quarta-feira, 10 de outubro de 2012

PERMANENTES MUDANÇAS E PERMANÊNCIA


Uma nova descoberta da Física está chacoalhando os cientistas. Trata-se da constatação definitiva de que o neutrino [1] possui massa. Isso implicará numa completa revisão da teoria fundamental que descreve os tijolos básicos do Universo, o chamado Modelo Padrão. Além disso, essa constatação tem implicações importantíssimas em Cosmologia. A chamada matéria escura [2], que muito tem incomodado os cientistas, poderia ser explicada como sendo formada pela soma da massa de todos os neutrinos. A notícia foi publicada no caderno Folha Ciência do jornal Folha de São Paulo, edição de 12 de dezembro de 2002, p. A21 e o respectivo artigo científico foi publicado na conceituada revista “Physical Review Letters”(http://prl.aps.org).


Não é a toa que os espíritos, na questão 22 de O Livro dos Espíritos, disseram a Kardec que “... a matéria existe em estados que não conheceis. Ela pode ser, ..., tão etérea e sutil que não produza nenhuma impressão nos vossos sentidos: entretanto, será sempre matéria, ...”. Mencionamos isso pois, curiosamente, nosso organismo é atravessado, num único segundo, por 50 bilhões de neutrinos gerados pelas fontes radioativas do nosso planeta, mais 100 bilhões saídos de reatores nucleares e por mais de 100 trilhões vindos do sol [3]. Neste momento eu não senti nenhum neutrino me atravessado, o leitor sentiu? Mas a verdade é que eles existem e foram confirmados em laboratório, o que confere com a afirmativa dos espíritos. Porém, não é sobre essa afirmativa que desejamos falar. Aliás, ela já é do conhecimento do leitor estudioso e não é preciso maiores comentários a respeito dos resultados científicos que estão de acordo com ela. Desejamos sim destacar uma certa fragilidade das construções teóricas da ciência frente à realidade das coisas e os cuidados que o pesquisador espírita deve ter ao relacioná-las com o Espiritismo. 

Uma das questões mais fundamentais que a Doutrina Espírita trouxe é a definição do Fluido Universal. Um trecho do item 3 do capítulo VI de A Gênese esclarece o tema: “(...) podemos colocar, como princípio absoluto, que todas as substâncias, conhecidas e desconhecidas, por mais dessemelhantes que pareçam, seja sob o ponto de vista de sua constituição íntima, seja sob o aspecto de sua ação recíproca, não são, de fato, mais do que modos diversos sob os quais a matéria se apresenta; senão variedades, nas quais se transformam, sob direção das forças inumeráveis que a governam. (...)”.

O texto acima foi escrito em 1868. Impossível enumerar as conquistas da ciência desde o ano da publicação do citado livro até os dias atuais. No entanto, o que prevalece é que esse e os outros princípios fundamentais do Espiritismo permanecem inalterados mesmo diante de tantas revoluções no conhecimento científico como o surgimento da Física Moderna que abala qualquer um com suas visões da realidade. Aprendemos com os espíritos que o Fluido Universal, princípio elementar material emanado do Criador, possibilita todas as transformações da matéria em suas diversas manifestações (incluindo-se aí o neutrino!). 

O leitor poderia se perguntar: por que os fundamentos básicos do Espiritismo permanecem inalterados e atuais após quase 150 anos enquanto que o Modelo Padrão, comentado anteriormente, que possui alguns anos de vida, terá que passar por sérias revisões? Alguém poderá dizer que isso reflete a sabedoria dos espíritos superiores. Isso está correto, mas ainda não responde à questão. 

Quem elucida o assunto é o professor Silvio Chibeni no artigo da referência [4]. A característica que faz a diferença é o fato de que os princípios fundamentais do Espiritismo se encontram próximos do nível fenomênico, o que permite que a teoria espírita possa ser classificada como fenomenológica[4]. No caso do Modelo Padrão, o “grau de teoricidade” é muito maior devido à grande dificuldade em obter informações através de experiências diretas. Já com o Espiritismo, vemos que a maioria dos seus princípios fundamentais são constantemente verificados cotidianamente. Chibeni cita, como exemplo, a Termodinâmica, que é uma teoria física fenomenológica desenvolvida no século XIX que passou incólume por todas as descobertas revolucionárias do século passado. 

