quinta-feira, 10 de julho de 2014

SONO E SONHOS (ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ANTROPOSÓFICAS)

(...) Um estado intermediário entre a vigília e o sono — eis o que é sonho.

O que as vivências oníricas oferecem a uma observação sensata é o multifário entretecimento de um mundo de imagens, o qual, no entanto, também abriga algo de normas e leis. Emersão e imersão, muitas vezes em sequências desordenadas, é o que à primeira vista esse mundo parece revelar. Em sua vida onírica o homem está desligado da lei da consciência de vigília, que o acorrenta à percepção dos sentidos e às normas de seu juízo. Não obstante, o sonho possui algo das misteriosas leis que são estimulantes e atraentes para o pressentimento humano, sendo a causa mais profunda do fato de se gostar de comparar sempre com o "sonhar" aquele admirável jogo de fantasia subjacente à sensibilidade artística. Basta lembrarmos alguns sonhos característicos para ver corroborada esta afirmação.

Uma pessoa sonha, por exemplo, estar rechaçando um cão que investe contra ela. Uma vez desperta, ela verifica que estava inconscientemente afastando de si uma parte do cobertor que se posicionara de modo não-habitual junto a seu corpo e, portanto, causara seu desconforto. O que, nesse caso, a vida onírica provoca a partir do fato sensorialmente perceptível? O que os sentidos perceberiam no estado de vigília a vida do sono deixa, de início, repousar inteiramente no inconsciente. Contudo esta retém algo essencial, ou seja, o fato de o homem querer afastar algo de si. Em torno disso, tece um processo metafórico. As imagens, como tais, são ecos da vida diurna desperta. A maneira como são extraídas dela possui algo de arbitrário. Cada qual tem a sensação de que o sonho, na mesma circunstância, poderia simular-lhe também outras imagens; porém a sensação de que a pessoa tem de afastar algo seria expressa simbolicamente. O sonho cria símbolos; ele é um simbolizador.

Também processos interiores podem transformar-se em tais sonhos simbólicos. Uma pessoa sonha que um incêndio crepita a seu lado; ela vê as labaredas no sonho. Desperta e sente que se cobriu demais, tendo ficado com calor. A sensação de calor excessivo se expressa simbolicamente na imagem.

Vivências muito dramáticas podem desenrolar-se no sonho. Alguém sonha, por exemplo, que está na beira de um precipício. Vê uma criança aproximar-se correndo. O sonho o faz vivenciar todos os tormentos causados pela ideia de uma possível desatenção da criança, ocasionando sua queda no abismo. Ele a vê cair e ouve o baque surdo do corpo no fundo. Desperta e verifica que um objeto pendurado na parede do quarto se desprendeu, provocando um ruído surdo ao cair. Esse simples incidente é expresso pela vida onírica num processo que se desenrola em imagens emocionantes. Por ora não é preciso ficar refletindo sobre como, neste último exemplo, o instante do choque de um objeto pode ter-se desdobrado numa série de fatos, parecendo estender-se por um certo lapso de tempo; basta considerar como o sonho transforma em imagem o que seria oferecido pela percepção sensorial desperta.

Vê-se, pois, que tão logo se interrompe a atividade dos sentidos, vigora no homem um elemento criador. Trata-se do mesmo elemento criador que também está presente no sono totalmente livre de sonhos, representando o oposto do estado anímico de vigília.

Para que se introduza esse sono sem sonhos, o corpo astral precisa ter-se retirado dos corpos físico e etérico. Durante o sonho, ele está separado do corpo físico na medida em que não possui mais ligação com seus órgãos sensoriais, mantendo, porém, ainda certa ligação com o corpo etérico. O fato de os processos do corpo astral poderem ser observados pictoricamente resulta dessa sua ligação com o corpo etérico. No momento em que cessa também essa ligação, as imagens submergem nas trevas da inconsciência, advindo o sono sem sonhos. O caráter arbitrário e frequentemente absurdo das imagens oníricas deve-se ao fato de o corpo astral, por causa de sua separação dos órgãos sensoriais do corpo físico, não ser capaz de relacionar suas imagens com os corretos objetos e ocorrências do mundo exterior.

Especialmente esclarecedora para esse caso é a observação de um sonho em que o eu, por assim dizer, se desagrega — quando alguém, por exemplo, sonha que é aluno e não sabe responder a uma pergunta do professor, ao passo que imediatamente depois o próprio professor a responde. Não podendo utilizar, durante o sonho, os órgãos perceptivos de seu corpo físico, ele não consegue relacionar ambos os processos consigo próprio, com a mesma pessoa. Portanto, também para reconhecer a si próprio como um eu permanente o homem precisa, de início, estar equipado com órgãos perceptivos exteriores. Só tendo adquirido a faculdade de tornar-se consciente de seu eu, por outros meios que não tais órgãos perceptivos, é que o homem poderia perceber, além de seu corpo físico, também o eu perene. A consciência supra-sensível deve adquirir tais faculdades... (...)





Rudolf Steiner






Fonte: do livro "A Ciência Oculta", 4ª ed.
Sociedade Antroposófica
Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

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