A maioria de nós nunca está só. Você pode se retirar para as montanhas e viver recluso, mas quando está fisicamente por sua conta, terá com você todas as suas ideias, suas experiências, suas tradições, seu conhecimento do que aconteceu. O monge cristão na cela do monastério não está sozinho, está com seu conceito de Jesus, com sua teologia, com as crenças e dogmas de seu condicionamento particular. Do mesmo modo, o “sannyasi” na Índia que se retira do mundo e vive isolado não está só, pois ele também vive com suas memórias. Estou falando de uma solidão em que a mente está totalmente livre do passado, e apenas tal mente é virtuosa, pois apenas nesta solidão existe inocência. Talvez você vá dizer “Isso é pedir muito. Não se pode viver assim neste mundo caótico, onde é preciso ir ao escritório todo dia, ganhar o sustento, manter filhos, aturar a reclamação da esposa ou do marido, e todo o resto”. Mas penso que o que está sendo dito se relaciona diretamente com vida diária e ação; de outro modo, não tem absolutamente valor. Veja, desta solidão vem uma virtude que é viril e que traz um extraordinário senso de pureza e gentileza. Não importa se a pessoa comete erros; isso é de muito pouca importância. O que importa é ter este sentimento de estar completamente só, não contaminado, porque apenas tal mente pode conhecer ou estar consciente daquilo que está além da palavra, além do nome, além de todas as projeções da imaginação.
Um dos fatores do sofrimento é o extraordinário isolamento do homem. Você pode ter companheiros, pode ter deuses, pode ter muito conhecimento, você pode ser extraordinariamente ativo socialmente, fazer fofocas intermináveis sobre política – e muitos políticos fazem fofoca de qualquer jeito – e este isolamento permanece. Assim, o homem procura descobrir significado na vida e inventa um significado, um propósito. Mas o isolamento ainda permanece. Então, pode você olhar para ele sem comparação, apenas vê-lo como ele é, sem tentar correr dele, sem tentar encobri-lo, ou fugir dele? Então você verá que o isolamento se torna algo inteiramente diferente. Nós não estamos sós. Somos o resultado de milhares de influências, milhares de condicionamentos, heranças psicológicas, propaganda, cultura. Não estamos sós e, por isso, somos seres humanos de segunda mão. Quando se está só, totalmente só, não pertencendo a nenhuma família, embora você possa ter uma, nem pertencendo a qualquer nação, qualquer cultura, a qualquer compromisso particular, existe o sentimento de ser um estranho, estranho a toda forma de pensamento, ação, família, nação. E apenas aquele que está completamente só é inocente. É esta inocência que liberta a mente do sofrimento.
Apenas quando a mente é capaz de largar todas as influências, todas as interferências, de ficar completamente sozinha, existe criatividade. No mundo, mais e mais técnicas são desenvolvidas – a técnica de como influenciar pessoas pela propaganda, pela compulsão, pela imitação. Há inumeráveis livros escritos sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar uma máquina; assim, gradualmente estamos perdendo a iniciativa, a iniciativa de pensarmos alguma coisa original por nós mesmos. Em nossa educação, em nossa relação com o governo, através de vários meios, estamos sendo influenciados a nos conformar, a imitar. E quando permitimos que uma influência nos induza a uma atitude ou ação particular, naturalmente criamos resistência a outras influências. Nesse próprio processo de criar uma resistência a outra influência, não estamos sucumbindo a ela negativamente? A mente não deveria estar sempre em revolta de modo a compreender as influências que estão sempre impingindo, interferindo, controlando, moldando? Um dos fatores da mente medíocre não é que ela está sempre amedrontada e, estando em estado de confusão, ela quer ordem, quer consistência, quer uma forma, um molde com o qual ela possa ser guiada e controlada? E, contudo, estas formas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, criam confusão no individuo. Qualquer escolha entre influências é certamente ainda um estado de mediocridade. Não deve a mente ter a capacidade de sondar – não de imitar, não de ser moldada e estar sem medo? Não deveria tal mente ser só e, consequentemente, criativa? Essa criatividade não é sua ou minha, ela é anônima.
J. Krishnamurti
Fonte: The Book of Life
http://www.jkrishnamurti.org/pt
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal
Nenhum comentário:
Postar um comentário