Quando a força da fé atua livremente na pessoa humana, ela nos impele a experimentar uma realidade que está além de palavras, imagens e ideias. Então, descobrimos que os filtros das metáforas, por mais úteis e necessários que eles sejam em um determinado nível, também, podem (e precisam) ser desativados para que a fé cresça. Como em toda característica humana, crescemos na fé, ou a fé se exaure e morre. A fé contém o eterno anseio, que todos sentimos, de enxergar a realidade tal como ela é. “Amados”, assim disse São João, “desde já somos filhos de Deus, mas o que nós seremos ainda não se manifestou. Sabemos que por ocasião desta manifestação seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é. Todo o que nele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo como também ele é puro” (1Jo 3:2-3). Enxergar a Deus é tornar-se como Deus. A condição dessa visão é a pureza. Em grande parte da religião, todavia, onde quer que a fé esteja restrita à crença ou ao ritual, a pureza é um empilhamento de filtros que se adicionam a camadas intervenientes. No núcleo de cada religião, no entanto, está o inerradicável conhecimento místico, aquela visão 20/20 da realidade, sem filtros, não mediada pela metáfora. A maioria de nós nunca a consegue inteiramente, mas a intuição de que isso assim é, faz parte da profunda natureza da própria fé.
Enxergarmos a realidade tal como ela é ou, ao menos, nos libertarmos progressivamente de alguns dos filtros representa um dos maiores atos de fé. Ele expressa a face confiante da fé, pois nosso apego às crenças e rituais de nossa tradição (mais do que nos próprios rituais e crenças) se transforma em uma segurança falsa e falsificante. E assim, muitas pessoas profundamente religiosas sentem uma aversão ou antipatia à meditação, pois ela parece (e na realidade ela o faz) minar as fronteiras seguras que protegem nossa visão de mundo e nossa sensação de sermos mais elevadamente diferentes dos outros.
Um caminho de fé, entretanto, não é uma adesão teimosa a um ponto de vista, e aos sistemas de crenças e tradições rituais que o expressam. Isso faria dele apenas ideologia ou sectarismo, e não fé. Fé é uma jornada transformadora que demanda que nos “mudemos” para além e através de nossas estruturas de crenças e de nossas observações exteriores, sem trair ou rejeitar as mesmas, mas também sem nos deixarmos capturar pelas armadilhas de suas formas de expressão. São Paulo falou do Caminho da salvação como se iniciando e terminando na fé. Fé é, assim, uma finalidade-aberta, desde o verdadeiro início da jornada humana. É natural que precisemos de uma estrutura, um sistema e tradição. [Porém] caso estejamos centrados neles, de maneira estável, desdobrar-se-á o processo da mudança e nossa perspectiva da verdade crescerá continuadamente.
Dom Laurence Freeman, OSB
Fonte: "Caríssimos amigos" - Leitura de 16/11/2008
WCCM International Newsletter, vol. 32, no. 3, setembro de 2008, p. 4
Tradução de Roldano Giuntoli
Comunidade Mundial de Meditação Cristã - www.wccm.com.br
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/todos-os-santos-christian-santo-f%C3%A9-2887463/
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