(...) A chave para a unidade interior que leva à simplicidade é (...) focar plena e conscientemente em Deus. Na medida em que permitimos que as realidades da vida - por mais importantes que sejam - nos afastem dos fundamentos, mesmo que momentaneamente, caímos na dispersão que leva a um coração dividido. E o resultado dessa falta de coerência entre a centralidade de Deus, em que cremos, e as realidades que nos absorvem é o cansaço e a falta de frutos em nossas vidas.
Por outro lado, um olho são, limpo e simples dá-nos um coração unificado, que tem um único amor, do qual brota tudo o que procura e deseja, que é uma coisa: Deus. Para chegar lá, é preciso percorrer o caminho da unificação de tudo em Deus: um itinerário espiritual que envolve um sério trabalho ascético de vitória para reconhecer Deus em tudo, distingui-lo de qualquer realidade que não seja ele e centrar o olhar e o coração, com amor exclusivo, nele. O sinal de que você está avançando nesse caminho é a paz sobrenatural e o fruto que ela produz em si mesmo e nos outros.
Tudo isso não pode ser reduzido a um exercício circunstancial realizado em algum momento singular, mas deve conformar-se ao habitual "tom" de nossa vida ordinária, que serve como exercício permanente para realizar o indispensável discernimento de escolher Deus como "único necessário" a cada momento e viver o momento presente com toda intensidade sobrenatural.
"Marta, Marta, você está inquieta e preocupada com muitas coisas; apenas uma é necessária. Maria, então, escolheu a melhor parte, e não lhe será tirada." (Lc 10,41-42)
Este não é um aspecto tangencial da espiritualidade cristã, mas um elemento importante dela. Isso fica claro, por exemplo, por São Tomás de Aquino explicando a profunda relação que existe entre simplicidade e verdade, a ponto de se identificar.
A simplicidade, como o próprio nome sugere, é o oposto da duplicidade, que consiste em pensar uma coisa e dizer outra. Portanto, a simplicidade pertence à virtude da veracidade. E retifica a intenção não diretamente, pois esta é típica de toda virtude, mas exclui a duplicidade por desacordo entre o que se pretende e o que se manifesta. [1]
A virtude da simplicidade e a da verdade são, na realidade, a mesma e diferem apenas com uma distinção de razão, pois em um caso se chama verdade por causa da concordância dos sinais com o significado, e em outro simplicidade, porque não se propõe objetivos diversos, a saber: fingir internamente uma coisa e externamente expressar outra diferente. [2]
Se formos capazes de aplicar a verdade aos eventos que nos acontecem e à nossa própria vida interior, tudo será simplificado imediatamente (...).
Agora, para alcançar a simplicidade, é preciso ir além da mera veracidade, que evita enganos e mentiras. São Tomás fala da "verdade da vida", diferente da verdade que consiste em declarar as coisas como são. A vida é verdadeira quando se adapta ao seu ser autêntico, ao que Deus tem em mente para o ser humano e para cada pessoa. Podemos dizer que temos uma vida "verdadeira" na medida em que ela está de acordo com o plano de Deus. E esta verdade da vida equivale à simplicidade do coração. O homem simples (simples, reto e íntegro) é primeiro o que deve ser, e depois manifesta, sem engano, o que é.
Comentando o texto de 2Co 1,12, São Tomás identifica a retidão de consciência com a simplicidade do coração: "O motivo de nosso orgulho é o testemunho de nossa consciência: ela nos assegura que procedamos com todo o mundo, e sobretudo convosco, com a sinceridade [simplicidade] [3] e honestidade de Deus, e não pela sabedoria carnal, mas pela graça de Deus”. Vemos que a simplicidade consiste, ao mesmo tempo, em manter a intenção dirigida a Deus com justiça e em fazer, de fato, o que é bom em si, a sinceridade da ação. Tudo isso se opõe à sabedoria da carne, que é o oposto da simplicidade. [4]
Recordemos, neste sentido, que São Paulo recomenda simplicidade de coração aos servos a serviço de seus senhores; uma simplicidade que se alcança olhando para Cristo e cumprindo a vontade de Deus, e se manifesta em obras: "Escravos, obedeçam a seus senhores na Terra com respeito e temor, com a simplicidade de seu coração, como Cristo. Não pelas aparências, para parecer bem diante dos homens, mas como servos de Cristo que fazem, de coração, o que Deus quer, voluntariamente, como quem serve ao Senhor e não aos homens." (Ef 6:5-7)
Assim, no caso dos escravos, a simplicidade de coração consiste em agirem não em face de seus senhores, para agradá-los com aparências, mas como servos de Cristo, o que demonstram fazendo a vontade de Deus. É por isso que ele pode dizer a todos nós: "Tudo o que fizerdes, fazei-o de toda a vossa alma, como para servir ao Senhor e não aos homens." (Cl 3,23) Assim, segundo Santo Tomás, a simplicidade une a verdade do coração e a verdade das obras, de modo que a simplicidade leva a obedecer com retidão a vontade de Deus. [5]
Comentando a carta aos Filipenses, São Tomás dá-nos a razão última da simplicidade do cristão, que é que somos filhos de Deus e devemos assemelhar-nos a Ele em tudo, também na sua simplicidade: «Faça o que fizer, seja sem protestos nem argumentos Assim sereis irrepreensíveis e humildes, filhos de Deus sem mácula.” (Fp 2,14-15) Isso só se consegue ser alcançado dirigindo permanentemente o nosso olhar para Deus e mantendo a intenção unificada no Uno. [6]
Consequentemente, para ser simples, é preciso agir com retidão de intenção, de modo que o que realmente queremos e buscamos seja cumprir a vontade de Deus, direcionando conscientemente toda a nossa vida para Deus e evitando que outros interesses se infiltrem. Por isso é muito importante que nos esforcemos para "purificar a intenção". (...)
(Texto completo no sítio infra especificado)
Notas:
[1] Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 109, a. 2.
[3] El texto griego dice ἁπλότητι, como Mt 6,22, y la Vulgata en latín traduce simplicitate.
[4] Cf. Santo Tomás de Aquino, In II ad Corinthios, cap. 1, lect. 4, n. 32, citado por Pablo Martí, La simplicidad moral en el hombre (https://mercaba.org/FICHAS/VyV/lsmeeh.pdf).
[5] Santo Tomás de Aquino, In ad Ephesios, cap. 6, lect. 2, 344-348. En In ad Colossenses, cap. 3, lect. 4, n. 178, se refiere a un texto similar: «Esclavos, obedeced en todo a vuestros amos humanos, no por servilismo o respetos humanos, sino con sencillez (ἁπλότητι / simplicitate) y temor del Señor» (Col 3,22), en el que relaciona la simplicidad con el temor de Dios.
[6] Santo Tomás de Aquino, In ad Philipenses, cap. 2, lect. 4, n. 81.
Fonte: Hermandad de Contemplativos en el Mundo
https://contemplativos.com/retiro-espiritual/la-simplicidad-espiritual/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/photos/dente-de-le%c3%a3o-flor-espiritual-seixo-864963/
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