quarta-feira, 5 de agosto de 2020

INTROVERSÃO - INTERIORIZAÇÃO - INTROSPECÇÃO


Os padres monásticos foram sempre lúcidos e simples quanto ao entendimento de que o propósito principal da vida monástica é o de alcançar uma consciência inquebrantável da presença de Deus, a prece incessante. Santo Agostinho escrevendo não apenas aos monges, mas a todos os cristãos, disse que todo o propósito da vida e de todo exercício cristão é o de “abrir os olhos do coração”...

Aqui está a meta da vida cristã, pois ela é o convite que cada um de nós teve o privilégio de receber: o de sermos os discípulos de Jesus. Sempre houve um grande perigo para a verdadeira interiorização, mas ele existe hoje em dia de um modo especial, para nós que vivemos em nossa sociedade acanhada e narcisista, que é o da introversão, o egocentrismo e a auto-análise. A grande prevalência da vulnerabilidade psicológica e da alienação social exacerbam este perigo, quando pedem que se lide com ele com gentileza e compaixão... Ser verdadeiramente interiorizado, é o extremo oposto de ser introvertido. Na percepção da presença que nos habita, nossa consciência é revirada, con-vertida, de forma que não estamos mais olhando para nós mesmos, antecipando ou relembrando emoções, reações, desejos e ideias ou sonhando acordados. Estamos nos voltando para outra coisa. E isto é sempre um problema para nós.

Pensamos que seria mais fácil nos afastarmos da introspecção se soubéssemos para onde devêssemos nos voltar. Se ao menos tivéssemos um determinado objeto para olhar. Se ao menos Deus pudesse ser representado por uma imagem. Mas, o verdadeiro Deus nunca pode ser uma imagem. Imagens de Deus são deuses. Fazermos uma imagem de Deus é, meramente, terminarmos por olhar para uma imagem reformada de nós mesmos. Sermos verdadeiramente interiorizados, abrirmos os olhos do coração, significa estarmos vivendo na visão sem imagens que é fé, e esta é a visão que nos permite "ver Deus". Na fé, a atenção é controlada por um novo Espírito, não mais os espíritos do materialismo, do egoísmo e da auto-preservação, mas o ethos da fé que é, por natureza, não possessivo. Ele está sempre abrindo mão e continuamente renunciando aos prêmios das renúncias, que são muito grandes e, portanto, fazendo-se ainda mais necessário que eles sejam restituídos. Não há desafio mais crucial do que o de adentrar a experiência de se manter centrado-nos-outros. Trata-se do continuado estado estático de despojamento. Podemos vislumbrar isto simplesmente ao nos lembrarmos daqueles momentos ou fases da vida em que experimentamos o mais alto grau de paz, plenitude e alegria, reconhecendo neles, não períodos em que possuíamos alguma coisa, mas períodos em que nos perdemos em algo ou em alguém. O passaporte para o reino demanda o carimbo da pobreza. [...]

E, no entanto, aprender a estar centrado-em-outros é uma disciplina, é um discipulado e implica em ascese. Não há nada mais difícil do que aprender a não estarmos atentos a nós mesmos... Estamos todos inclinados a deixar nossa atenção passear, derivar de volta ao egoísmo, à fascinação consigo mesmo, e quando a atenção fica à deriva nessa correnteza falsa logo voltamos ao estado de distração. Há, então, uma simples verdade a descobrir. Quando a atenção está em Deus, com a visão da fé, tudo nos revela Deus. Quando nossa atenção está em nós mesmos, na cegueira do ego, tudo é distração que nos afasta de Deus.

Parece-nos ser um difícil desafio esse de sempre dirigir nossa atenção para essa visão da fé, até que compreendamos que foi exatamente para isto que fomos criados.


Dom Laurence Freeman, OSB



Fonte: "O Poder da Atenção" - Leitura de 10/08/2008, The Selfless Self (London: DLT, 1989) pp. 31-35.
Tradução de Roldano Giuntoli - Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: Instagram

Nenhum comentário:

Postar um comentário