressuscitar os mortos torna-se uma necessidade interna, quando se quer trazer saúde à personalidade.

A experiência dos símbolos da escuridão pode se dar não apenas em nível dos fatos relacionados aos pecados e crimes da vida de cada um, mas também dentro de uma visão mais ampla do desenvolvimento humano. Hércules teve que limpar a imundície dos estábulos de Augias; teve que canalizar verdadeiros rios de energia para realizar esse trabalho impossível. Também teve que dominar o leão das ambições e da sede de poder pessoal e estar pronto para sujar-se nos estábulos. Ulisses precisou defrontar-se com o gigante do olho faminto, o demônio unilateral da compulsão, antes de prosseguir em sua jornada. Em algum lugar há sempre um monstro a ser enfrentado, um ser horrendo a exterminar, um impulso a ser ultrapassado. Em algum lugar um anjo nos espera para uma luta corpo-a-corpo antes de podermos atravessar o rio. E quando se esta sozinho no deserto, que tanto pode ser o subúrbio de nossos dias e o prédio de escritórios, quanto, o que mencionavam os primeiros padres da igreja, demônios de todas as espécies, se aproximam: os que tentam, seduzem, pervertem, provocam projeções e os que nos iludem.

Há sempre uma base de apoio para cada queixa que surge e, quanto mais devastadora fascinante ela for, tanto mais certos poderemos estar de que existe um embasamento arquetípico empregando um sintoma como simbolo, o qual, se melhor compreendido, é não apenas um sofrimento patológico, mas a chance de transformar-se numa experiência religiosa. [...]


James Uillman



Fonte: "Uma busca interior em psicologia e religião"
Tradução Araceli Martins Elman; revisão Jose Joaquim Sobral, Ed. Paulus, 4ª ed., 2004
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/psicologia-psique-m%C3%A1scara-gradinha-2709651/

INTROVERSÃO - INTERIORIZAÇÃO - INTROSPECÇÃO


Os padres monásticos foram sempre lúcidos e simples quanto ao entendimento de que o propósito principal da vida monástica é o de alcançar uma consciência inquebrantável da presença de Deus, a prece incessante. Santo Agostinho escrevendo não apenas aos monges, mas a todos os cristãos, disse que todo o propósito da vida e de todo exercício cristão é o de “abrir os olhos do coração”...

Aqui está a meta da vida cristã, pois ela é o convite que cada um de nós teve o privilégio de receber: o de sermos os discípulos de Jesus. Sempre houve um grande perigo para a verdadeira interiorização, mas ele existe hoje em dia de um modo especial, para nós que vivemos em nossa sociedade acanhada e narcisista, que é o da introversão, o egocentrismo e a auto-análise. A grande prevalência da vulnerabilidade psicológica e da alienação social exacerbam este perigo, quando pedem que se lide com ele com gentileza e compaixão... Ser verdadeiramente interiorizado, é o extremo oposto de ser introvertido. Na percepção da presença que nos habita, nossa consciência é revirada, con-vertida, de forma que não estamos mais olhando para nós mesmos, antecipando ou relembrando emoções, reações, desejos e ideias ou sonhando acordados. Estamos nos voltando para outra coisa. E isto é sempre um problema para nós.

Pensamos que seria mais fácil nos afastarmos da introspecção se soubéssemos para onde devêssemos nos voltar. Se ao menos tivéssemos um determinado objeto para olhar. Se ao menos Deus pudesse ser representado por uma imagem. Mas, o verdadeiro Deus nunca pode ser uma imagem. Imagens de Deus são deuses. Fazermos uma imagem de Deus é, meramente, terminarmos por olhar para uma imagem reformada de nós mesmos. Sermos verdadeiramente interiorizados, abrirmos os olhos do coração, significa estarmos vivendo na visão sem imagens que é fé, e esta é a visão que nos permite "ver Deus". Na fé, a atenção é controlada por um novo Espírito, não mais os espíritos do materialismo, do egoísmo e da auto-preservação, mas o ethos da fé que é, por natureza, não possessivo. Ele está sempre abrindo mão e continuamente renunciando aos prêmios das renúncias, que são muito grandes e, portanto, fazendo-se ainda mais necessário que eles sejam restituídos. Não há desafio mais crucial do que o de adentrar a experiência de se manter centrado-nos-outros. Trata-se do continuado estado estático de despojamento. Podemos vislumbrar isto simplesmente ao nos lembrarmos daqueles momentos ou fases da vida em que experimentamos o mais alto grau de paz, plenitude e alegria, reconhecendo neles, não períodos em que possuíamos alguma coisa, mas períodos em que nos perdemos em algo ou em alguém. O passaporte para o reino demanda o carimbo da pobreza. [...]

