segunda-feira, 17 de junho de 2013

ANTÍGONA (de Sófocles)


Considerando-se o aspecto da situação de confronto entre o humano e o divino, podemos verificar alguns detalhes a respeito dos limites entre o arbítrio humano e os preceitos divinos; uma marcante atuação do "logos" e do "mythos", ou uma oposição acentuada entre os deveres do Estado ("polis") e os deveres da família (Hegel) fortemente ligada ao "mythos", à religiosidade.

A discussão das honras negadas a um morto, Polinice, faz com que Antígona resolva dar-lhe sepultura, em aberto desrespeito aos decretos do novo governante, Creonte, de não sepultar Polinice, deixando-o exposto às aves. Antígona diz que tais decretos não foram promulgados por Zeus, "... nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas ...". Confrontam-se, assim, as leis humanas às leis divinas. E Antígona prefere as últimas porque são obrigações sagradas. Eis a divergência dos deveres do Estado e os da família, ambos igualmente válidos.

Em meio a este conflito, Antígona, exemplo de amor fraternal e coragem ("Eu não nasci para partilhar de ódios, mas somente de amor!"), resolve expor-se ao perigo ao contrariar o decreto do tirano (Creonte). Isto é bem explícito no texto se observarmos as palavras de Antígona: "... e meu crime será louvado, pois o tempo que terei para os mortos é bem mais longo do que o consagrado aos vivos ...". Em Ismene (sua irmã) lemos as palavras: "... pensa na morte ainda mais terrível que teremos se contrariarmos o decreto e o poder de nossos governantes!". Ismene é tímida, reconhece a injustiça do decreto mas prefere acatá-lo.

É interessante destacar que a formação democrática dos atenienses desaprova também o decreto. Este decreto parece não sintonizar com a vontade democrática da "polis" que tem agora um tirano à sua frente.

Em todos os regimes políticos podemos encontrar os contrastes de liberdade e tirania, e mesmo na religião também os encontramos. Isto faz parte da natureza humana e se manifesta em qualquer época.

Para Antígona, as leis divinas estão acima de decretos humanos: "... as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis, não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! ...".

O caráter religioso e o mito estão sempre presentes no homem porque fazem parte da condição humana. Não são leis ou decretos, em qualquer regime político ou social, que podem excluir esta condição humana. É um confronto que parece não ter fim ou solução ideal. Desde a aurora humana até aos dias atuais encontramos esta oposição. E tudo indica ser uma limitação humana ainda sem perspectivas de uma solução ideal. Este confronto está no íntimo de todos, é universal, é doloroso. Até Creonte, o tirano, temendo os presságios de Tirésias, o moderado, cede ao seu "mythos" interior: "... ceder, é duro; mas resistir, e provocar desgraça certa, não o é menos!".

O que fazer o ser humano diante a confrontos e contradições públicas e privadas, diante do humano e o divino, diante do "mythos" e do "logos", diante de sua consciência e a tirania, diante da ponderação e a irreflexão? Vê-se que é um problema universal e que excita o homem em qualquer época; é atemporal.

A religião, como a política, atualmente, tornou-se um palco, um circo, um negócio muito lucrativo. Hoje já nem se fala tanto na Igreja Católica, mestra antiga no que se refere à sede de poder, ouro, corrupção, crime e falsidade, mas salta aos nossos olhos o "evangelismo" multinacional, estelionatários e enganadores que assaltam e fanatizam as multidões sem discernimento. Porém, a verdadeira educação advirá e as Leis Divinas estarão acima das leis dos homens, acima dos que se (auto)intitulam "intermediários" e "sábios do divino".

A evolução não pára. A Verdade sempre será a Verdade, mesmo que pervertida temporariamente pelos homens. E o caminho para a Verdade somente será encontrado na genuína fé, na boa vontade, no desinteresse, na busca sincera, com crivo e discernimento. Sejamos como Antígona: o Divino está acima dos interesses humanos (interesses geralmente disfarçados de lei, de pregadores, de "milagres", de "iluminação" instantânea, de intermediários, de "bênçãos"...).

Talvez cada um tenha que encontrar seu próprio caminho como solução de conforto e convicção como o fez Antígona. Pois o homem é perigosamente grande para a inclinação ao que é menos digno, ao mesmo tempo que é grande para a concretização da bondade, da justiça e do amor profundo. A contradição é visível, mas a solução e a busca é também intrínseca ao ser humano.




Prof. Hermes Edgar Machado Junior (Issarrar Ben Kanaan)



Fonte da Imagem: Acervo de autoria pessoal

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