É preciso, portanto, enfatizar o cuidado que os estudiosos e pesquisadores espíritas devem ter ao buscarem nas ciências básicas confirmações para os princípios espíritas. O exemplo ocorrido com os neutrinos reflete, como dissemos, a fragilidade das teorias científicas, mormente, as da Física Moderna. Existem exemplos de enganos sérios na literatura espírita como o caso discutido pelo prof. Ademir Xavier Jr. na referência [5]. 

Agora, um exemplo que nos chamou a atenção pelo fato de ser conhecido de todos nós é o que está acontecendo com o famoso livro “O Tao da Física”[6]. A crítica a esse livro foi divulgada pelo filósofo Ken Wilber, no livro “Quantum Questions”[7]. Segundo Wilber, Capra baseou seu livro sobre os paralelos entre a física de partículas e o Budismo numa teoria em particular conhecida como a Teoria do Bootstrap. Essa teoria diz que não existem objetos irredutíveis e sim relações auto-consistentes entre eles. Porém, hoje em dia, a maioria dos físicos acredita nos objetos irredutíveis (quarks, leptons, bosons), e o Modelo Padrão é a teoria que os descrevem mais aceita na atualidade. Por melhor que tenha sido a intenção de Fritjof Capra, o conteúdo de “O Tao da Física” simplesmente não pode ser mais considerado um “Tao” de acordo com o significado da palavra [8]. 

Podemos concluir daí que a sabedoria dos espíritos e, também, a de Allan Kardec foi além do que imaginávamos. Kardec poderia ter desejado formular propostas teóricas para, por exemplo, explicar a natureza dos fluidos espirituais ou do perispírito e, ainda, os mecanismos da interação com a matéria. Porém, se limitou a discutir a necessidade da sua existência e importância na relação entre espírito e matéria. Se Kardec tivesse tentado formular uma teoria dessas, com base nos conhecimentos da época, provavelmente a Doutrina Espírita teria caído no esquecimento como tendo sido mais uma teoria sem comprovação prática que utilizou princípios teóricos ultrapassados. Porém, ao situar-se bem próximo aos fenômenos, ele selou o Espiritismo com a garantia de resistência a qualquer crítica futura. Como Kardec mesmo disse no item VII da Introdução do Livro dos Espíritos “Na ausência de fatos, a dúvida é a opinião do homem prudente.”[9]. Por isso, caros irmãos espíritas, cuidado na formulação de teorias desta ou daquela natureza! 

Concluindo, devemos ter cuidado ao utilizarmos as teorias modernas das várias ciências na tentativa de validar o Espiritismo porque enquanto a maioria delas ainda passa por permanentes mudanças algumas outras, incluindo-se o Espiritismo, possui um conjunto de princípios básicos permanentes, devido ao fato de estarem mais ligados aos fatos. A consequência direta dessa análise é o fortalecimento de nossa fé (com base nos raciocínios) nessa Doutrina que nos esclarece e orienta sobre a nossa verdadeira origem e o nosso verdadeiro destino.



Alexandre Fontes da Fonseca



Fonte: http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo79.html
REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, ANO LXXVIII, N. 2, p.93, (2003).
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal



Referências e comentários

[1] Partícula elementar da família dos chamados leptons que não possui carga elétrica. Sua existência foi primeiro prevista por Wolfgang Pauli(1900-1958) em 1930, e foi confirmada, experimentalmente, nos anos 50. Ver referência (3).

[2] A matéria escura é uma matéria presente no universo que foi denominada dessa maneira por não emitir radiação detectável. Sua existência foi inferida através do efeito gravitacional sobre outros corpos celestes visíveis. Os estudos indicam que se o neutrino tiver massa, mesmo que bem pequena, os efeitos gravitacionais acima mencionados seriam perfeitamente explicados. Veja referência (3).

[3] Adriano A. Natale e Marcelo M. Guzzo, Ciência Hoje, vol. 25, n.147, p.32 (1999).

[4] Silvio S. Chibeni, Reformador, junho, p.176 (1994).

[5] Ademir L. Xavier Jr., Reformador, agosto, p.244 (1995).

[6] F. Capra, O Tao da Física, Editora Cultrix LTDA, 15a. Edição, (1993).

[7] K. Wilber, Quantum Questions, Shambhala Publications, Boston (2001).

[8] “TAO” significa “caminho”.

[9] Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Edições FEESP, 9a. Edição, (1997).

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