E, no entanto, aprender a estar centrado-em-outros é uma disciplina, é um discipulado e implica em ascese. Não há nada mais difícil do que aprender a não estarmos atentos a nós mesmos... Estamos todos inclinados a deixar nossa atenção passear, derivar de volta ao egoísmo, à fascinação consigo mesmo, e quando a atenção fica à deriva nessa correnteza falsa logo voltamos ao estado de distração. Há, então, uma simples verdade a descobrir. Quando a atenção está em Deus, com a visão da fé, tudo nos revela Deus. Quando nossa atenção está em nós mesmos, na cegueira do ego, tudo é distração que nos afasta de Deus.

Parece-nos ser um difícil desafio esse de sempre dirigir nossa atenção para essa visão da fé, até que compreendamos que foi exatamente para isto que fomos criados.


Dom Laurence Freeman, OSB



Fonte: "O Poder da Atenção" - Leitura de 10/08/2008, The Selfless Self (London: DLT, 1989) pp. 31-35.
Tradução de Roldano Giuntoli - Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: Instagram

terça-feira, 4 de agosto de 2020

O EU E A ALMA


Apesar do grande número de fenômenos que o ser humano percebe, para as finalidades que temos em vista eles podem ser classificados em duas divisões gerais: físicos e não-físicos.

A primeira classificação consiste daquelas realidades, objetos e acontecimentos, que o homem pode perceber por meio de seus órgãos sensoriais, ou seja, seus olhos, ouvidos etc. [...] A segunda classificação consiste daquelas percepções ou sensações que são o resultado da consciência do eu. Elas são muito diferentes das experiências físicas.

[...] O ser humano é impregnado de uma força vital misteriosa. Concebemos que a inteligência é um atributo desta força vital, ou que ela, pelo menos, está integrada a seu funcionamento. Logo, evidentemente, esta inteligência inata também existe nos neurônios cerebrais, ou células cerebrais, onde provê uma sensibilidade para aqueles impulsos que nos chegam, através dos nossos órgãos sensoriais, do mundo exterior. Em outras palavras, no cérebro, esta força vital e inteligência tornam possível nossas experiências físicas, equivalendo à nossa consciência objetiva.

[...] Para o místico, a consciência, o estado de percepção, é existência. Para o homem, aquilo de que ele está cônscio é. Todos os poderes que o ser humano é capaz de exercer, sejam físicos, mentais ou psíquicos, só podem ser relacionados com aquilo de que ele tem conhecimento, aquilo que lhe é real. [...] Todavia, o místico sabe que as realidades da sua consciência são duplas: aquelas coisas, ou particulares, que têm uma existência objetiva, como seu corpo e o mundo externo; e aquelas realidades da sua consciência que são percepções interiores, que surgem das profundezas de si mesmo, como emoções, estados de alma, inspirações. Estas últimas podem transformar-se num ímpeto que o farão ter vivências objetivas, mas sua origem parece limitada à natureza etérea do seu ser.

Para o místico, a única separação que existe é esta dualidade da sua consciência, a inclinação para distinguir entre as realidades do eu e as do mundo objetivo. Na realidade, o místico entende que todas estas realidades são parte de uma grande ordem hierárquica, uma escala graduada. Essa gradação é acorde com a simplicidade ou complexidade da sua natureza. Quanto mais complexas as realidades, maior é a sua manifestação de uma inteligência universal — em outras palavras, mais elas representam toda a ordem hierárquica ou Cósmica.

As atividades do eu, as realidades de nosso ser interior são mais complexas neste sentido do que aquelas particularidades do mundo material ou cotidiano que percebemos. Se, por analogia, a ordem Cósmica ou Deus, como preferir, é a síntese de tudo, então, aquele Deus, evidentemente, é complexo — infinito em substância e variedade. Se nos tornamos cônscios do complexo, ou das maiores expansões ou manifestações da Sua natureza, maior a nossa intimidade com Ele, mais Nele viveremos.

Como as causas das sensações do eu são bastante impalpáveis, não são identificadas com substância, nem podem ser realmente localizadas no corpo humano, elas sempre foram muito misteriosas para o homem. [...] Então, como se deveriam identificar os elementos impalpáveis do nosso eu? A conclusão era que eles deviam transcender o mundo, devido à impossibilidade de serem sentidos como pertencentes ao mundo. Esses elementos eram considerados de natureza Divina, devido à sua aparente infinidade e imaterialidade. A alma, portanto, tornou-se o repositório para todas essas qualidades indeterminadas do homem, sendo psique o vocábulo grego que o definiu.

