A busca do silêncio contemplativo nos hesicastas
O hesicasmo é a tradição mística do Oriente. (1) Nessa tradição, se enfatiza a necessidade da oração descer ao coração. O monge que ensinou a oração ao peregrino lhe leu uma passagem da Filocalia onde “São Simeão, o Novo Teólogo”, diz:
"Permanece sentado no silêncio e na solidão, inclina a cabeça, fecha os olhos; respira mais devagar, olha, pela imaginação, para o interior de teu coração, concentra tua inteligência, isto é, teu pensamento, da tua cabeça para teu coração. Dize, ao respirar: 'Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim', em voz baixa, ou simplesmente em espírito. Esforça-te para afastar todos os pensamentos, sê paciente e repete muitas vezes esse exercício. (2)
(...) Ao cabo de certo tempo, senti que a oração por si só passava para meu coração, isto é, que meu coração, ao bater regularmente, ia recitando as santas palavras no ritmo das batidas, por exemplo: 1 – Senhor, 2 – Jesus, 3 – Cristo, e assim por diante." (3)
Segundo os monges do deserto, esse é o caminho mais seguro para Deus. Nouwen cita Arsênio: “Muitas vezes me arrependi de ter falado”, disse Arsênio, “mas nunca de ter permanecido em silêncio”. (4) O silêncio é precioso. A partir do silêncio, as palavras adquirem um significado mais profundo. Como diz Leloup: “Pela palavra, gastamos muita energia, e pelo silêncio, recolhemos esta energia, que nos tornará capazes de dizer ‘palavras dignas do silêncio’, tão fortes como ele”. (5) Somente quem sabe silenciar, também sabe escutar. (6) “O silêncio dos lábios para os antigos devia levar ao silêncio do coração que, por sua vez, podia levar ao silêncio do Espírito”. (7) Contudo, não podemos esquecer que esse silêncio é dom de Deus. Thomas Merton o descreve:
"Assim como Moisés, na solidão do Monte Horeb, conduziu seus rebanhos até as regiões mais recônditas do deserto e, ali, contemplou a sarça ardente e ouviu a voz que lhe falou, aprendendo dessa voz o Nome Santo e indizível de Deus, assim também, penetra o monge no ermo, pelo silêncio e a perfeita solidão. Ali, descobre a ‘sarça ardente’, isto é, o seu próprio espírito, que arde como o fogo de Deus sem se consumir. Para contemplar esse tremendo mistério deve imitar Moisés e retirar as ‘sandálias’ de seus pés – ou elevar-se acima de todos os conceitos que possa ter sobre Deus, pois o Deus de quem ele se aproxima não é um mero ‘objeto’ capaz de ser contido dentro dos limites de um conceito. É o Deus Vivo, ardendo como chama intangível, na própria substância de nosso espírito, que dele recebe toda a sua vida. Só a alma que arde nessa chama divina pode percebê-lo. A chama de Deus é a chama de pura vida, do Ser Infinito, da Realidade Absoluta. Só o podem conhecer aqueles que abandonaram toda falsidade e ilusão, toda mentira e fingimento. Mais que isso, abandonaram-se a si próprios, elevaram-se acima de si mesmos, passando além de si. Transcendendo-se desse modo, realizaram-se com a máxima perfeição, não mais vivendo em si mesmos, mas nele." (8)
A busca do silêncio contemplativo nos místicos cristãos
Segundo o Frei Patrício, “os místicos são atraídos pelo mistério; eles não querem compreender, querem permanecer a contemplar silenciosamente o mistério.” (9) Para contemplar silenciosamente o mistério, se faz necessária a solidão. A solidão propicia o silêncio, que auxilia na contemplação do mistério. A solidão “tem por finalidade colocar a alma em estado de silêncio e receptividade, para que se abram as profundezas espirituais à ação do Espírito Santo, que faz conhecer os mistérios do reino de Deus e nos ensina as insondáveis riquezas do amor e da sabedoria de Cristo”. (10) O monge beneditino Anselm Grün nos fala da mística cristã:
