quinta-feira, 9 de outubro de 2014

OUVINDO A SI MESMO - SEM ESFORÇO - COM LIBERDADE - SEM PENSAMENTO - ALÉM DO RUÍDO DAS PALAVRAS - SEM BARREIRAS - COM CALMA

Enquanto estou aqui lhe ouvindo, parece que compreendo tudo, mas quando estou fora daqui, não compreendo, mesmo que eu tente aplicar o que você disse.

Você está ouvindo a si mesmo, e não ao orador. Se estiver ouvindo ao orador, ele se torna seu líder, seu meio de compreensão – o que é um horror, uma abominação, pois assim você estabeleceu uma hierarquia de autoridade. Então, o que você está fazendo aqui é ouvir a si mesmo. Você está olhando para o quadro que o orador pinta, que é seu próprio quadro, não o do orador. Se isto estiver muito claro, que você está olhando para si mesmo, então você pode dizer, “Bem, eu estou me vendo como sou, e não quero fazer nada sobre isto” e é o fim disto. Mas se você diz, “Eu vejo a mim mesmo, e deve haver uma mudança”, então você começa a trabalhar a partir de sua própria compreensão o que é inteiramente diferente de aplicar o que o orador está dizendo. Mas se, conforme o orador fala, você está ouvindo a si mesmo, então, a partir desse ouvir há clareza, há sensibilidade; a partir desse ouvir a mente fica saudável, forte. Não obedecendo nem resistindo, ela fica viva, intensa e é apenas tal ser humano que pode criar uma nova geração, um novo mundo.

Você está me ouvindo agora; não está fazendo esforço para prestar atenção, está apenas ouvindo; e se houver verdade no que você escuta, perceberá uma mudança notável acontecendo em você – uma mudança que não é premeditada ou desejada, uma transformação, uma completa revolução em que só a verdade é mestre e não as criações de sua mente. E se me permite sugerir, você deve ouvir a tudo desse modo – não apenas ao que eu estou dizendo, mas também ao que outras pessoas dizem, aos pássaros, ao apito de uma locomotiva, ao barulho do ônibus passando. Você descobrirá que quanto mais você ouve a tudo, maior é o silêncio, e esse silêncio, então, não é quebrado pelo barulho. Só quando você resiste a alguma coisa, quando está colocando uma barreira entre você mesmo e aquilo que você não quer ouvir, só então é que existe luta.

Quando você faz esforço para ouvir, está ouvindo? Esse próprio esforço não é uma distração que impede o ouvir? Você faz um esforço quando ouve uma coisa que o alegra?... Você não está cônscio da verdade, nem vê o falso como falso, enquanto sua mente estiver ocupada de algum modo com o esforço, com comparação, com justificação ou condenação. O ouvir em si é um ato completo; o ato de ouvir traz sua própria liberdade. Mas estamos realmente interessados em ouvir, ou em alterar o tumulto interior? Se você ouvisse... no sentido de estar cônscio de seus conflitos e contradições sem forçá-los em nenhum padrão particular de pensamento, talvez eles pudessem cessar completamente. Veja, estamos sempre tentando ser isto ou aquilo, chegar a um estado particular, capturar algum tipo de experiência e evitar outro, então a mente fica sempre ocupada com alguma coisa; ela nunca está imóvel para ouvir o ruído de suas próprias lutas e dores. Seja simples... e não tente se tornar uma coisa ou capturar uma experiência.

Ouvir não é uma arte fácil, mas nela há grande beleza e compreensão. Nós ouvimos com as várias profundidades de nosso ser, mas nosso ouvir é sempre com uma preconcepção ou a partir de um ponto de vista particular. Nós não ouvimos simplesmente; há sempre a barreira da interferência de nossos próprios pensamentos, conclusões e preconceitos. Para ouvir deve haver uma quietude interior, uma liberdade da tensão de adquirir, uma atenção relaxada. Este estado passivo, mas alertado é capaz de ouvir o que está além da conclusão verbal. Palavras confundem; elas são apenas o meio exterior da comunicação, mas para comungar além do ruído das palavras, deve haver no ouvir uma passividade alertada. Aqueles que amam podem ouvir; mas é extremamente raro encontrar um ouvinte. A maioria de nós busca resultados, metas atingidas; estamos para sempre superando e conquistando, e assim não há ouvir. Apenas no ouvir pode se escutar a canção das palavras.

Eu não sei se você já ouviu um pássaro. Ouvir alguma coisa demanda que sua mente esteja quieta – não numa quietude mística, mas apenas quietude. Eu estou lhe dizendo algo, e para me ouvir você tem que estar quieto, não ter todo tipo de ideias buzinando em sua mente. Quando você olha para uma flor, você olha para ela, não dá nome nem classifica, não diz que pertence a determinada espécie; quando você faz estas coisas, deixa de olhar para ela. Assim, estou dizendo que uma das coisas mais difíceis é ouvir – ouvir ao comunista, ao socialista, ao congressista, capitalista, qualquer um, sua esposa, seus filhos, seu vizinho, o motorista do ônibus, o pássaro – apenas ouvir. Só quando você ouve sem a ideia, sem pensamento, você está diretamente em contato; e estando em contato, você compreenderá se o que ele está dizendo é verdadeiro ou falso; você não tem que discutir.

Como você ouve? Você ouve com suas projeções, através de sua projeção, através de suas ambições, desejos, medos, angústias, escutando apenas o que quer escutar, apenas o que vai ser satisfatório, o que vai gratificar, o que dará conforto, o que aliviará seu sofrimento por um momento? Se você ouve através da barreira de seus desejos, então, obviamente, ouve sua própria voz; está ouvindo seus próprios desejos. E existe alguma outra forma de ouvir? Não é importante descobrir como ouvir não só ao que está sendo dito, mas a tudo – ao ruído das ruas, ao chilrear dos pássaros, ao ruído do bonde, ao mar agitado, à voz de seu marido, sua esposa, seus amigos, ao choro do bebê? Ouvir tem importância apenas quando não se está projetando os próprios desejos através dos quais se escuta. Pode a pessoa deixar de lado todas estas barreiras através das quais se ouve, e realmente ouvir?

Você já sentou silenciosamente, não com sua atenção fixada em alguma coisa, não fazendo esforço para se concentrar, mas com a mente muito quieta, realmente imóvel? Então você escuta tudo, não escuta? Escuta os ruídos distantes assim como os mais próximos e aqueles que estão muito perto, os sons imediatos; o que significa realmente que você está ouvindo tudo. Sua mente não está confinada a um estreito e pequeno canal. Se você puder ouvir assim, ouvir com calma, sem tensão, descobrirá uma grande mudança acontecendo em você, uma mudança que chega sem sua vontade, sem seu pedido; e nessa mudança há uma grande beleza e profundo insight.




J. Krishnamurti





Fonte: The Book of Life
http://www.jkrishnamurti.org/pt
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

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