[...] Freud foi o primeiro a descrever o que se pode encontrar quando a porta do inconsciente é aberta: nós descemos e realmente damos de cara com a escuridão interior, mergulhando nela... O inconsciente... não pode ser consciente; a lua tem um lado oculto, o sol se põe e não pode brilhar em toda a parte a um só tempo...
Para haver atenção e foco é necessário que outras coisas fiquem fora do campo da visão, permanecendo no escuro, pois não se pode olhar para dois lugares simultaneamente. Entretanto, a escuridão é assim por duas razões: primeiro, por ser necessariamente reprimida... e, segundo, por não ter tido nem tempo, nem lugar para vir à luz. Essa é também a escuridão interior, o chão ou a terra de um novo ser, a parte que se encontra "in potentia" e que vem a ser cultivada pela psicologia junguiana. Aí se encontram o passado e o futuro.
Por trás da escuridão reprimida e da sombra pessoal, encontra-se a escuridão arquetípica, o princípio do não-ser, que foi denominado e descrito como o Demônio, o Mal, o Pecado Original, a Morte, o Nada Existencial, a prima matéria...
A experiência da escuridão interior que Freud descreve é a confrontação viva com a nossa própria natureza reprimida. A besta emerge da gruta onde esteve deitada longo tempo adormecida, e temos terrores noturnos, acordando molhados de suor. Um cadáver ou múmia ancestral ressuscita. Surge um vasto pântano... Um criminoso, uma criança retardada... estes passam a incorporar-se à figuras oníricas que se apresentam sob a forma de marginais, ou seja, seres que foram marginalizados pelas duras leis com que edificamos nossa sociedade interior. Assim, estes potenciais deverão aparecer como uns fora-da-lei, desajustados e ate mesmo aleijados e lunáticos. Curar os cegos e leprosos, ressuscitar os mortos torna-se uma necessidade interna, quando se quer trazer saúde à personalidade.
A experiência dos símbolos da escuridão pode se dar não apenas em nível dos fatos relacionados aos pecados e crimes da vida de cada um, mas também dentro de uma visão mais ampla do desenvolvimento humano. Hércules teve que limpar a imundície dos estábulos de Augias; teve que canalizar verdadeiros rios de energia para realizar esse trabalho impossível. Também teve que dominar o leão das ambições e da sede de poder pessoal e estar pronto para sujar-se nos estábulos. Ulisses precisou defrontar-se com o gigante do olho faminto, o demônio unilateral da compulsão, antes de prosseguir em sua jornada. Em algum lugar há sempre um monstro a ser enfrentado, um ser horrendo a exterminar, um impulso a ser ultrapassado. Em algum lugar um anjo nos espera para uma luta corpo-a-corpo antes de podermos atravessar o rio. E quando se esta sozinho no deserto, que tanto pode ser o subúrbio de nossos dias e o prédio de escritórios, quanto, o que mencionavam os primeiros padres da igreja, demônios de todas as espécies, se aproximam: os que tentam, seduzem, pervertem, provocam projeções e os que nos iludem.
Há sempre uma base de apoio para cada queixa que surge e, quanto mais devastadora fascinante ela for, tanto mais certos poderemos estar de que existe um embasamento arquetípico empregando um sintoma como simbolo, o qual, se melhor compreendido, é não apenas um sofrimento patológico, mas a chance de transformar-se numa experiência religiosa. [...]
James Uillman
Fonte: "Uma busca interior em psicologia e religião"
Tradução Araceli Martins Elman; revisão Jose Joaquim Sobral, Ed. Paulus, 4ª ed., 2004
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/psicologia-psique-m%C3%A1scara-gradinha-2709651/
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