"De uma maneira substancialmente mais otimista fala-se da experiência silenciosa de Deus na mística alemã da Idade Média. Para Mestre Eckhart, Johannes Tauler e Heinrich Seuse, o degrau mais elevado da oração é a união silenciosa com o mais profundo da alma, onde o próprio Deus repousa sem qualquer imagem. Quando nos desvinculamos de todas as nossas imagens, e mergulhamos no fundamento mais íntimo de nós mesmos livre de toda e qualquer imagem, então nós somos um com Deus. Mestre Eckhart acha que as imagens que fazemos de Deus podem impedir que o próprio Deus entre em nós: ‘A própria imagem criada que se fixe em ti é tão grande como Deus: ela impede a presença de Deus inteiramente. Na medida em que esta imagem penetra em ti, Deus tem que ceder lugar, e na medida em que ela sai Deus entra’". (11)
É como se houvesse um desnudar do ser humano de todas as imagens e ideias, desbloqueando o caminho para Deus. “Quando tivermos renunciado a todos os pensamentos próprios, quando tivermos mandado embora o Deus que nós criamos, estaremos dando a Deus a possibilidade de nascer em nós.” (12) Anselm Grün diz mais:
"Em cada um de nós existe um lugarzinho onde o silêncio é completo, um lugar livre de ruído dos pensamentos, livre das preocupações e desejos. É um lugar em que nós mesmos nos encontramos inteiramente em nós. Este lugar, que não é perturbado por nenhum pensamento, é para Eckhart o que existe de mais precioso no homem, o ponto onde o verdadeiro encontro entre Deus e o homem pode ocorrer. A este lugar do silêncio nós precisamos avançar. Não temos necessidade de criá-lo, ele já existe, apenas está obstruído por nossos pensamentos e preocupações. Quando desobstruímos em nós este lugar do silêncio, poderemos encontrar Deus assim como ele é. Então não nos fixamos em nós e em nossos pensamentos, mas nos desvinculamos inteiramente de tudo, deixamo-nos cair no mistério de Deus que nos sustenta. Então não prescrevemos a Deus como ele tem que vir ao nosso encontro, mas nos abrimos para a sua vinda assim como ele a imaginou. Mesmo depois de havermos desobstruído em nós este lugar do silêncio, não podemos forçar uma experiência de Deus. Também aqui não podemos sentir senão o vazio e a escuridão. Mas então estaremos abertos à sua chegada, sem que estejamos curiosos e impacientes na expectativa de uma experiência de Deus."
Rolf Roeder - Teólogo
Notas:
1Cf. __________. O peregrino russo – três relatos inéditos, p. 10.
2 __________. Relatos de um peregrino russo, p. 23
3 Ibid., p. 34.
4 Henri J. M. NOUWEN. A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo, p. 39.
5 Jean-Yves LELOUP,. Escritos sobre o Hesicasmo, p. 38-39.
6 Sugiro a leitura do livro de “Anselm GRÜN. As exigências do silêncio.
7 Anselm GRÜN. As exigências do silêncio, p. 44.
8 Thomas MERTON. A Vida Silenciosa, p. 156-157.
9 Frei PATRÍCIO, ocd. O barulho adoece e o silêncio cura, p. 38.
10 Thomas MERTON. A Vida Silenciosa, p. 130.
11 Anselm GRÜN, As Exigências do Silêncio, p. 81-82.
12 Anselm GRÜN, As Exigências do Silêncio, p. 82.
13 Ibid., p. 81-83.
Fonte: https://www.academia.edu/8211016/A_busca_do_sil%C3%AAncio_contemplativo_nos_hesicastas_e_nos_m%C3%ADsticos_crist%C3%A3os
Fonte da Gravura: Fotografías de Rosa Sorrosal
http://www.good-will.ch/postcards_es.html
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