[...] A moral é um instrumento de evolução enquanto procura educar o homem para uma forma de vida mais elevada. Para realizar esta ascensão, o ideal, antecipando o futuro, toma forma concreta em normas de conduta com o objetivo, através de longa repetição, de fazer o indivíduo assimilar hábitos e com isso enriquecê-lo de novas qualidades, de modo a transformá-lo num tipo biológico mais evoluído.
Ora, pode acontecer um choque entre a vontade superior do homem que quer fazê-lo evoluir, e a inferior que resiste, porque rebelde a realizar o esforço que aquela vontade exige para sua própria transformação. Temos uma luta entre o alto e o baixo, isto é, entre dois planos de evolução, um mais avançado e outro menos, o primeiro fazendo pressão para impor-se ao segundo, que ao contrário, quer ficar nas suas velhas e seguras posições, sem o esforço de criar o novo e o risco de aventurar-se no desconhecido. [...]
[...] O contraste resulta evidente em nosso mundo. Aqui a realidade biológica, em pleno vigor, impõe sua lei, bem diversa do ideal, proclamada pelas religiões. Porventura, não pregam estas que é necessário sermos bons? No entanto, o choque surgiu logo que apareceu o homem [...]
[...] Consoante a moral da vida, não há senão duas posições: a do forte, que vence e comanda, e a do débil, que, vencido, deve obedecer. Impondo-se à força, o primeiro expande-se e se satisfaz à custa do segundo; e este, suportando por bondade, retrai-se e renuncia a favor do primeiro. Então, a moral serve para os fortes em prejuízo dos fracos, ou seja, para impor deveres e renúncias a estes últimos, para vantagem daqueles. Em regime de plena moral, triunfa a lei do mais forte, a da Terra, ficando o ideal aqui invertido e vencido. [...]
[...] Isto é inevitável em um mundo de rivalidades, onde a vantagem de um se paga com o dano do outro. O resultado de tudo isso é que a moral, imersa em nossa realidade biológica, reduz-se a um meio para dominar; que bondade e honestidade se tornam defeitos que a vida pune, enquanto força e astúcia são virtudes que ela recompensa. [...]
[...] A religião pode tornar-se não um oásis de super-homens, mas um refúgio de instintos que nela procuram proteção mascarando sua fraqueza sob um manto de virtudes. A moral, então, é feita sobretudo para domar os fortes, que sabem lutar para sobreviver e resistir às restrições à sua expansão vital, e a eles deveria dirigir-se, antes que aos fracos, já por sua natureza submissos, necessitados de defesa. Estes são simples, de boa fé, acreditam com facilidade, enquanto a luta pela vida exige astúcia, desconfiança, sobretudo para com aqueles que os aconselham a crer. Para este ingênuo rebanho de crentes seria mais conveniente uma moral de tipo oposto, não restrito, mas vigorosa, não uma escola de sofrimentos, mas aquela que ensinasse a desvendar todas as velhacarias humanas. Além de virtude, honestidade e fé, uma escola que os habituasse a descobrir todos os truques de falsa moral, torcida a seu serviço pelos mais hábeis para enganar os bons [...]
[...] Estamos, portanto, de pleno acordo com os tempos, porque é exatamente agora que a nova geração está se levantando contra aquela moral do passado. Antes, nós o iniciamos quando esta estava em pleno poder e, portanto, tinha toda a razão. É certo que tais explicações não podem agradar a quem tem interesse que o belo jogo fique escondido e continue. Mas os tempos mudaram, e ele não governa mais. Então, é caridade cristã esclarecer os ingênuos, mesmo que os interessados se rebelem contra isso, com gritos de escândalo, porque terminada a boa-fé, perde-se a clientela. [...]
[...] Observemos, por exemplo, o que é na realidade a virtude da beneficência. Para poder fazê-la é necessário ter os meios isto é, ser rico. Mas, honestamente, apenas à força de trabalho, é difícil tornar-se rico. Então, não se pode fazer beneficência se não se foi primeiramente desonesto para poder enriquecer. O próprio Evangelho diz que se dê aos pobres o supérfluo. Entretanto, para dar aos pobres é necessário antes chegar a possuir. E evidente que não se pode ser generoso se, inicialmente, não se acumulou fortuna. O pobre tem mais em que pensar do que fazer beneficência. Ele está suficientemente oprimido pela sua própria luta, para poder encarregar-se à dos outros e ajudá-los. Assim, a virtude da beneficência permanece um luxo dos ricos, um embelezamento reservado para lhes servir de adorno, é qualidade vedada aos pobres, juntamente com a sua recompensa no paraíso, o que, ao contrário, os ricos esperam como benefício adquirido por direito. [...]
[...] na Terra, ideais, princípios, moral são utilizados para finalidades humanas. Observamos que isso se verifica em todos os campos, tanto em relação ao Cristianismo, como ao Comunismo, tanto para os conservadores, como para os revolucionários. Por exemplo, que objetivos diferentes da santidade se prestaram as Cruzadas! Tudo é utilizado para servir ao que mais convém: guerra, negócios, carreiras, conquistar posições, dominar, desabafar instintos etc. Esta é a realidade basilar, que depois é coberta de santas finalidades. O grande iniciador de cada movimento, com os seus métodos e princípios, em pouco tempo é posto de lado. Isto correu com Cristo, como com Karl Marx. Depois, por necessidade de adaptação à realidade, surge o revisionismo, conhecido pela Igreja. Assim, católicos e protestantes se dividiram, para um destes dois grupos construir um Cristo de acordo com as suas próprias necessidades, que eram diferentes. Com Karl Marx e Lenine, russos e chineses fizeram o mesmo. [...]
Pietro Ubaldi
Fonte: Trechos do capítulo 11 do livro "Um Destino Seguindo Cristo"
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal
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