sábado, 16 de março de 2013

SAMSARA

Samsara tem o sentido literal de “perambulação.” Muitas pessoas pensam que esse é o nome Budista para o lugar em que vivemos no momento – o lugar que abandonamos quando vamos para nibbana (nirvana). Mas nos textos Budistas mais antigos samsara é a resposta, não para a pergunta, “Onde nós estamos?” mas para a pergunta, “O que estamos fazendo?” Ao invés de um lugar, é um processo: a tendência de ficar criando mundos e depois se mudando para dentro deles. À medida que um mundo se desintegra, você cria um outro e lá se instala. Ao mesmo tempo, você dá de cara com outras pessoas que também estão criando os seus próprios mundos.

O jogo e a criatividade desse processo pode algumas vezes ser prazeroso. Na verdade, isso seria perfeitamente inócuo se não causasse tanto sofrimento. Os mundos que criamos insistem em desmoronar e nos matar. Mudar para um novo mundo requer esforço: não somente as dores e riscos do nascimento, mas também os severos golpes – mentais e físicos – que resultam ao passar da infância para a maioridade repetidas vezes. O Buda certa vez perguntou aos seus monges, “O que vocês acham que é maior: a água nos grandes oceanos ou as lágrimas que vocês derramaram nessa perambulação?” A resposta dele: as lágrimas. Pense nisso na próxima vez que estiver mirando o oceano ou brincando nas suas ondas.

Além de criar sofrimento para nós mesmos, os mundos que criamos se alimentam dos mundos dos outros, da mesma forma como o deles se alimenta do nosso. Em alguns casos essa alimentação pode ser prazerosa e benéfica para ambos, mas mesmo nesse caso essa situação terá um fim. De modo mais típico, ela irá causar dano a pelo menos uma das partes na relação, com frequência a ambas. Quando você pensa em todo o sofrimento incorrido para manter apenas uma pessoa vestida, alimentada, abrigada e saudável – o sofrimento tanto daqueles que têm que pagar por essas necessidades, bem como daqueles que labutam ou morrem na sua produção – você verá o quão explorador pode ser mesmo o mais rudimentar processo de construção de mundos.

É por isso que o Buda tentou encontrar o caminho para parar essa ‘samsar-ização’. E uma vez que ele o encontrou, ele encorajou outros a seguí-lo também. Porque a ‘samsar-ização’ é algo que cada um de nós faz e cada um tem que parar isso por si mesmo. Se samsara fosse um lugar, poderia parecer egoísta que uma pessoa buscasse a escapatória, deixando os outros para trás. Mas quando você compreende que é um processo, não há de modo algum nada de egoísta em dar-lhe um fim. É o mesmo que abandonar um vício ou um hábito abusivo. Quando você aprende as habilidades necessárias para parar de criar os seus próprios mundos de sofrimento, você poderá compartir essas habilidades com os outros para que eles possam parar de criar os deles. Ao mesmo tempo, você nunca mais terá que se alimentar dos mundos dos outros, portanto, você estará reduzindo o fardo deles também.

É verdade que o Buda comparava a prática de parar o samsara ao ato de ir de um lugar ao outro: desta margem de um rio para a outra margem. Mas os trechos nos quais ele faz essa comparação, com frequência concluem com um paradoxo: a outra margem não possui um “aqui,” nem um “ali,” nem um “no meio.” Sob essa perspectiva, é óbvio que os parâmetros de tempo e espaço do samsara não se referem ao contexto preexistente no qual perambulamos. Eles são o resultado da nossa perambulação.

Para alguém viciado em construir mundos, a ausência de parâmetros conhecidos soa perturbadora. Mas se você estiver cansado de criar sofrimento incessante e desnecessário, talvez queira tentar algo novo. Afinal, você vai sempre poder recomeçar a construir se a falta de “aqui” ou “ali” resultar maçante. Mas dentre aqueles que aprenderam como romper esse hábito, ninguém se sentiu mais tentado a ‘samsar-izar’ outra vez.



Thanissaro Bhikkhu
(Budismo Theravada)



(Desconheço a fonte do texto)
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

Nenhum comentário:

Postar um comentário