sábado, 16 de janeiro de 2021

A MEDITAÇÃO E O "VOLTAR PARA A CASA"


Todos nós tropeçamos de muitas maneiras. Bem o lembra São João. O problema não é tanto o tropeço – que é apenas humano e tudo o que é humano é perdoável – mas se trata sobretudo de reconhecê-lo e ser honesto em cada caso. Somente com a plena consciência e um coração humilde é que podemos impedir que o tropeço se transforme em padrão que, eventual e obstinadamente, passemos a defendê-lo e a justificá-lo com real orgulho.

Este é um fator tão essencial a todo o crescimento espiritual que não é de estranhar que cada tradição construa uma metodologia e cultura para ajudar as pessoas a lidar com seus tropeços e apostasia*, assim como, especialmente, seus padrões fixos de mau comportamento. Todas as tradições concordam, de modo similar, que fazer esse trabalho é a essência da paz.

Como vivemos em tempos tão violentos e ansiosos, nos beneficiamos ao vermos a meditação como um "caminho da paz" que começa corrigindo nossos próprios desequilíbrios, mas logo se estende para toda a rede de relações que nos fazem a pessoa que somos...

Em todo as partes do mundo as pessoas acham que a melhor forma de descrever a experiência da meditação é a de, simplesmente, um 'voltar para casa'. Os lugares onde você medita regularmente vão se tornando um lar espiritual. Acho que isso explica o significado do sentido do sagrado que nós sentimos em lugares como monastérios ou cavernas antigas onde pessoas procuravam e encontravam seus quartos interiores; porque um lar espiritual não é a casa apenas para aqueles que vivem lá, mas torna-se um lar para toda a humanidade...

A consciência humana evoluída vê a inutilidade da violência na resolução dos conflitos de interesse que o ego cria. Ela vê isso tão claramente quanto vê a consciência humana degradada desfrutar das emoções da violência e do crescente poder da crueldade. A mente esclarecida percebe que a violência é sempre uma energia equivocada e que uma melhor forma de vida é sempre possível. Mas o ego é apenas uma etapa na evolução da consciência. Somente se transcendermos, integrá-lo e passarmos para a próxima fase, a experiência da unidade que acaba com a divisão, poderemos encontrar o verdadeiro significado da paz. Até que este momento-limite transcendente chegue, a paz apenas oscila, as negociações de paz falham, os cessar-fogos entram em colapso...

Nunca foi fácil, em qualquer momento da evolução humana, aceitar esse caminho, porque o ego resiste e o nega com todo vigor. No consumismo moderno, baseado na rápida gratificação de todos os desejos através dos milagres da tecnologia e as ilusões da riqueza, isso se torna mais difícil do que nunca. No entanto, os próprios excessos e as armadilhas da nossa cultura fornecem, muitas vezes, as oportunidades para restaurar nossa capacidade para o conhecimento e para a paz, da qual temos sede. Para aliviar o estresse, para buscar sentido na superficialidade da riqueza, para recuperar a saúde dos relacionamentos e a alegria do ser natural, para reaprender como trabalhar feliz – tudo que muitas vezes falta em modernos padrões de vida – nossa necessidade dessas qualidades humanas nos reconduz à sabedoria antiga...

* Apostasia: afastamento de alguma coisa, renúncia, descrença.



Dom Laurence Freeman, OSB



Fonte: Extratos de "Uma carta de Dom Laurence Freeman", Boletim Meditatio, setembro, 2014
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/mundo-harmonia-continentes-terra-3043067/

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