Essa ideia de alma deu expressão à vida espiritual do homem. Quando passou a examinar as influências sutis da alma e, seu estranho efeito sobre ele, como sua natureza melhor, sua vida espiritual mudou como consequência. Tentou viver em harmonia com os sentimentos da alma e com sua compreensão do que julgava que ela fosse.

[...] A maioria de nós deve estar bem familiarizada com o conceito cristão de alma. Naturalmente, a ideia cristã fundamental foi modificada pelas várias interpretações de diferentes seitas. De modo geral, o cristianismo considera que a alma possui uma contínua existência consciente. Em outras palavras, segundo a opinião cristã geral, a alma tem autoconsciência. O cristão reconhece a dualidade do homem: por um lado, o corpo físico e mortal e, por outro, a alma — a vida espiritual ou o ser do homem. Ele agora declara que ambos são de Deus, coisa que, incidentalmente, os primeiros cristãos não ensinavam. Além disso, o cristianismo salienta que a alma não é absorvida em Deus, mas conserva sua identidade separada, e que não se torna completamente absorvida no espírito universal ou essência de Deus, como as filosofias hindu e budista afirmam. Além disso, o cristianismo não reconhece a perfeição da alma (o que pode ser um ponto controvertido, mas a controvérsia resulta apenas das diferenças de interpretação). A alma do homem, para o cristão, é imperfeita até que tenha sido purificada, até que passe pelo processo de salvação.

A concepção rosacruz de alma é verdadeiramente mística. O rosacruz também começa com o reconhecimento da dualidade da natureza do homem — o corpo físico terreno composto do pó da terra, imbuído de energia espiritual, da mesma forma que todas as coisas animadas e inanimadas. Não se faz distinção alguma entre a natureza física do corpo do homem, no tocante às suas propriedades básicas, e a de qualquer outra substância física. Todas são consideradas terrenas. Logo, esta concepção rosacruz reconhece a alma como uma essência espiritual e divina, residente dentro do corpo, durante o período da sua existência terrena. O rosacruz também declara que a alma é informe; isto é, que a alma não tem nenhuma forma definida e concreta capaz de ser descritível ou comparável a qualquer outra coisa de natureza material. Considera a alma como uma espécie de energia, assim como o pensamento não tem forma física, mas pode dar origem, dentro da consciência, à ideia de forma.

O rosacruz afirma que a alma no homem não é uma entidade separada, individual, distinta da alma de todos os outros seres, mas que é parte da energia da alma universal que flui por igual através de todos os homens. A alma no indivíduo mais degradado é tão pura e tão divina quanto a alma do ser altamente iluminado e espiritual. A diferença aparente que existe é uma questão de expressão. É uma reação pessoal à força da alma, tal como a energia elétrica que corre por um circuito elétrico pode, em algumas lâmpadas naquele circuito, produzir uma luz azul e, em outras, uma luz branca e pura, mas a qualidade da corrente elétrica é a mesma em todos os casos. Portanto, a alma no homem é perfeita em todos os momentos e, por conseguinte, não pode ser aperfeiçoada. Afirmar que a alma pode ser aperfeiçoada, diz o rosacruz, é admitir a sua imperfeição. O rosacruz declara que, como a alma emana de uma fonte divina e é a única essência divina no homem, como podemos nós afirmar que essa divindade é imperfeita, ao dizer que a alma deveria ser aperfeiçoada?

A alma se manifesta diferentemente em cada um de nós, devido ao desenvolvimento psíquico do indivíduo, isto é, à sua capacidade de reagir, como se disse acima, à força espiritual dentro dele. É o ego ou personalidade do indivíduo que tem de ser aperfeiçoado. À medida que desenvolvemos e aperfeiçoamos nosso ego e nossa personalidade interior, chegamos eventualmente a apreciar, compreender e perceber a força anímica dentro de nós. Corrigimos nosso pensamento, corrigimos nossos modos de vida e permitimos que a alma se expresse sem obstáculos. Assim, encontramos alguns indivíduos mais iluminados do que outros, mais espiritualistas em manifestação do que outros, mas, em essência, todos são espiritualmente iguais, afirmam os rosacruzes. [...]


Ralph M. Lewis, F.R.C.
Ex-Imperator da Ordem Rosacruz — A.M.O.R.C.



Fonte: do livro "O Santuário do Eu", Biblioteca Rosacruz, 2ª ed., Ed. Renes, RJ
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal